Fim de uma era: Pat Gelsinger deixa o comando da Intel ante desafios persistentes

Executivo que começou na gigante de chips com 18 anos e que atuava como CEO desde 2021 não conseguiu expandir a companhia na nova era de semicondutores para a IA

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Bloomberg — Pat Gelsinger foi contratado pela Intel em fevereiro de 2021 para liderar uma ambiciosa reviravolta na icônica fabricante de chips. Quase quatro anos mais tarde, o executivo deixa o cargo depois que a recuperação acabou prejudicada e a empresa ficou ainda mais atrás das principais rivais.

O CFO da Intel, David Zinsner, e a vice-presidente executiva Michelle Johnston Holthaus vão atuar como co-CEOs interinos enquanto o conselho de administração procura o substituto de Gelsinger, disse a empresa em um comunicado nesta manhã de segunda-feira (2).

Frank Yeary, presidente independente do conselho da Intel, atuará como presidente executivo interino.

Gelsinger, 63 anos, foi aclamado como salvador da pioneira dos chips quando chegou, declarando seu amor pela empresa e sua determinação em restaurar sua proeminência em semicondutores.

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O executivo começou a trabalhar na Intel ainda adolescente, aos 18 anos, e ascendeu na hierarquia da companhia ao longo de mais de três décadas, até sair em 2009 para se tornar CEO da VMware. Foi considerado um prodígio que se tornou o mais jovem vice-presidente da companhia aos 32 anos e depois ascendeu para se tornar CTO entre 2001 e 2009, sob a liderança do CEO Andy Grove.

Ao retornar à Intel, ele prometeu recuperar a liderança no segmento de fabricação de chips - que havia perdido para concorrentes como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Co.

As ações da Intel subiram mais de 3% no início das negociações em Nova York nesta segunda-feira após o anúncio, mas ainda estão em queda de mais de 50% no acumulado deste ano.

Gelsinger decidiu levar a Intel para além de sua força tradicional em processadores para computadores pessoais e servidores, expandindo a fabricação de chips para outras empresas - algo que nunca havia sido feito antes e que a colocava em concorrência direta com a TSMC e a Samsung Electronics.

Como parte de sua estratégia de revitalização, Gelsinger apresentou um plano dispendioso para expandir a rede de fábricas da Intel. Isso incluiu a construção de um novo complexo no estado americano de Ohio, um projeto para o qual a empresa recebeu ajuda federal da Lei de Chips e Ciência.

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O executivo disse no mês passado que tinha “muita energia e paixão”, que ainda contava com o apoio don conselho e que a empresa estava progredindo.

Ele expressou sua determinação em manter a empresa unida diante dos relatos de que ela estava sendo alvo de ofertas de aquisição - como da Qualcomm. O conselho da Intel realizou uma reunião na semana passada.

Dia ‘agridoce’

“O dia de hoje é, naturalmente, agridoce, pois esta empresa tem sido minha vida durante a maior parte de minha carreira profissional”, disse Gelsinger no comunicado.

"Foi um ano desafiador para todos nós, pois tomamos decisões difíceis, mas necessárias, para posicionar a Intel para a dinâmica atual do mercado."

Um dos maiores desafios enfrentados pela Intel foi a transformação do setor na forma de computação com o boom derivado do avanço da Inteligência Artificial.

A Nvidia (NVDA), que transformou seus chips gráficos em um componente essencial para os data centers, domina essa área e tem atraído para si dezenas de bilhões de dólares que antes seriam destinados à divisão de data centers da Intel.

A rival de longa data, que lutava à sombra da Intel, tornou-se a empresa de capital aberto mais valiosa do mundo, com US$ 3,36 trilhões. E as tentativas da Intel de entrar nesse mercado com novos produtos ainda não decolaram - a empresa tem hoje market cap de US$ 107 bilhões.

“Sabemos que temos muito mais trabalho a fazer na empresa e estamos empenhados em restaurar a confiança dos investidores”, disse Yeary no comunicado da empresa.

“Como conselho, sabemos, antes de mais nada, que devemos colocar nosso grupo de produtos no centro de tudo o que fazemos. Nossos clientes exigem isso de nós, e nós os atenderemos.”

A saída imediata de Gelsinger pode levar a mudanças estratégicas mais drásticas.

“Essa mudança abre a porta para uma nova estratégia, que temos defendido há algum tempo”, disse Chris Caso, da Wolfe Research.

“Embora Gelsinger tenha sido bem-sucedido em geral no avanço do plano de processos da Intel, não acreditamos que a Intel tenha a escala necessária para buscar a fabricação de ponta por conta própria, dada a ausência da companhia em IA.”

A turbulência da Intel também representa um revés para as ambições do governo de Joe Biden de reconstruir o setor de semicondutores dos EUA.

O agora ex-CEO da Intel foi o maior defensor da Lei dos Chips e se comprometeu a construir fábricas nos EUA para ajudar a apoiar a meta de trazer de volta a fabricação do componente considerado essencial para os EUA do ponto de vista de estratégia na área de tecnologia.

No fim desse processo de planejamento e negociação, o governo americano assinou um acordo final para conceder à Intel quase US$ 7,9 bilhões em subsídios federais, o maior volume direto de um programa para impulsionar a fabricação nacional de semicondutores.

O acordo foi menor do que uma proposta anterior, mas significou que a Intel poderia começar a receber fundos à medida que atingisse os padrões de referência negociados em projetos em quatro estados dos EUA.

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O presidente eleito Donald Trump criticou a Lei de Chips e Ciência de 2022, que destinou US$ 39 bilhões em subsídios, US$ 75 bilhões em empréstimos e garantias de empréstimos e 25% de créditos fiscais para revitalizar a fabricação de chips nos EUA. Ele chamou o programa de chips de "muito ruim", e colegas republicanos ameaçaram revisar - ou até mesmo revogar - a legislação.

Os desafios da Intel (INTC) ficaram em evidência durante um relatório de resultados considerado desastroso por analistas e investidores em 1º de agosto, quando a empresa apresentou um prejuízo surpreendente e uma previsão de vendas decepcionante para os meses seguintes.

A Intel também suspendeu o pagamento de dividendos, uma política que perdurava desde 1992. Para manter os custos sob controle, a Intel disse que cortaria o equivalente a mais de 15% de sua força de trabalho, que gira em torno de 110.000 pessoas.

Holthaus, a co-CEO interina, também assumirá uma nova função como CEO do grupo de produtos da empresa, em que supervisionará os grupos de computação do cliente, data center e IA e rede.

A executiva iniciou sua carreira na Intel há quase três décadas e, anteriormente, atuou como gerente geral de computação de clientes.

-- Com a colaboração de Molly Schuetz e Robin Ajello.

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