Bloomberg Línea — A adoção da Inteligência Artificial (IA) tem causado mudanças de “nível tectônico”, com graves consequências sociais e econômicas para países e sociedades em ritmo acelerado, e o mundo precisa atuar de forma coletiva para reforçar instituições a fim de regular a forma como a tecnologia vai ser adotada para que seja possível proteger as pessoas, especialmente em relação ao trabalho.
Essa é a avaliação é ganhador do Prêmio Nobel James A. Robinson, professor da Universidade de Chicago, uma das referências para a economia e o pensamento liberal no mundo moderno. “Precisamos desenvolver uma IA que seja amigável para os trabalhadores”, disse Robinson em entrevista à Bloomberg Línea durante a segunda Conferência Global do Mercado de Trabalho (GLMC) realizada em Riad, na Arábia Saudita.
“O panorama geral é [o entendimento de] que a IA não só afeta os trabalhadores como aumentará a desigualdade entre os países e aumentará a desigualdade dentro dos países. São mudanças de grande impacto, que precisam de regulamentação, o que não está acontecendo”, afirmou.
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Em sua apresentação na conferência, Robinson, que dividiu o Nobel de Economia em 2024 com Daron Acemoglu e Simon Johnson, soou um alarme sobre os riscos da IA para os trabalhadores. Eles foram premiados em razão de seus estudos sobre o papel das instituições para a prosperidade dos países.
Segundo ele, há um grande otimismo em relação aos avanços da tecnologia, com a perspectiva de ganho de produtividade e aumento global do PIB em uma velocidade maior do que em qualquer momento do passado. Ainda assim, é preciso pensar sobre as consequências dessa transformação.
“As consequências da inteligência artificial geral são tão obscuras... Eu não acho que vimos nada parecido na história mundial. É preciso saber que mudanças tecnológicas como a IA podem criar grandes desafios sociais. A mudança tecnológica causa destruição criativa”, disse.
“A IA pode aumentar a criatividade e o PIB, mas redistribui as oportunidades e a renda de forma que tem importantes consequências sociais e políticas e econômicas”, completou.
Segundo ele, um cenário positivo só vai se concretizar em contextos em que existam instituições inclusivas, que permitam que as pessoas explorem sua criatividade.
“Países desenvolvidos já contam com instituições inclusivas e estão à frente da pesquisa e do desenvolvimento de tecnologias, enquanto nações em desenvolvimento estão longe do avanço tecnológico e também precisam melhorar as instituições e torná-las mais inclusivas”, disse.
Sem regulamentação e sem instituições para garantir a proteção das pessoas, o que pode acontecer é um cenário em que a IA substitua os trabalhadores sem gerar alternativa para as pessoas.
“O que me assusta é que ninguém parece pensar sobre como fazer a IA ser mais compatível com as pessoas, em vez de substituí-las, e precisamos de uma mudança política para começar uma conversa ampla sobre como fazer as pessoas serem mais produtivas em vez de serem substituídas pelas máquinas.”
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Segundo Robinson, “a substituição das pessoas pela IA não é inevitável e só ocorrerá por causa da falta de regulamentação das mudanças, que deixa as pessoas desprotegidas”.
Ele apontou para outros avanços tecnológicos do passado, em que de fato a produtividade cresceu, mas houve casos de muitas pessoas que perderam oportunidades em decorrência das mudanças.
Empresas não vão cuidar dos riscos
Na entrevista, Robinson explicou que a IA tem que ser operacionalizada para ajudar o trabalhador, mas que, em sua avaliação, isso não tem acontecido.
“Os mais importantes cientistas da computação e físicos não pensam em nenhuma dessas consequências sociais da IA”, disse. “São otimistas em relação à tecnologia, e são muito ingênuos. Já estamos vivendo as consequências políticas e sociais de pensar assim, de acreditar que o mercado cuidará de tudo, que a tecnologia é sempre boa. Não, não é”, disse.
Para o Nobel, é preciso lembrar que a tecnologia já trouxe problemas para a humanidade, como o desenvolvimento de armas nucleares, e é importante agir para garantir a segurança das pessoas.
“Ninguém que esteja trabalhando no desenvolvimento de IA hoje tem qualquer preocupação social ou política com as consequências. Eles só se preocupam com a corrida tecnológica pela IA geral. O status está no avanço tecnológico, sem pensar sobre as implicações tectônicas para a sociedade”, disse.
Questionado sobre exemplos de países e projetos que apontam na direção do que seria uma regulação saudável da tecnologia, Robinson disse que não conhece nenhum caso relevante no mundo atual. Para ele, seria preciso pensar na IA como acontece com a transição energética.
“Não pensamos em deixar o mercado cuidar disso. Há um papel muito importante de políticas públicas para estimular a transição, pois há muitas consequências em jogo para o mundo em que as empresas privadas não pensam. E esse é justamente o papel do governo”, disse.
Para ele, há um papel muito importante para os governos em estimular essas mudanças, e muitas consequências para o mundo, “mas as empresas não estão preocupadas com isso”.
A analogia com a transição energética se torna ainda mais importante no contexto das mudanças políticas nos EUA, com a retirada de incentivos para a sustentabilidade pelo novo governo de Donald Trump. Para Robinson, o resto do mundo precisa estar atento ao que acontece no país e agir coletivamente.
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“Os Estados Unidos estão em uma situação em que a ignorância e a desinformação impulsionam a política governamental”, disse.
“O que o mundo pode fazer diante de um governo como o de Trump é agir coletivamente. O que estamos vendo, ao contrário, são ações isoladas, como a tentativa de Gustavo Petro [presidente da Colômbia] de agir unilateralmente, o que não traz resultados.”
“Os países precisam trabalhar juntos e tentar cooperar. É preciso tentar salvar as instituições internacionais, porque a agenda de Trump é basicamente se desconectar de todas elas. Isso é um chamado para o resto do mundo para se unir e proteger as instituições”, disse o Nobel de economia.
Nesse contexto, Robinson avaliou que a concorrência geopolítica, com o avanço da China na IA com o DeepSeek como exemplo recente, talvez seja positiva. “Isso mostra que os EUA não estão sozinhos nisso, e há outras pessoas avançando e talvez devêssemos falar ou cooperar com elas”, disse.
Emergentes ficam para trás
Na entrevista, Robinson explicou que tem focado em uma análise dos países desenvolvidos porque ainda não há muitas evidências sobre os impactos da IA no mercado de trabalho de economias em desenvolvimento, como o Brasil.
“A IA está chegando ao mundo em um ritmo muito irregular. Nos países em desenvolvimento, ela deve aparecer primeiro em partes do setor privado mais globalizado, no governo, e vai demorar para ser incorporada ao setor informal da economia”, explicou.
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Segundo ele, esse processo está relacionado com a grande desigualdade nesses países, como no caso brasileiro com as favelas.
“O quadro geral é que o mundo em desenvolvimento está muito atrás do desenvolvido em termos de uso e adoção de novas tecnologias. Ainda há problemas enormes no uso de tecnologias modernas, o que está relacionado com problemas institucionais”, disse.
“Como a maioria dos empregos na América Latina está no setor informal, escondido das instituições, das leis, dos regulamentos e das regras, há uma menor integração tecnológica nos países.”
Para o ganhador do Nobel de economia, as tentativas brasileiras de regulamentar a tecnologia, com foco especialmente nas redes sociais, podem ser importantes, mas dificilmente vão alcançar um objetivo prático sem que haja uma colaboração internacional. “Vai ser muito difícil conseguir fazer isso sozinho.”
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