O que será dos SPACs da América Latina?

Máquina de fusões que criou algumas das maiores novas fortunas do mundo também é responsável por uma das maiores implosões de riqueza

Mercado virou e os deals precisam sair em até dois anos.
19 de Maio, 2022 | 04:25 AM
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Bloomberg Línea — Criados nos Estados Unidos há mais de duas décadas, os SPACs (Special-Purpose Acquisition Company), comumente conhecidos no mercado de capitais como “companhias do cheque em branco”, se tornaram mais populares entre investidores na América Latina no ano passado.

O SPAC funciona a partir de uma operação financeira em que se troca a arbitragem de valor de um IPO (oferta pública inicial) por uma fusão com uma companhia que não tem operações mas tem os recursos captados junto a investidores, o que faz com o que o processo para uma empresa se tornar pública, com capital aberto, seja mais rápido. A única função do SPAC - depois de estar listado de forma tradicional - é encontrar uma empresa-alvo e se fundir com ela para levá-la à bolsa.

A América Latina tem sete SPACs que foram criados com o crescimento desse tipo de veículo de investimento nos últimos dois anos. Até a virada das condições de mercado, os SPACs da América Latina pretendiam aproveitar a liquidez recorde que criou as condições para o surgimento de mais de 40 unicórnios na região para se fundir com as startups late-stage.

A LatAmGrowth (LATGU) realizou o seu IPO no início deste ano, levantando US$ 130 milhões. A MEKA (MEKA), SPAC da Kaszek e do Mercado Livre (MELI) levantou US$ 287 milhões na Nasdaq e a XPAC, SPAC da corretora XP (XP), arrecadou US$ 200 milhões na Nasdaq.

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O Valor Latitude também teve um IPO de US$ 200 milhões na Nasdaq, assim como a DILA Capital (US$ 50 milhões na Nasdaq) e O SoftBank LDH Growth I (US$ 200 milhões na Nasdaq). Todos estão em busca de uma empresa na região para uma fusão, que tem que ser feita em até dois anos a partir do IPO do veículo. Caso contrário, o SPAC se dissolve e os investidores recebem seu dinheiro de volta.

Apenas dois SPACs da América Latina já anunciaram a fusão ou já se fundiram com uma empresa-alvo. A Alpha Capital Acquisition anunciou no final do ano passado que se fundiria com a brasileira Semantix. Antes disso, a SPAC Andina Acquisition Corp I, que arrecadou US$ 42 milhões na Nasdaq, fundiu-se com a Tecnoglass em 2013.

Depois de um 2020 recorde com SPACs fazendo fusões, o mundo da tecnologia e das finanças parece ter investido de forma muito rápida. Em 2022, o cenário se tornou muito mais complicado. Até meados de maio, 66 SPACs arrecadaram US$ 11,5 bilhões nas bolsas americanas, contra 317 que já haviam acumulado US$ 102 bilhões a essa altura em 2021, segundo dados compilados pela Bloomberg.

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A máquina de fusões que criou algumas das maiores novas fortunas do mundo também é responsável por uma das maiores implosões de riqueza.

O fundador da Arrival Denis Sverdlov, com fortuna avaliada em US$ 11,7 bilhões há um ano, perdeu seu status de bilionário no mês passado, quando as ações da fabricante de veículos elétricos despencaram após sua fusão com um SPAC.

O declínio de 94% em seu patrimônio líquido é a maior perda de riqueza de qualquer pessoa fora da China que estava no Bloomberg Billionaires Index no ano passado, superando inclusive a queda de 90% de Ernie Garcia III, cofundador da Carvana, varejista online de compra e venda de carros seminovos, o mesmo modelo de negócios da Kavak, startup da América Latina avaliada em US$ 8,7 bilhões.

O colapso de Sverdlov serve de alerta de como os SPACs podem passar de um meio de criação de riqueza para um meio de destruição.

Mesmo alguns bancos que ajudaram a desenvolver o mercado de SPACs agora os rejeitam por preocupações com riscos. O Goldman Sachs e o Bank of America diminuíram seu envolvimento no setor, pausando trabalhos com novos veículos SPAC enquanto a SEC (Securities and Exchange Commission), que regula o mercado de capitais americano, avalia novas regras para esse tipo de veículo.

“A Arrival está lidando com o efeito da aura negativa das empresas de SPAC”, disse Susan Beardslee, analista principal da ABI Research.

Um porta-voz da Arrival não quis comentar.

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Corrida contra o tempo

Rafael Steinhauser é o patrocinador por trás do SPAC da Alpha Capital. “Por sorte, o nosso foi o primeiro SPAC de tecnologia LatAm a anunciar a fusão e a primeira que vai ser pública”, disse Steinhauser, em entrevista à Bloomberg Línea.

A Alpha Capital anunciou a fusão com a Semantix, empresa brasileira de inteligência artificial e análise de dados, em novembro de 2021. A Alpha Capital espera que a transação seja concluída em junho. “Será a primeira empresa deep tech da América Latina a ser pública nos Estados Unidos, porque todas as outras são de tecnologia aplicada: usam tecnologia para vender serviços, mas não criam tecnologia”, disse Steinhauser.

Segundo o empresário, o SPAC da Alpha conseguirá sair no mês que vem porque, quando o SPAC assinou o contrato de fusão, também foi estruturado um Pipe (private investment in public equity, que equivale a uma captação extra) além dos US$ 230 milhões levantados no IPO. O Pipe é um meio para o SPAC se proteger para conseguir fazer a transação caso os investidores retirem o dinheiro do veículo (redemptions), seja porque não gostaram da empresa-alvo, seja por causa das condições de mercado.

“Nunca imaginamos que teríamos tantas redemptions como hoje, em que há 80 a 90% de redemptions”, afirmou Steinhauser. “Quando você tem tanto resgate e não tem ninguém que te dê dinheiro para o Pipe, porque isso também secou, você chega ao minimum cash. Não consegue compor a transação para sair público”.

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Um balde de água fria

A alta das taxas de juros é um dos motivos para a desaceleração dos SPACs, de acordo com Steinhauser. Segundo as regras atuais, o valor investido em um SPAC não pode ser aplicado em juros. Por isso, os investidores acreditam que aplicando o dinheiro em ativos indexados às taxas de juros mais altas ganham mais do que com um SPAC.

O segundo motivo para a perda de dinamismo é que a SEC está avaliando mudar as regras para os SPACs. “As regras [em discussão] são tão graves que todo mundo ficou com medo, sobretudo os bancos, porque uma das regras diz que quem coordena o IPO do SPAC é também corresponsável pelo d-SPAC (empresa pública após a fusão). E um banco ser considerado corresponsável por uma empresa que ele não conhece, porque não sabe qual será o alvo, é algo muito grave”, disse Steinhauser.

Uma pessoa familiarizada com o assunto e que pediu anonimato porque as discussões são privadas explicou que no IPO os bancos não podem fazer projeções de negócios, já que tais informações poderiam ser atribuídas ao banco e ele poderia ser processado se a empresa não entregar o prometido.

No SPAC, o banco não é responsável pela fiscalização - due dilligence - dos números da empresa, e os investidores são chamados de “big boys” porque assumem esse risco. Mas agora a SEC avalia que o banco poderia responder pela empresa com a qual foi feita a fusão. Caso isso ocorra, as projeções de negócios que são feitas hoje nos SPACs para atrair investidores poderão não ser mais feitas.

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A consulta pública da SEC sobre as novas regras tem duração de dois meses e pode acarretar o fim dos SPACs como eles são conhecidos hoje.

“Acho que ainda vai existir SPACs, mas como estamos nesse impasse da discussão regulatória, somado à [alta da] taxa de juros, parou tudo. O nosso só não parou porque temos esse Pipe garantido, mas, se não fosse pelo Pipe, estaríamos como os outros”.

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A MEKA captou o suficiente em seu IPO em outubro de 2021 para levar uma grande empresa ao mercado de ações, além de também contar com um Pipe. “Se encontrássemos uma empresa que fosse menor, nós certamente iríamos com essa empresa, mas queremos manter nossas opções abertas. Por isso não definimos um tamanho específico, mas o capital levantado foi bastante significativo”, disse Hernan Kazah, patrocinador da MEKA, em entrevista à Bloomberg Línea no começo deste ano.

“Queria que soubéssemos disso, que um mercado mais volátil estava chegando, mas não tínhamos ideia de que isso iria acontecer”, disse Kazah.

-- Com informações da Bloomberg News

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups