São Paulo — Diante de uma temporada de perdas no mercado de ações e das incertezas na economia dos resultados de empresas, o sentimento de cautela e de aversão ao risco ganhou força entre muitos investidores.
Mesmo no caso dos que possuem “perfil arrojado” e se dispõem a assumir riscos maiores, os desafios se acumulam com a elevada volatidade nos preços dos ativos em um ano eleitoral, repleto de incertezas com os efeitos da guerra na Ucrânia, inflação e juros em níveis não vistos há décadas no mundo.
Para bancos e corretoras, o cenário de captação de recursos e de gestão dos ativos também se tornou desafiador. E cada um adota sua estratégia para conseguir continuar a crescer em meio à disputa cada vez mais desigual com a rentabilidade acima de dois dígitos, com menos riscos, da renda fixa.
Uma estratégia é apostar que a tendência de sofisticação e de diversificação do investidor continua e que, diante de momento tão complexo, mesmo o investidor de varejo vai buscar ajuda profissional. É a tese do C6 Bank e de seu sócio JPMorgan (JPM), que tem 40% do capital do banco digital.
“Um movimento interessante que vem acontecendo há um tempo e não desacelerou com o aumento da taxa de juro são algumas pessoas olhando para ativos internacionais. O investidor de uma maneira geral tem buscado mais conhecimento em relação a alternativas de investimento”, disse Igor Rongel, head de investimentos do C6 Bank, em entrevista à Bloomberg Línea.
O banco digital batizou seu serviço pago de administração de investimentos de “TechInvest”, que permite ao usuário montar no app uma carteira administrada e personalizada de ativos, que será monitorada e rebalanceada pela equipe de especialistas da instituição. Essa linha de negócios começou com a oferta de ativos internacionais, acaba de incluir domésticos e, em julho, terá fundos de investimentos.
O C6 Bank entrou em operação em 2019, fundado por Marcelo Kalim, Leandro Torres e Luiz Marcelo Calicchio, o Teco, além de Carlos Fonseca (que saiu e fundou a Galapagos Capital), todos ex-sócios do BTG Pactual (BPAC11). Tornou-se um dos maiores bancos digitais do país, um grupo que reúne Nubank (NU) e Inter (BIDI11), entre outros. Há um ano, o JPMorgan adquiriu 40% do capital do C6 por valor não divulgado.
“Temos percebido um apetite maior para ativos no exterior por uma camada de investidor que antes não se interessava ou não tinha conhecimento suficiente”, disse Rongel, sem revelar dados de adesão ao TechInvest ou qual o valor médio do aporte do investidor nesse produto.
No mercado como um todo, o ritmo de crescimento da base de investidores em renda variável desacelerou. O número de investidores em ações cresceu 19% em 12 meses, de 2,6 milhões para 3,1 milhões de CPFs em abril. Por outro lado, houve queda na mediana do saldo em custódia, de R$ 7 mil para R$ 4 mil.
Mesmo com o movimento acelerado de migração de recursos da Bolsa para a renda fixa, investidores mais agressivos seguem de olho em pechinchas, de olho em ganhos maiores. “Clientes com um perfil um pouco mais arrojado vêm buscando oportunidades nesse cenário de volatilidade”, diz.
Confira os principais trechos da entrevista:
Como os clientes do C6 estão investindo neste cenário de inflação e juros elevados?
Ficou no passado o período de juro bem baixo, quando houve um movimento acelerado de clientes saindo da renda fixa para buscar alguma alternativa com rentabilidade maior. Muitos investidores entraram em renda variável, alguns até sem muito conhecimento, eventualmente enfrentaram perdas e não têm um perfil tão adequado para esse tipo de ativo. Mas, ultimamente, com o aumento da taxa de juro, percebemos uma concentração maior nos ativos de renda fixa, tanto fundos de renda fixa quanto outros papéis de renda fixa, como LCA, LCI e CDB etc.
Esse movimento de migração ou, na verdade de desaceleração da saída da renda fixa para outros ativos nos favorece, porque temos um portfólio de renda fixa bastante competitivo. Quando a renda fixa ganha força, surfamos essa onda. O brasileiro é acostumado a ser rentista. Em geral, as taxas de juros são altas aqui e o investidor busca essa rentabilidade da renta fixa.
Outro movimento interessante que vem acontecendo há um tempo e não desacelerou com o aumento da taxa de juro são algumas pessoas olhando para ativos internacionais. O investidor de uma maneira geral tem buscado mais conhecimento em relação a alternativas de investimento.
Percebemos um apetite maior para ativos lá fora por uma camada de investidor que antes não se interessava ou não tinha conhecimento suficiente ou não tinha enfrentado ainda um cenário de juros muito baixos que fizesse ele sair dessa inércia para olhar alternativas.
O que vocês entendem que faz sentido oferecer em ativos no exterior?
Temos algumas opções de investimento no exterior. Uma delas é a conta global de investimento, que o cliente abre lá fora. Dentro dessa conta há várias opções de fundos que o cliente pode investir posicionado em dólar. Outra opção é o TechInvest de ativos globais, que já está no ar desde o meio do ano passado. Essa carteira administrada de ativos globais já tem ativos do exterior dentro das opções no app. Temos um portfólio grande com 150 fundos.
No cenário macro, temos pressão da guerra na Ucrânia, rali de commodities, inflação. A alta de juros já está totalmente precificada nos ativos? Como isso afeta as avaliações dos investidores?
Os economistas do banco fazem essa análise macro e citam a possibilidade de termos taxa de juro ainda alta no ano que vem. De fato, muitos investidores questionam qual seria o cenário de médio e longo prazo. E muitos estão tentando entender qual a melhor estratégia de investimento, qual é a melhor alocação a ser feita dado o cenário atual e esse horizonte de curto e médio prazo.
Percebemos uma aversão maior a risco. O mercado está mais volátil. Há uma aversão principalmente para aquele perfil de cliente que é mais conservador. Ele já está migrando de forma mais acelerada para uma concentração maior de renda fixa. Os clientes com um perfil um pouco mais arrojado vêm buscando oportunidades nesse cenário de volatilidade, não ficam tão preocupados em ter uma concentração na renda fixa e tentam mirar eventuais oportunidades de preços nessas oscilações.
Temos alguns nichos de clientes aproveitando algumas oportunidades neste momento, que de fato é volátil. Tem pandemia, guerra, combustível, vários componentes que deixam essa equação um pouco mais difícil de ser interpretada pelos clientes.
Quando há esse cenário de dificuldade de leitura, o cliente tende a pisar um pouquinho no freio e espera para ver o que está acontecendo e o que vem por aí, e depois ele volta a se posicionar. Já o que tem o perfil mais arrojado fica frequentemente buscando oportunidades de ganhos por eventual upside de preço.
Qual cenário base para o segundo semestre o banco apresenta aos seus clientes e como vocês estão buscando crescer nesse ambiente?
A visão dos economistas do banco para o segundo semestre ainda é de taxa de juro alta, inflação alta e provavelmente uma valorização do dólar. De novo, estamos enfrentando um período de bastante oscilação. A monitoria do pessoal é frequente. Se houver alguma eventual mexida muito grande no mercado, eles vão revisando essas visões ao longo do tempo.
Tentamos ser bem claros para o cliente sobre nossa visão e qual o cenário que ele pode enfrentar daqui para frente. Tentamos deixar o portfólio e a diversificação do cliente o mais adequado possível pelo perfil de risco para que ele não sofra nenhum tipo de surpresa ao longo do tempo. E temos tido sucesso ao longo dos últimos meses com essa estratégia.
A tese de diversificação dos investimentos continua ou está perdendo força?
A diversificação sempre será importante. Por exemplo, em renda variável, se o nível de risco vai de 10% a 30% da minha carteira, no atual momento, achamos que o investidor deve estar mais perto do 10% do que do 30%. A diversificação é sempre muito relevante, porque o cenário futuro tem várias visões, vários estudos, mas a verdade é que ninguém sabe exatamente o que vai acontecer. E se o cliente ficar com uma carteira pouco diversificada, pode deixar passar muita oportunidade.
Acabamos de lançar o TechInvest de Ações, que são carteiras administradas de papéis da Bolsa, tanto nacionais quanto internacionais. E, na sequência, lançaremos o TechInvest de fundos, que será uma carteira administrada de fundos que será disponibilizado em julho. Independentemente de qual vertente o investidor escolhe, em todas ele tem essa conveniência de ter uma carteira administrada, em que ele faz uma seleção de ativos e nós fazemos todo o controle, o monitoramento e o rebalanceamento da mesma.
Há algum plano para transformar esse serviço em uma plataforma fora do app?
Temos planos de expandir a família TechInvest, mas não temos expectativa de tirar do app. Estamos sempre monitorando a experiência do usuário. A comodidade é ter tudo no app mesmo. O conceito de carteira digital de investimento é uma tendência interessante de mercado. Abrange quase todo tipo de ativo. Há ETFs de mercado futuro, moedas, índices acompanhando commodities, ouro, prata, tudo dentro de uma cesta acessível em poucos cliques.
O C6 vai incluir também criptoativos?
Acompanhamos essa discussão bem de perto. Temos um pouco de aversão a alguns aspectos relacionados a critpos. Estamos esperando a regulamentação avançar um pouco para ficarmos mais confortáveis. No curtíssimo prazo, não há horizonte de inserir cripto nessa família. Se o ambiente regulatório mudar e houver garantia de lastro de cripto, vamos avaliar se podemos colocar nas carteiras.
Veja também:
Presidente do Itaú: Alta de juros favorece bancos tradicionais
Exclusivo: David Vélez, CEO do Nubank: ‘não vemos necessidade de demissões’
Por que o JPMorgan se prepara para ‘furacão’ econômico, segundo seu CEO