Apesar de crise dos SPACs, Nuvini e Ambipar abrem janela para América Latina

SPACs do Valor Capital, da XP e do Mercado Livre, que fizeram IPO em 2021, têm prazo que vence neste ano para encontrar e se fundir com empresas para levá-las à listagem

Profissionais da empresa brasileira Semantix em sua estreia na Nasdaq após fusão com a Alpha Capital em agosto de 2022
26 de Março, 2023 | 01:52 PM
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Bloomberg Línea — Os gestores (sponsors) de veículos SPAC (conhecidos como veículos financeiros de “cheque em branco” que captam recursos com a finalidade de encontrar e se fundir com uma empresa para levá-la à bolsa) da América Latina estão correndo contra o tempo para fechar acordos com seus alvos. A razão é o prazo que vence neste ano para os que levantaram recursos com investidores em 2021.

O setor passa por uma crise dado que a alta dos juros desacelerou os negócios, assim como no mercado de oferta de ações e de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês). Além disso, as empresas que são alvo dos SPACs são, de forma geral, as de tecnologia, justamente as mais castigadas pelo aperto monetário e pela desaceleração da economia.

Nos últimos dias, a Nuvini e uma subsidiária da Ambipar (AMBP3) anunciaram fusões com SPACs. Ambos no limite para “estourar” o tempo para a transação e em busca de extensões de aportes.

Os veículos de cheque em branco, depois de listados em bolsa, precisam encontrar outra empresa para se fundir em até dois anos.

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Se não conseguirem cumprir o prazo dos 24 meses, ou os investidores aportam mais recursos em uma extensão, ou o dinheiro tem que ser devolvido aos mesmos.

Entre os veículos da América Latina que ainda estão à procura de uma empresa para realizar uma fusão há o Valor Latitude, veículo SPAC do Valor Capital Group (VLATU), listado em maio de 2021, o XPAC, SPAC que tem a XP como gestora (XPAXU), que realizou IPO em julho de 2021, e o MEKA (MEKA), o SPAC do Mercado Livre (MELI) e da empresa de VC Kaszek, que fez IPO em outubro de 2021.

Geralmente, para pedir uma extensão, o SPAC deve estar com um ativo em negociação, em vias de fechar o acordo. Em alguns casos, os gestores têm que pagar por essa extensão de prazo.

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Os SPACs listados nas bolsas americanas detêm cerca de US$ 18 bilhões em dinheiro de investidores, segundo dados compilados pela Bloomberg News. Há mais de 70 SPACs com prazo de liquidação próximo.

Apesar da retração desse mercado desde 2022, ele ainda está ativo, incluindo empresas do país: foi o caso da Mercato Partners, de Utah, que levantou um SPAC de US$ 200 milhões em novembro de 2021 e que, em fevereiro de 2023, fundiu-se com a brasileira Nuvini, startup fundada por Pierre Schurmann.

Outro caso foi a Ambipar Response (AMBI), que começou a ter ações negociadas na Bolsa de Nova York no começo do mês, depois de se fundir com a HPX Corp, SPAC de Carlos Augusto Piani, que levantou US$ 220 milhões em julho de 2020. Com extensões, o acordo já era negociado desde meados de 2022.

Dados do Boardroom Alpha mostram que mais de 30 gestores de SPACs tiveram os veículos dissolvidos neste ano, enquanto 86 conseguiram prorrogar o prazo. O SVF Investment Corp, um dos três veículos SPAC do SoftBank, foi um caso de deslistagem da Nasdaq. O SPAC não conseguiu encontrar outra empresa interessada em realizar uma fusão após levantar US$ 604 milhões em um IPO em 2021.

Extensão do prazo só em casos certeiros

“Em última instância, os gestores do SPAC que pagam a conta para ter esse capital alocado com eles - porque há custos associados a levantar um SPAC - vão arcar com isso de forma unilateral se tiverem que devolver o dinheiro para os investidores”, explicou uma pessoa com conhecimento do setor de SPACs, que preferiu não ser identificada porque as discussões são privadas.

Isso significa, portanto, que esses gestores teriam que potencialmente arcar com mais custos para conseguir a extensão. E que só farão isso se tiverem convicção de que há um acordo na mesa que vale a pena.

“Não temos visto a maioria dos gestores ativamente considerando a extensão. Temos visto só aqueles que realmente já estão na ‘boca do gol’, com ativos em negociação”, disse essa pessoa.

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Mas, em um cenário em que a bolsa caiu 20% no último um ano e meio para as empresas do S&P 500 e na Nasdaq, o investidor que investiu US$ 100 em um SPAC não sairia exatamente no prejuízo se o veículo se dissolvesse, já que obteria a devolução dos US$ 100 com rendimento do Tesouro. “Teoricamente, investir no SPAC foi a melhor coisa que esse investidor poderia ter feito”, explicou essa pessoa.

Não é o caso do gestor que conseguiu captar recursos com investidores por meio dos SPACs e que terá que devolver o capital.

O prazo agora apertado não é o único problema que tem aumentado o pessimismo do mercado em relação aos veículos SPAC. Há também um maior escrutínio da SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA), que ainda não decidiu como vai tratar a questão do risco legal de advisors de SPACs.

A questão é se a regulação será mais parecida com uma coordenação de uma oferta de ações ou se será como uma assessoria de fusões e aquisições (M&A). Isso tem implicações relevantes para os grande bancos que operavam nesse mercado e que deixaram esse veículo de lado neste momento.

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A falta de empresas-alvo em boas condições para aquisição e os casos de companhias que até se tornaram públicas por meio de SPAC mas que quebraram ou acabaram vendidas a preços de liquidação também têm aumentado o ruído e a volatilidade desse mercado.

SPACs no Brasil e o caso Nuvini

No ano passado, o Brasil teve o seu primeiro caso de uma empresa de tecnologia que usou um SPAC para abrir capital, quando a Semantix (STIX) se fundiu com a Alpha Capital.

A Nuvini, que conseguiu se fundir com uma SPAC neste começo de ano, é uma serial acquirer: adquire empresas menores para crescer e usa o fluxo de caixa gerado pela aquisição para comprar ainda mais empresas. Por meio da repetição do processo, promete agregar valor ao acionista.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Schurmann disse que a proposta da Nuvini é “tropicalizar esse modelo”, usando a estratégia de adquirir empresas brasileiras que caminham com as próprias pernas ou que passaram por captação Anjo e Seed, mas não fizeram o caminho de valuation com venture capital.

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“Há boas companhias, com bons times e com fundadores que, depois de oito, dez anos, buscam realizar parte de seu ganho, do resultado do seu trabalho”, disse Schurmann. Segundo ele, acessar o mercado de capitais fez sentido “porque estamos nesse processo de aquisição contínuo”.

“Estamos destravando valor para os fundadores e os investidores das empresas que nós adquirimos, mas entendemos também que dar mais liquidez, ou um caminho alternativo de liquidez, para esses investidores, tornaria a Nuvini mais atraente e mais interessante”, afirmou.

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Para Schurmann, o SPAC apareceu como esse “caminho alternativo” de acesso ao mercado de capitais em um momento em que houve uma redução expressiva do dinheiro alocado em tecnologia no Brasil.

Segundo a plataforma de inovação Distrito, em 2021 foram aplicados US$ 5,8 bilhões em startups late stages brasileiras, o equivalente a 63% do total investido naquele ano. Em 2022, esse valor caiu para US$ 1,5 bilhão, ou 45% do acumulado no ano.

Desde sua fundação, a Nuvini completou duas rodadas de investimento com family offices e captou uma debênture na B3. “Nós queríamos fazer uma Série B, estávamos buscando fazer uma rodada e conversando com alguns investidores, mas entendemos que o momento cria um grau de dificuldade maior dado o encolhimento expressivo em capital alocado em growth na América Latina”, disse Schurmann, que procurava financiamento com fundos de private equity.

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Foi nesse contexto que entrou em contato com a Mercato, inicialmente buscando uma rodada de investimento. A Mercato é um fundo com US$ 2,1 bilhões sob gestão.

A conversa evoluiu dado que eles já tinham um SPAC”, disse. “Vimos muita complementariedade porque a Nuvini está adquirindo empresas fora das grandes cidades. Isso começou por acaso, mas agora estamos priorizando. Achamos empresas com bons números e muita disciplina no caixa, e a Mercato também. Ela investe em empresas que estão fora do Vale do Silício”, contou Schurmann.

A debênture da Nuvini, que foi uma emissão de dívida para adquirir companhias em 2020, “está bem acomodada dentro do fluxo de caixa”, segundo o empreendedor. Ele disse que não tem intenção de fazer novas emissões de dívida.

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“Nossa intenção é usar tanto o currency da ação listada quanto o próprio fluxo de caixa da Nuvini”. A empresa pretende adquirir de quatro a seis empresas por ano, segundo ele.

“O acordo da Nuvini é uma tese que precisa de capital e é calculada em cima da perspectiva de compra de outras empresas de SaaS (Software as a Service), para colocá-las embaixo de um guarda-chuva de holding.”

“Para comprar outras empresas precisa-se de capital, é uma tese que não fica de pé sem dinheiro. Olhando as condições do mercado privado e do mercado público, o SPAC parecia ser a única alternativa plausível. Foi inteligente para eles conseguirem levantar algum capital”, disse a pessoa familiarizada com o mercado de SPACs, que falou à Bloomberg Línea em condição de anonimato.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups