Por que este país europeu decidiu abraçar a IA de forma ampla e minimizou os riscos

Com apoio do governo, Malta já adotou a tecnologia em atividades que vão da educação ao controle de trânsito e setor privado diz que IA é salvação para escassez de talentos

Malta
Por Saritha Rai
26 de Maio, 2024 | 02:10 PM

Bloomberg — Em muitas empresas, há uma preocupação significativa com o fato de que a Inteligência Artificial (IA) um dia assumirá os trabalhos tradicionalmente feitos por humanos. Mas, na GO, isso não é um medo – é a meta.

A GO, principal provedora de telecomunicações em Malta e uma das maiores empresas públicas do país mediterrâneo, recorre cada vez mais à IA para lidar com as tarefas do dia-a-dia.

As ferramentas de IA atualmente criam cerca de 20% de todo o conteúdo de marketing da empresa e cerca de 30% do código escrito. A GO usa serviços de IA generativa para redigir todos os seus contratos legais, que depois são examinados por humanos. E a GO quer que todos os seus mais de 1.100 funcionários aprendam a usar a IA generativa para serem mais produtivos.

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“Estamos com falta de advogados, contadores e programadores”, disse Nikhil Patil, CEO da GO, com sede em Malta e Londres, referindo-se às condições de contratação na ilha. “Somente a inteligência artificial pode nos ajudar a escapar da maldição do talento.”

Malta pode não ser o primeiro país em que se pensa quando se trata da vanguarda da inovação tecnológica.

A minúscula (em território) ilha mediterrânea é mais conhecida pela regulamentação frouxa que ajuda empresas de jogos de apostas on-line a contornar os controles impostos por outros países e por sua recusa em encerrar um programa de golden visa que a Comissão Europeia considera inaceitável. No passado, o país também foi apontado por não conseguir reprimir com eficácia a lavagem de dinheiro.

Mas, em Malta, empresas, escolas e o governo tentam estabelecer o país como um improvável líder em IA e implantam a tecnologia amplamente na esperança de resolver os desafios existenciais enfrentados pelo país marítimo.

Isso inclui a ameaça das mudanças climáticas, a necessidade de atrair mais investimentos estrangeiros e uma grave lacuna de habilidades.

No processo, Malta, que já tentou capitalizar outras tendências tecnológicas anteriormente, também pode se tornar um campo de provas para a promessa e as limitações da IA como uma cura para os males da sociedade.

“Podemos aproveitar o poder da IA para o bem público, e não temê-la como uma catástrofe iminente”, disse Robert Abela, primeiro-ministro de Malta, em comentários preparados para a Assembleia Geral das Nações Unidas em 2023, que foram visivelmente mais otimistas em relação à IA do que outros líderes europeus. “Em Malta, fazemos exatamente isso.”

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A Universidade de Malta recorreu à inteligência artificial para tentar preservar seu idioma, monitorar suas águas com drones e adaptar os currículos escolares, incluindo o desenvolvimento de um programa para estudantes mais jovens que envolve a criação de “fantoches de IA” e “histórias movidas a IA”.

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“A IA desempenha um papel transformador na abordagem de alguns dos desafios mais urgentes de Malta, como educação, trânsito e saúde”, disse Alexiei Dingli, professor de inteligência artificial da Universidade de Malta.

Dingli, um professor que se tornou empresário, enfrenta uma dessas questões. Ele levantou cerca de US$ 1,4 milhão para implantar a IA e tentar resolver os congestionamentos na hora do rush no país.

Há mais de 50 outras startups de IA em Malta, de acordo com a Tracxn Technologies – um número nada pequeno para um país com uma população de cerca de 500.000 habitantes. A lista inclui a Ebo, que cria agentes virtuais de atendimento ao cliente, e a SmartCow, que oferece serviços de IA capazes de detectar acidentes e infrações de trânsito.

Malta já tentou se transformar em um foco de tecnologia da moda antes. Em 2018, o país se esforçou para se tornar a “Ilha Blockchain” e introduziu uma estrutura legislativa inicial para a tecnologia. Em um determinado momento, a Binance, a maior exchange de criptomoedas do mundo, negociava a operação na ilha. Desde então, a Binance passou a ser investigada por órgãos reguladores de vários países.

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Malta entrou no movimento da IA mais cedo do que muitos países.

Em 2019, vários anos antes do frenesi do ChatGPT, o governo de Malta, sob o comando do então primeiro-ministro Joseph Muscat, apresentou um roteiro ambicioso para tornar o país o maior lançador de produtos de IA – projeto chamado de “Ultimate AI Launchpad” – até 2030. O plano multifacetado previa o investimento em startups, bem como a promoção da adoção da IA pelos setores público e privado.

Mas a pandemia interrompeu os esforços para inserir a IA nos setores de saúde, educação e finanças. Para complicar ainda mais a situação, Muscat renunciou no início de 2020 depois que seus assessores foram investigados por um carro-bomba que matou um jornalista investigativo. Abela assumiu o cargo de primeiro-ministro depois disso e, desde então, redobrou a adoção da IA no país.

Dingli foca em uma estratégia de IA revisada para o governo. Em resposta às regulamentações de IA mais rígidas da União Europeia, Malta planeja introduzir medidas concretas para lidar com o deslocamento de empregos, aumentar a alfabetização em IA em todos os níveis educacionais e adaptar suas estruturas para garantir a implantação ética da tecnologia, disse Dingli.

“A ideia de reconhecer a importância da IA deu a Malta uma vantagem no campo da IA, e o país continua sendo líder no setor hoje”, disse Dingli, em uma declaração que pode causar incredulidade entre os líderes do setor no Vale do Silício.

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Malta sofreu outros contratempos com seus sonhos de IA.

Em 2022, por exemplo, o país apresentou a cidadã virtual Marija em uma conferência de turismo para ajudar a atrair turistas com uso de IA para orientá-los a explorar a ilha. Mas o projeto foi interrompido abruptamente porque não conseguiu acompanhar os avanços da IA generativa, de acordo com a mídia local.

Patil, CEO da GO, trabalha para aumentar o investimento no ecossistema de IA mais amplo de Malta. Por enquanto, ele caminha a passos pequenos.

A Go Ventures, uma subsidiária da GO, investiu recentemente US$ 50.000 na ToumAI Analytics, uma startup do Marrocos que usa IA para entender o comportamento do cliente e obter feedback em sete idiomas africanos. A ToumAI implanta seus bots de voz multilíngues para oferecer um melhor atendimento ao cliente para os assinantes da GO.

Patil disse que investirá com cautela em outras startups de IA. “Não podemos investir só porque a IA é uma coisa nova e legal”, disse ele.

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