Bloomberg Línea — A Brex, considerada uma das fintechs mais promissoras do mundo, fundada pelos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi no Vale do Silício, já despertava muita atenção no mercado em razão do seu último valuation com investidores privados, de US$ 12,3 bilhões. Mas a startup de cartões de crédito e soluções financeiras para empresas ganhou mais holofote no início deste ano ao receber uma “enxurrada” de depósitos na crise bancária americana, simbolizada pela derrocada do Silicon Valley Bank, o SVB.
Em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea, Pedro Franceschi, co-CEO da Brex, contou como a fintech se beneficiou daquele momento. E revelou os próximos passos: a empresa tem avançado com seu plano de se transformar cada vez mais em uma startup global, inicialmente do ponto de vista de talentos - e, para tal, está acelerando a contratação de latino-americanos (veja mais abaixo).
O empreendedor descreveu a quebra do Silicon Valley Bank - em que grande parte das startups brasileiras mantinha recursos - como um choque para o setor. Mas disse que a captação abrupta não pegou a fintech desprevenida.
Segundo ele, a Brex estava preparada para receber US$ 1 bilhão em depósitos na sequência da corrida bancária de fundadores e investidores para retirar o dinheiro do SVB em março. “Trabalhamos muito. Passei uma semana em que eu dormia 5 horas por noite com o computador no colo,” lembrou. “Foi um volume colossal de dinheiro e de clientes entrando em menos de 48 horas.”
Ter a “casa em ordem” não foi acaso e tem sido uma das diretrizes da Brex desde o seu princípio em 2017, segundo o cofundador. Franceschi disse que a empresa já está pronta, por exemplo, para um eventual IPO (oferta pública inicial) que pode ser realizado em um período de três a cinco anos.
“Do ponto de vista de finanças, sempre estivemos prontos na parte regulatória e de compliance [para um eventual IPO], até porque as licenças [de pagamento] são muito exigentes. Conseguimos construir esse controle de forma rigorosa”, disse Franceschi.
Ele fez questão de ressaltar que a listagem seria apenas um marco a mais na trajetória da empresa, como lançar um produto ou adquirir algum cliente, e não um objetivo final por si só.
“Pensamos sobre fundraising quando o mercado está propício. ‘Rodamos’ a empresa com um nível de conservadorismo muito alto na parte de tesouraria e gestão de caixa. IPO é um negócio que está no horizonte nos próximos 3 a 5 anos”, disse, reforçando que “não há uma data certa”.
A empresa foi avaliada pela última vez em US$ 12,3 bilhões depois de uma rodada de financiamento em janeiro de 2022 liderada pelo TCV e pelo Grenoaks Capital.
A startup apresentava uma receita anual recorrente que superava US$ 500 milhões no meio deste ano, de acordo com um comunicado visto pela Bloomberg News em junho. Isso representaria um crescimento anual da ordem de 50%. A Brex não confirmou os números.
De acordo com dados do PitchBook, a empresa levantou uma quantia não revelada de Calm Ventures, SB Opportunity Fund, Knockout Capital e S2 Capital perto de fevereiro deste ano, mas Franceschi não confirmou essa informação.
Ainda segundo o PitchBook, anteriormente a One Way Ventures e a Mastry venderam sua participação na empresa para a Fenrir e Sax Capital por um valor não divulgado em dezembro de 2022.
A Brex foi fundada por Franceschi e seu sócio Henrique Dubugras em 2017, empreendedores brasileiros que anteriormente haviam lançado a Pagar.me como sua primeira startup no Brasil antes de vendê-la para a Stone (STNE).
Contratações no México e no Brasil
Em entrevista à Bloomberg Línea, o COO e CFO da Brex, o americano Michael Tannenbaum, destacou que a expansão da empresa tem ocorrido também com contratações no México e no Brasil. “O foco é realmente no mercado de talentos, principalmente em engenharia, que existe no México. Naturalmente, temos muitas pessoas da América Latina que se juntaram à empresa”, afirmou.
Trata-se de uma estratégia, segundo o executivo. “Estamos contratando no Brasil há cerca de um ano e temos mais de cem pessoas no país. Queremos continuar a expandir para o México”, disse.
“Estamos sempre interessados em atender as maiores empresas do mundo, e algumas delas operam no México. Acho que há um interesse em [termos] operações no México com o tempo, mas nada que eu possa realmente apontar hoje para qualquer plano específico”, complementou.
O executivo explicou como a Brex pode atuar com clientes corporativos fora dos Estados Unidos.
“Nós apoiamos empresas que têm funcionários nesses países a enviar dinheiro para eles, a reembolsar despesas, a dar cartões para gastarem. Ou seja, uma experiência compatível com a dos EUA. E nós facilitamos muito isso”, disse, exemplificando que uma subsidiária de uma empresa americana no México pode pagar suas contas e também reembolsar os funcionários em pesos mexicanos.
Dessa forma, contratar no México e no Brasil é também uma forma de testar em diferentes países seu próprio produto de pagamento para empresas. “Se conseguíssemos contratar cerca de 20 pessoas ou mais em uma determinada cidade, poderíamos abrir um escritório no México”, disse Tannenbaum. No Brasil, os funcionários trabalham em um WeWork em São Paulo.
A contratação de brasileiros e mexicanos foi um passo natural para a Brex, segundo Franceschi. “Viemos do Brasil, sabíamos disso [da existência de talentos] em primeira mão,” disse ele.
Depois de ter começado na Califórnia, a Brex abriu escritórios nas cidades de Nova York e Salt Lake City nos Estados Unidos; e em Vancouver, no Canadá, antes de contratar em Israel e no Brasil. Agora, a empresa mira o México, sem um número específico de contratações que planeja fazer. No Canadá, são mais de 250 trabalhadores.
Franceschi destacou que o fuso horário próximo aos dos EUA e o custo mais baixo de contratação no Brasil e no México têm sido vantagens significativas. “Você contrata uma pessoa igualmente inteligente e que trabalha às vezes até mais do que uma pessoa dos Estados Unidos,” afirmou, ressaltando a estratégia de fazer mais com menos na busca pelo lucro, que a Brex ainda não alcançou.
“Contratamos pessoas boas em um lugar mais barato e com a mesma qualidade. Se fosse nos EUA, talvez contrataríamos menos do que vamos fazer agora e conseguiríamos fazer menos coisas”, disse o co-CEO.
Franceschi disse que “a rentabilidade está mais perto a cada trimestre que passa”, mas não quis divulgar números de prejuízo e receita.
Clientes como Doordash e Coinbase
Franceschi afirmou que a Brex tem capacidade de cobrir até US$ 6 milhões em depósitos, para além dos US$ 250 mil segurados pelo FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation, equivalente ao Fundo Garantidor de Crédito no Brasil). Segundo ele, isso se traduziu em segurança financeira por meio da distribuição de fundos de seus clientes em vários parceiros bancários diferentes.
Isso também posicionou a Brex como uma alternativa em meio a incertezas bancárias com o colapso do Silicon Valley Bank em março.
Com uma base de clientes corporativos formada principalmente por startups, a Brex tem buscado servir empresas maiores que tragam mais funcionários e maior receita. Hoje entre as maiores contas estão a Doordash e a Coinbase, ambas listadas na Nasdaq.
Franceschi enfatizou o desafio e a necessidade de contar com equipes dedicadas ao desenvolvimento de produtos para atender às necessidades específicas de tais empresas.
“Os clientes entram no nosso ecossistema e começam a usar produtos que não são só o cartão”, disse Franceschi em referência à estratégia de cross-selling para crescer com startups ofertando mais produtos conforme elas se tornam empresas maiores.
“Elas [as startups] começam e crescem com a gente. E essas empresas crescem rápido.”
Por outro lado, Franceschi reconheceu que o mundo é bem diferente em 2023 para as startups e que os clientes da Brex não crescem de forma meteórica como foi em 2021, ano que marcou o auge do investimento de capital de risco em startups diante dos juros que eram quase zero.
“Há muitos clientes cortando despesas e gastando menos atualmente”, disse.
Lições da quebra do SVB
Questionado sobre a lição deixada pela quebra do SVB, Franceschi disse que geralmente “só se fala sobre risco quando as coisas dão errado”. E esse foi o grande aprendizado.
“Sempre fomos extremamente conservadores com risco financeiro desde o começo da empresa. Existem clientes suficientes por aí para que você consiga ganhar dinheiro de várias formas sem que você precise tomar riscos desnecessários”, disse, complementando que estruturalmente a Brex é diferente do SVB porque não é um banco.
“Todos os depósitos estão de fato guardados ou em um Treasury equivalente que colocamos em um money market fund [fundo de renda fixa com liquidez] ou em um banco parceiro que tem seguro do FDIC”, disse Franceschi.
Segundo o co-CEO da Brex, bancos estão em sempre alavancados e só tem 20% de dinheiro. “No caso do SVB, eram 12%. Então nós temos uma estrutura que é diferente, que provê uma segurança”, disse, complementando que a empresa não quer ganhar dinheiro com risco.
“Nossa coisa nunca foi ganhar dinheiro na arbitragem financeira, ganhar dinheiro com tesouraria, arbitrando juros. Nossa tese é a tecnologia. E é aí que vamos ganhar dinheiro, fazendo isso muito bem em escala com um produto excepcional.”
Franceschi disse que não há “praticamente nenhuma” exposição da Brex ao SVB, que posteriormente comprado pelo First Citizens. Em entrevista no início do ano, Dubugras disse ter transferido US$ 200 milhões do caixa da Brex para o SVB após o colapso do banco regional.
“O caixa está em uma dezena de bancos como JPMorgan, Goldman Sachs e outros menores. É uma tesouraria bem complexa com vários bancos.”
Ser banco não é certeza
A Brex suspendeu seu pedido para uma licença bancária nos Estados Unidos diante das dificuldades regulatórias para aprovação. Fintechs como a Oportun e o Monzo Bank haviam seguido o mesmo caminho. Em vez disso, a empresa optou por seguir operando com parceiros bancários, como Barclays, Credit Suisse e JPMorgan.
“Foi uma coisa que nunca foi necessária para nossa estratégia, embora em alguns momentos tenhamos achado conveniente tentar obter uma licença de banco. Mas operamos com bancos desde o começo da empresa”, disse Franceschi.
“Ter uma licença de banco é uma coisa que depende muito do ambiente político e regulatório, e acabamos achando um jeito diferente de operar com parceiros e com outras licenças que não são de banco”.
A Brex tem hoje uma licença equivalente a de uma corretora para o produto de banking e uma licença de pagamentos nos Estados Unidos.
“É mais uma decisão regulatória do que de fato uma decisão estratégica da direção da empresa, e a gente vê muito mais as licenças como um jeito de disponibilizar um produto que a gente está construindo, mais do que de fato a coisa em si que faz o negócio acontecer”, disse Franceschi.
“Uma coisa em que acreditamos é em construir produtos excelentes e colocar uma camada de serviços em cima desses produtos. Se isso vai precisar de uma licença de banco ou não é quase uma decisão de implementação e de como vamos executar”, resumiu.
Ainda que uma licença bancária ajude a reduzir o custo de funding da fintech, que assim poderia utilizar os depósitos para financiamento próprio, o executivo afirmou que, em contrapartida, há um grande custo para manter a licença e tudo que implica ser um banco.
“Acho que no fundo, como o nosso recebível é securitizado há muito tempo, o custo de funding é muito baixo. Já temos uma escala bem grande nisso e securitização com uma série de ratings. Quando o negócio ganha um pouco mais de escala e volume, meio que todo mundo empurra para capital markets mesmo e acaba funcionando bem”, disse.
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