Taylor Swift é vítima de IA em novo álbum e evidencia riscos na criação musical

Lançamento de ‘The Tortured Poets Department’ revela que música ‘Fortnight’, que havia viralizado anteriormente no TikTok, não era verdadeira e foi gerada com uso de tecnologia

Taylor Swift
21 de Abril, 2024 | 02:23 PM

Bloomberg Línea — Fãs de Taylor Swift que começaram o dia na sexta-feira (19) ansiosos para ouvir a música “Fortnight”, em parceria com Post Malone, que viralizou no TikTok, tiveram uma surpresa: a canção que surgiu antes do lançamento do álbum mais novo da cantora, “The Tortured Poets Department”, não era verdadeira e havia sido produzida com uso de IA (Inteligência Artificial).

O caso envolvendo a cantora mais popular da atualidade colocou sob os holofotes questões sobre a autenticidade na produção musical e destacou os desafios enfrentados pela indústria diante do uso crescente de IA, segundo especialistas consultados pela Bloomberg Línea.

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O fenômeno não é exclusivo de Taylor Swift; outros artistas, como The Weeknd e Drake, já tiveram músicas produzidas com uso de IA falsamente atribuídas a eles.

Fabro Steibel, diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), apontou o que considera uma “necessidade urgente” de regulamentação mais sólida para proteger os direitos autorais e garantir a autenticidade na produção musical.

Ele ressaltou a importância da existência de mecanismos de identificação e denúncia, com supervisão humana, para combater a disseminação de músicas falsas.

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“A IA é treinada com conteúdos disponíveis. A cultura pop está muito nesse material. Por isso, é mais fácil você fazer um modelo que vai conseguir emular uma pessoa, uma imagem, um som. Com isso em mente, o fã quer fazer o melhor que ele consegue com a sua pessoa”, disse sobre o fenômeno. “Acontece que começa a viralizar, e ninguém se preocupa em saber se aquilo é verdade ou não.”

Para Fabio Kujawski e Ingrid Soares, sócio e advogada, respectivamente, do escritório Mattos Filho, a IA está revolucionando a forma como a música é criada, produzida e distribuída. Eles alertaram para os desafios éticos e legais associados ao treinamento de modelos de IA com dados protegidos por direitos autorais, o que levanta questões sobre o “fair use” e a atribuição de autoria.

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No âmbito ético, surgem preocupações sobre a capacidade da IA para replicar a profundidade emocional e nuances culturais das composições humanas, bem como o impacto potencial na indústria da música, afetando empregos de compositores, produtores e músicos. “Isso ocorre, na verdade, em qualquer setor criativo, incluindo, por exemplo, obras audiovisuais”, disseram os advogados.

Para Guto Farias, fundador e CEO da Web3Valley, aceleradora de startups web3 da América Latina, o uso primordial da inteligência artificial “ainda se concentra no lazer e na exploração dentro do ambiente amador”.

“No entanto, na esfera profissional, ela tem sido empregada principalmente na composição de letras, no aprimoramento de áudios - seja na redução de ruídos ou na correção de afinação - e no desenvolvimento de trechos musicais”.

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Segundo Farias, a IA requer ‘inputs’ humanos para direcionar suas criações, o que cumpre as expectativas de compositores. “Atualmente, a maioria das IAs ainda não possui a alta performance para realizar todo o processo criativo de maneira independente. Portanto, não é raro que a letra seja composta por uma IA diferente daquela que cria a melodia”, disse.

“Em caso de sucesso comercial de uma música gerada por IA, quem tem direito aos royalties? Os programadores que desenvolveram e treinaram a ferramenta deveriam ser recompensados? Estas são apenas algumas das muitas perguntas que surgem nesse novo horizonte tecnológico e criativo”, apontou sobre algumas das questões que se colocam.

O papel das plataformas de streaming

Segundo Kujawski e Soares, as plataformas de streaming estão implementando sistemas de curadoria e classificação para distinguir músicas de IA de outras formas de conteúdo musical, além de estabelecer políticas claras para informar os usuários quando estão ouvindo música gerada por IA.

Negociações de licenciamento específicas também estão sendo conduzidas para garantir o que seria uma compensação justa para todos os envolvidos.

Tem sido o caso da Deezer, uma das maiores plataformas de streaming de áudio do mundo, que lançou há quase um ano, em junho passado, uma ferramenta em desenvolvimento chamada “Radar” para identificar eventuais distorções existentes em músicas que sinalizariam o uso de IA em sua produção.

“Em um mundo em que a música gerada por IA está decolando rapidamente, a Deezer expande seu compromisso em ajudar os artistas a monetizar melhor suas músicas, combater fraudes e criar uma melhor experiência de usuário para os fãs”, disse a empresa francesa em comunicado à época.

As tags serão usadas para manter artistas, gravadoras e usuários informados sobre o que é “real” ou gerado por IA na plataforma, reduzir atividades fraudulentas e, em última análise, desenvolver um modelo de remuneração que faça a distinção entre diferentes tipos de criação musical.

“Os músicos estão usando máquinas e softwares de computador como modelo generativo já faz algum tempo”, disse Manuel Moussallam, diretor de pesquisa da Deezer, à Bloomberg Línea.

“Os avanços recentes em modelos de geração de conteúdo, que estão abrindo oportunidades únicas para os artistas explorarem novos territórios musicais e para as plataformas digitais, como a Deezer, usam essas tecnologias para desenvolver novas ferramentas para descobrir novas músicas”, disse.

Ele ressaltou, contudo, que “podemos enfrentar uma situação no futuro em que muitos desses conteúdos gerados por essas ferramentas sejam enviados para a plataforma, prejudicando o trabalho de (e desviando receitas de) artistas reais”.

“Na Deezer, estamos determinados a não deixar nosso catálogo ser inundado e estamos deixando claro em nossa política que não aceitaremos isso. Além disso, estamos questionando a forma como tais modelos são treinados. Eles podem usar materiais protegidos por direitos autorais e, se não forem devidamente creditados, isso equivale a um uso injusto da criação artística”, disse Moussallam.

Para ele, a chave para um desenvolvimento frutífero e justo é a transparência em todas as partes da cadeia. “Artistas devem estar cientes sempre que sua criação esteja sendo usada para treinamento ou imitação. Consumidores devem saber quando uma peça foi criada com modelos generativos, em parte ou inteiramente”, disse.

“Até o momento, não temos um indicador claro de que conteúdo puramente gerado esteja sendo amplamente consumido na plataforma. No entanto, estamos trabalhando em ferramentas de detecção que nos ajudarão a monitorar as coisas no futuro próximo”, disse sobre o trabalho de P&D.

Ainda não há um consenso sobre a melhor abordagem para lidar com essa questão, mas há um amplo movimento para coibir potenciais abusos e uso indevidos.

A Universal Music Group (UMG), por exemplo, tem buscado bloquear o acesso de empresas de IA a material protegido por direitos autorais, enquanto a Artists Rights Alliance (ARA) pressiona por um uso responsável da IA e compensação justa para os artistas.

“A UMG destacou a importância de proteger as vozes e a expressão criativa dos artistas após o incidente em que uma música criada por IA imitou de forma ultrarrealista as vozes de Drake e The Weeknd, levando a UMG a exercer seus direitos exclusivos de reprodução e remover a música da plataforma”, disseram Kujawski e Soares.

Geraldo Ramos, CEO da startup Moises, de tecnologia de IA para produção musical, disse que a capacidade da IA em criar canções que simulam artistas conhecidos pode afetar a indústria ao saturar o mercado com conteúdo semelhante, potencialmente diminuindo o valor da inovação e da criatividade humana.

“No entanto, por outro lado, também pode abrir novas possibilidades para a experimentação musical e a colaboração entre humanos e IA.”

Regulação de IA na produção musical

A regulamentação é vital para assegurar que os direitos dos criadores humanos sejam protegidos, segundo Kenneth Corrêa, professor de MBAs da FGV.

“As leis de direitos autorais necessitam adaptações para abraçar as nuances das criações assistidas por IA, delineando limites claros para uso e autoria”, disse.

“Normas regulatórias firmes ajudam a definir como royalties devem ser atribuídos e protegem contra usos não autorizados da tecnologia, equilibrando proteção legal com o incentivo à inovação nas aplicações criativas de IA na indústria musical.”

A discrepância nas leis de diferentes países, como entre os EUA e o Brasil, traz complexidade adicional no panorama internacional, segundo Corrêa, o que exige “atenção meticulosa quanto ao cumprimento das normas em múltiplas jurisdições”.

Para Kujawski e Soares, o Brasil e outros países precisarão reavaliar suas leis de direitos autorais para lidar com os desafios introduzidos pela IA.

O recente Ensuring Likeness Voice and Image Security Act (ELVIS Act) no estado do Tennessee, que entrará em vigor em julho de 2024, proibirá o uso de IA para imitar a voz de artistas.

A colaboração internacional será fundamental para harmonizar as leis em diferentes jurisdições e abordar questões éticas comuns. Entidades como a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) terão um papel importante nesse processo, segundo especialistas.

Para Silvio Andrade, diretor da BRQ Digital Solutions, “é importante ressaltar que o valor de uma obra está intrinsecamente ligado ao artista e ao criador, mais do que à própria obra em si. Esse aspecto é algo que a IA não terá a capacidade de ocupar ou substituir”.

Ramos disse que, a despeito de eventuais limitações legais, o uso de IA na indústria da música deve crescer com avanços em algoritmos que permitirão soluções ainda mais sofisticadas e personalizadas.

“A colaboração entre artistas humanos e IA pode se tornar cada vez mais comum, explorando novas formas de expressão musical. As novas regulamentações vão amadurecer para abordar as questões éticas e legais. A personalização da música para se adaptar aos gostos e estados emocionais dos ouvintes em tempo real também é uma tendência promissora”, disse.

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Tamires Vitorio

Jornalista formada pela FAPCOM, com experiência em mercados, economia, negócios e tecnologia. Foi repórter da EXAME e CNN e editora no Money Times.

Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups