Bloomberg — Empresas de tecnologia, como a Microsoft (MSFT) e a Qualcomm (QCOM), embarcaram em campanha de marketing para uma nova categoria de computador chamado de “PC com IA”, que promete recursos de inteligência artificial incorporados em seus notebooks e desktops.
Os novos notebooks se diferenciam dos modelos padrão pela inclusão de um processador adicional feito sob medida para acelerar os recursos de inteligência artificial (IA), como assistentes pessoais e a capacidade de automatizar tarefas.
Mas apenas 3% dos PCs vendidos neste ano atingirão o limite de potência de processamento da Microsoft para serem considerados PCs com IA, de acordo com a IDC, empresa de pesquisa do setor. Para persuadir os consumidores e as empresas de que é hora de comprar, o setor precisará oferecer uma variedade maior de PCs e fornecer software que tire proveito do novo hardware.
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Até o momento, analistas e críticos que fazem reviews também adotaram um tom cético em relação às capacidades de inteligência artificial dos novos notebooks.
A utilidade é limitada porque poucos fabricantes de software além da Microsoft estão desenvolvendo recursos para utilizar os novos chips nas máquinas otimizadas para tarefas de IA, disse Eric Compton, analista financeiro da Morningstar focado no setor de PCs.
Fabricantes de aplicativos como Adobe (ADBE), Salesforce (CRM) e SentinelOne (S) rejeitaram um dos maiores fabricantes de PCs quando este lhes pediu que ajustassem o software para que as ferramentas de IA pudessem ser usadas diretamente nos novos computadores a tempo do lançamento, de acordo com uma pessoa familiarizada com as discussões. Todas essas empresas fornecem recursos de IA por meio da nuvem.
A SentinelOne quer otimizar seus produtos para PCs com IA no futuro, mas provavelmente levará anos para que esses dispositivos atinjam uma “proporção suficiente de máquinas”, disse Gregor Stewart, vice-presidente de IA da empresa, em um comunicado.
Clara Shih, que lidera os esforços de IA da Salesforce, disse que a empresa tem desenvolvido modelos de linguagem – tecnologia que sustenta muitos tipos de IA generativa – nos dispositivos, mas não forneceu nenhum cronograma previsto para o lançamento.
Alguns fabricantes de software menores otimizaram seus aplicativos de forma a incluir IA. Isso inclui a Blackmagic Design, que produz um software de edição de vídeo que compete com o Premiere da Adobe, e a ferramenta de mixagem de música djay da Algoriddim.
Por enquanto, os recursos de IA disponíveis são em grande parte artifícios, disse um funcionário da Best Buy (BBY) logo após o lançamento em junho, que pediu para não ser identificado por medo de repercussões profissionais.
As máquinas conhecidas como “Copilot+ PCs” estão limitadas a recursos como uma ferramenta que faz parecer que o usuário olha para a câmera - como se prestasse atenção - durante uma reunião por vídeo quando, na realidade, seus olhos estão focados em outro lugar.
Os modelos de IA generativa podem ser usados para produzir imagens no dispositivo, mas ainda exigem conexão com a internet para moderação de conteúdo. Um recurso emblemático da Microsoft que permitiria que um usuário encontrasse facilmente atividades passadas em seu computador, chamado Recall, foi adiado devido a preocupações com questões de privacidade.
Um porta-voz da Microsoft disse que os desenvolvedores "demonstraram grande entusiasmo" na criação de aplicativos para usar o novo hardware e que o feedback dos usuários sobre os novos dispositivos tem sido "fantástico".
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Riscos vs potencial
Os riscos são altos para muitas das empresas envolvidas. A Qualcomm, fornecedora dos novos chips, disse que está pronta para desafiar o domínio da Intel (INTC) nas máquinas. Fabricantes de PCs, como a Dell Technologies (DELL) e a HP (HP), esperam que as máquinas voltem a estimular o entusiasmo dos consumidores por computadores.
Mas as empresas precisarão garantir que o desempenho corresponda ao marketing para evitar os impasses anteriores – como o sistema operacional móvel da Windows, que teve vida curta.
Um porta-voz da HP disse que a empresa trabalha com fornecedores de software para criar novas experiências para o PC com IA, ao mesmo tempo em que divulga os recursos existentes, como a tradução em tempo real.
Mesmo que os recursos sejam limitados no momento, os PCs com IA têm o potencial de alimentar uma onda de consumo de itens mais caros. Muitos consumidores, empresas e escolas compraram notebooks nos primeiros meses da pandemia, mas ainda não fizeram o upgrade.
Os novos recursos de IA ajudarão a direcionar os compradores para opções mais sofisticadas, disse Michael Dell, fundador e CEO da empresa homônima, em uma entrevista em maio. “O senhor quer comprar um PC que não seja capaz de fazer essas coisas de IA no futuro? Acho que não.”
Há sinais iniciais de tração. Um quinto dos computadores vendidos durante a semana de lançamento eram PCs com IA, de acordo com dados fornecidos pelo pesquisador de mercado Circana.
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Consumidores experientes em tecnologia, como os criadores de conteúdo, foram os mais rápidos em adotar as novas máquinas, enquanto o público em geral provavelmente ainda está um pouco “defasado”, disse Mike Crosby, diretor executivo da Circana.
O outro ponto de venda importante é a melhor duração da bateria em relação a outros notebooks que usam os sistemas operacionais Windows da Microsoft. A Qualcomm afirma que seus chips mais eficientes, baseados nos projetos da Arm Holdings, podem significar dias de uso sem necessidade de recarga.
Avi Greengart, analista do setor na Techsponential, que ajudou a organizar um evento promocional da Qualcomm, disse em uma entrevista que a duração da bateria, e não a IA, é o principal argumento de venda dos notebooks neste momento.
Mas os diferentes chips também aumentam a possibilidade de problemas de compatibilidade com gerações de software escritas para processadores Intel ou Advanced Micro Devices (AMD). Aplicativos comuns como o Microsoft Office, o WhatsApp da Meta Platforms (META) e o Photoshop da Adobe foram otimizados para os sistemas baseados em chips da Arm.
Mas muitos aplicativos ainda usados nas empresas não serão suportados, o que provavelmente limitará a adoção entre as empresas, disse Erik Woodring, analista do Morgan Stanley.
A Qualcomm reconhece que precisa intensificar seus esforços para promover sua marca e ajudar os fabricantes de PCs com publicidade. Isso é necessário porque o setor contou com a Intel para ganhar dinheiro por décadas sob a campanha mais bem-sucedida de componentes de todos os tempos com o slogan “Intel Inside”.
Os consumidores foram treinados para ver esse rótulo em seus computadores como um sinal de qualidade. E a Intel conseguiu até mesmo trazer as submarcas para o primeiro plano. Em 2003, seu processador Centrino levou a uma explosão no uso de notebooks com a inclusão de conexões Wi-Fi.
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A Qualcomm, que já tentou e não conseguiu conquistar uma fatia do mercado de PCs, gasta mais de US$ 75 milhões por ano para estampar o nome de seu processador Snapdragon nas camisas dos jogadores do Manchester United. A empresa também aumentou seus pagamentos a parceiros, como fabricantes de PCs, para ajudar a apoiar os negócios, disse o diretor de marketing Don McGuire.
"Este é um momento, mas tem que ser algo contínuo", disse McGuire. "Trata-se dos próximos seis anos, não dos próximos seis meses."
Os preços iniciais médios dos novos PCs com IA baseados na Qualcomm são cerca de 48% mais altos do que seus equivalentes sem IA, escreveu Samik Chatterjee, analista do JPMorgan (JPM). Ele projeta que a Qualcomm deterá cerca de 25% do mercado de PCs com IA até 2026.
Ainda neste ano, espera-se que a Intel e a AMD lancem seus próprios PCs com IA, que provavelmente terão menos problemas de compatibilidade associados aos dispositivos baseados na Arm.
Ainda assim, será um longo caminho até a adoção por parte de consumidores e empresas. Em 2026, os PCs com IA ainda representarão apenas cerca de 20% das novas remessas de PCs, de acordo com a IDC.
- Com a colaboração de Jaewon Kang, Matt Day e Dina Bass.
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