IA pode oferecer superpoderes. Mas as pessoas precisam saber usar, diz especialista

Tecnologia não deve ser vista como ameaça mas como oportunidade de melhorar capacidade de cada profissional, diz Sagar Goel, especialista do Boston Consulting Group, em entrevista à Bloomberg Línea

A slogan which reads "AI is here. Here to play", at the Google booth at the Hannover Messe 2024 trade fair in Germany, on April 22
Por Daniel Buarque
06 de Abril, 2025 | 04:39 PM

Bloomberg Línea — A inteligência artificial (IA) tem transformado rapidamente diferentes indústrias, reformulando funções de trabalho e alterando a forma como as empresas operam. No entanto, em meio ao entusiasmo em torno do potencial da IA, um desafio fundamental é garantir que as pessoas saibam como usá-la de maneira eficaz, de acordo com Sagar Goel, sócio e managing director do Boston Consulting Group (BCG).

Em entrevista à Bloomberg Línea, Goel explicou que o sucesso da IA não depende apenas dos avanços tecnológicos mas de como as pessoas adotam e integram as novas tecnologias em seus fluxos de trabalho.

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Para o executivo, à frente da área de People Strategy & Reskilling, as organizações devem priorizar mudanças de mentalidade antes do treinamento técnico, as empresas devem focar na integração fluida da IA e os governos devem apoiar iniciativas de alfabetização em IA em larga escala.

“Ao contrário do que muita gente teme, a IA não vai substituir as pessoas, mas apenas aprimorar suas capacidades. Ela vai dar superpoderes, ampliando seu conhecimento e expertise a quem estiver disposto a abraçá-la”, disse Goel durante a segunda Conferência Global do Mercado de Trabalho (GLMC) realizada em Riad, na Arábia Saudita.

Sagar Goel, diretor-administrativo do Boston Consulting Group (BCG), durante a segunda Conferência Global do Mercado de Trabalho (GLMC) realizada em Riade, na Arábia Saudita

O desafio, segundo ele, é fazer as pessoas aprenderem a usar a IA de maneira eficaz, o que pode ser mais difícil do que se imagina. “Mesmo hoje, muitos profissionais ainda não entendem totalmente como usar mesmo o Google de maneira eficiente. Agora, com a IA, enfrentamos um desafio semelhante e ampliado: não se trata apenas de ter a tecnologia mas de saber como usá-la”, explicou

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Para Goel, a chave está na experimentação. Em vez de analisar demais, empresas e indivíduos devem adotar uma mentalidade de experimentação contínua.

Em seu próprio trabalho como consultor, ferramentas de IA como o ChatGPT permitem que os analistas do BCG gerem uma hipótese inicial sólida para desafios estratégicos em minutos. Essa eficiência aumentada permite que os consultores concentrem sua atenção na resolução de problemas reais de negócios.

Ferramenta x ameaça

Um dos principais obstáculos para a adoção da IA, segundo Goel é que a tecnologia ainda é encarada por muitas pessoas com medo de que ela substitua empregos. No entanto ele enfatiza que a inteligência artificial deve ser vista como uma ferramenta de aumento de capacidades, e não de substituição.

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“Por exemplo, no setor bancário, os gerentes de relacionamento podem usar a IA para entender melhor as necessidades dos clientes e personalizar seus serviços”, explicou. “O desafio está em integrar a IA ao fluxo de trabalho de uma forma que complemente sua experiência, em vez de miná-la.”

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A resistência à adoção da IA muitas vezes tem raízes na identidade profissional, segundo ele. Funcionários que construíram carreiras baseadas em métodos tradicionais podem perceber a IA como uma ameaça às suas habilidades.

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Para combater essa resistência, Goel sugere que as empresas precisam entender profundamente como os funcionários trabalham e projetar estratégias de adoção que façam a IA parecer uma ferramenta de capacitação, e não uma mudança imposta.

Mentalidade x habilidade

Embora as discussões sobre saber usar a IA geralmente se concentrem em capacidades técnicas, Goel acredita que a forma de pensar e encarar a tecnologia é o verdadeiro gargalo.

“Esse não é apenas um desafio de habilidade; é um desafio de mentalidade”, afirmou. “As gerações mais jovens podem ser mais nativas digitais, mas os profissionais de meia carreira e mais velhos precisam ver a IA como um reforço, não uma disrupção.”

Antes de desenvolver a proficiência técnica, as organizações devem priorizar a mudança de percepção dos funcionários. Goel descreve uma abordagem em duas etapas:

Primeiro, abordar a barreira da mentalidade. As organizações devem comunicar que a IA é uma ferramenta para amplificar a expertise, não eliminá-la. Os funcionários devem reconhecer que a IA pode aprimorar sua tomada de decisões, e não substituí-la.

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Depois, focar em habilidades práticas.

Uma vez que os funcionários estejam abertos ao valor da IA, o treinamento deve se concentrar em otimizar seu uso. Isso inclui a formulação de melhores perguntas para obter respostas mais precisas da IA, saber quando confiar na IA e quando buscar expertise humana, e integrar a IA aos fluxos de trabalho existentes.

Além disso, habilidades humanas atemporais — como o envolvimento com stakeholders, criatividade e gestão da mudança — se tornarão ainda mais cruciais na era da IA.

“A IA não pode substituir a intuição humana, a negociação ou a resolução complexa de problemas. Essas habilidades só se tornarão mais importantes”, afirma Goel.

Modelos para o sucesso

O otimismo de Goel sobre a adoção da IA vem de exemplos do mundo real.

Em Singapura, por exemplo, programas estruturados estão ajudando profissionais em meio de carreira a fazer a transição de indústrias em declínio para funções digitais em alta demanda, ele explicou.

“Tivemos pessoas de 50 e 60 anos concluindo com sucesso cursos intensivos de programação e ferramentas de IA”, disse. “Isso quebra todos os mitos para mim. A idade é apenas um número quando a mentalidade certa está em vigor.”

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Para países em desenvolvimento, como o Brasil, Goel propõe três estratégias fundamentais:

1. Construir uma abordagem de ecossistema. Governos, indústrias e instituições acadêmicas devem colaborar em vez de operar isoladamente. Ao alinhar esforços, eles podem criar soluções de capacitação em grande escala.

2. Usar a IA como facilitadora de aprendizado. Sistemas de tutoria baseados em IA, como assistentes pessoais de aprendizado, podem tornar a educação mais acessível e econômica. “Imagine milhões de pessoas recebendo treinamento personalizado de IA por apenas 10 minutos por dia”, disse.

3. Motivar indivíduos por meio de incentivos. Os governos devem incentivar o treinamento em IA por meio de apoio fiscal, subsídios diretos e campanhas de conscientização pública. “Uma força de trabalho que se recicla continuamente é o maior ativo de uma nação”, acrescentou.

Dimensão geopolítica da IA

A entrevista com o especialista ocorreu na semana em que a China revelou ao mundo a sua ferramenta mais avançada - naquele momento - de IA, o DeepSeek, o que mobilizou o debate sobre a corrida internacional para avançar com a tecnologia.

Para Goel, a corrida global pela IA, especialmente entre os EUA e a China, está moldando políticas em todo o mundo. No entanto ele disse acreditar que, para o cidadão comum, essas tensões geopolíticas não devem ser a principal preocupação.

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“Estamos vendo mudanças rápidas, mas os indivíduos devem se concentrar em como a IA pode melhorar seu trabalho diário, em vez de se preocupar com qual país lidera a corrida pela IA”, aconselhou.

Em vez de esperar por regulamentações claras ou resultados definitivos na política global de IA, indivíduos e empresas devem começar a experimentar essas ferramentas hoje.

“Se as pessoas passassem apenas 15 minutos por dia aprendendo sobre IA e testando como ela pode ajudá-las, obteriam um enorme valor”, disse.

“A tecnologia está ao nosso alcance, mas é realmente sobre nós entendermos como usá-la da maneira certa e começarmos a experimentar.”

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

É doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Tem mais de 20 anos de experiência em veículos como Folha de S.Paulo e G1 e é autor de oito livros, incluindo 'Brazil’s international status and recognition as an emerging power', 'Brazil, um país do presente', 'O Brazil é um país sério?' e 'O Brasil voltou?'