Ele liderou a engenharia do Google no Brasil por 19 anos. Agora volta a empreender

Berthier Ribeiro-Neto, fundador da Akwan, empresa comprada pelo Google em 2005 e funcionário nº 1 da big tech no país, conta à Bloomberg Línea sobre a nova fase como CTO da fintech UME

Berthier Ribeiro-Neto, CTO da fintech UME, ex-líder do centro de engenharia do Google no Brasil e um dos fundadores da Akwan
12 de Novembro, 2024 | 05:10 AM

Bloomberg Línea — Depois de quase vinte anos à frente da equipe de engenharia do Google no Brasil, o cientista da computação mineiro Berthier Ribeiro-Neto é o novo CTO (Chief Technology Officer) da fintech brasileira UME.

A startup, que tem o PayPal entre os investidores, desenvolve uma plataforma que analisa e oferece crédito para consumidores de pequenos e médios varejistas. A empresa foi fundada em 2019 pelo seu filho, Berthier Ribeiro, o sócio Theo Ramalho e o cientista da computação Marco Cristo, ex-aluno de doutorado de Ribeiro-Neto.

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“Quando decidi sair do Google, estava com planos de consertar cerca e criar galinha em uma fazendinha que nós temos no interior do estado. Mas sabia que não ficaria inativo por muito tempo”, disse Ribeiro-Neto em entrevista à Bloomberg Línea, a primeira que concedeu sobre sua nova fase na carreira, na sede da empresa em São Paulo.

Ribeiro-Neto é considerado uma figura-chave na expansão do Google no Brasil e no desenvolvimento das tecnologias de busca da empresa.

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O pesquisador e outros colegas do Departamento de Computação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) são os fundadores da Akwan, empresa mineira que desenvolveu um mecanismo de buscas e que foi adquirida pelo Google em 2005 por um valor não revelado. O nome vem do tupi-guarani “acuã”, que significa “ligeiro”, segundo ele.

A Akwan é um dos raros casos de negócios criados por brasileiros que foram comprados por gigantes globais de tecnologia. Além dela, o exemplo mais notável é o do Instagram, que tem o paulistano Mike Krieger entre os cofundadores e foi vendido ao Facebook em 2012 por US$ 1 bilhão.

Depois da aquisição pelo Google, Ribeiro-Neto se tornou o primeiro funcionário do gigante de buscas no Brasil e passou os últimos 19 anos na liderança do centro de engenharia da companhia, localizado em Belo Horizonte, que teve origem justamente a partir das operações da Akwan.

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Sob supervisão dele, os cerca de 200 engenheiros que trabalham hoje no local foram responsáveis por desenvolver tecnologias usadas na ferramenta de buscas do Google globalmente. Hoje o centro está em expansão e ganhará uma nova unidade em São Paulo até 2026, com capacidade de dobrar o tamanho da equipe.

Volta ao empreendedorismo

O cientista da computação contou que foi um dos primeiros investidores da startup do filho e ajudava a equipe a encontrar uma pessoa para liderar a engenharia da UME.

Depois da saída da big tech, em julho passado, os sócios da UME o chamaram para uma reunião e o ex-líder de engenharia do Google aceitou trabalhar na nova função, o que marca uma volta à sua origem como empreendedor.

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Um dos fatores que pesaram na decisão, segundo ele, foi o fato de a tecnologia da UME ter um benefício claro no cotidiano de consumidores e varejistas no Brasil.

“Atendemos a população que tem uma demanda enorme por crédito”, disse. “A UME oferece ao consumidor uma possibilidade para a compra de um produto de um valor maior, que ele não pode pagar naquele momento. E, se o varejista não tiver um crediário próprio, ele perde aquela venda.”

A chegada de Ribeiro-Neto ocorre depois de a UME ter levantado US$ 15 milhões no fim de agosto em uma rodada de investimentos liderada pelo PayPal e com participação da Globo Ventures, área de venture capital do grupo de mídia. A empresa também conta com outros fundos de venture capital como investidores, como NFX, Clocktower Ventures, FJ Labs, Big Bets e Canary.

A equipe de engenharia agora comandada por Ribeiro-Neto tem 15 pessoas - e pode crescer para 20 até o fim do ano, segundo ele. Um dos desafios na parte técnica, ele disse, é preparar a plataforma para ganhar escala e tornar a infraestrutura de tecnologia mais robusta para sustentar o maior volume de tráfego.

O sistema de análise de crédito foi desenvolvido pelos sócios Marco Cristo e Márcio Palheta, ambos doutores em ciência da computação e ex-pesquisadores na Universidade Federal do Amazonas.

Na universidade, eles se dedicaram a um trabalho acadêmico para tomar decisões de crédito com uso de redes neurais, como são chamados os sistemas projetados para aprender com os dados e fazer previsões de forma autônoma. O projeto cresceu e os pesquisadores criaram um protótipo comercial e começaram a prestar serviço para uma empresa varejista de Manaus.

O filho Berthier Ribeiro, formado em economia, havia tirado um período sabático depois de trabalhar anos na Méliuz e no BTG Pactual, na área de investment banking. Foi quando o pai lhe apresentou a Marco Cristo e surgiu a ideia de expandir o negócio com a ferramenta de análise de crédito.

No sistema da UME, os consumidores baixam um aplicativo e solicitam uma análise de crédito. Se o processo é aprovado, o cliente pode fazer a compra e a UME adianta o pagamento para o varejista. Segundo Ribeiro-Neto, o processo leva três minutos.

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O objetivo é ajudar pequenos e médios varejistas – que não têm capacidade de operar um crediário próprio como os grandes – e permitir que os seus clientes façam compras parceladas.

Hoje são mais de 2.000 varejistas conectados na plataforma e cerca de 400 mil usuários que tiveram crédito aprovado. No ano passado, a empresa emprestou cerca de R$ 220 milhões, o dobro de 2022, e a expectativa é originar R$ 500 milhões em operações de crédito no ano que vem.

O capital para o financiamento vem de um FIDC (Fundo de Investimento em Direito Creditório) de R$ 100 milhões levantado pela empresa.

Ribeiro-Neto contou que a empresa percebeu ao longo do tempo que os consumidores demandavam opções diferentes de pagamento dos empréstimo. A UME então usou a tecnologia para criar produtos com modalidades flexíveis, como crédito com pagamentos semanais ou a cada 15 dias.

“O que o sujeito que paga em uma semana faz? Ele pega, por exemplo, R$ 500 de crédito. A taxa [de juro] do empréstimo é alta, porque a Selic é alta. Mas, em uma semana, são poucos reais. Ele consegue diluir esse valor na venda dos produtos dele, do serviço que presta”, explicou.

Outra oportunidade identificada pela empresa é o pagamento via Pix.

Hoje o consumidor tem a opção de tomar o crédito para fazer a compra em um dos varejistas parceiros. Mas, se tiver preferência em comprar de outros lojistas, pode fazer o pagamento por meio do Pix, o que traz flexibilidade e ajuda a atrair novos varejistas parceiros.

“Como empresa, eu não posso conceder um empréstimo para o cliente nas condições que eu estabeleço. Tenho que entender o que o cliente precisa. Uma coisa que tenho falado muito é que precisamos ‘ir para o chão’, para conhecer as pessoas, conhecer a realidade, conhecer a necessidade.”

‘Leveza maior’

Depois de duas décadas em uma big tech, Ribeiro-Neto disse que a possibilidade de trabalhar em uma startup novamente tem trazido uma “leveza” para ele, uma vez que pode tomar decisões com mais autonomia.

Sua decisão de sair do Google ocorreu depois de um triste episódio.

Em setembro de 2023, o brasileiro Luiz André Barroso, então vice-presidente de engenharia do Google e que trabalhava na empresa desde 2000, faleceu aos 59 anos. Barroso foi a pessoa responsável por apresentar a Akwan aos fundadores do Google, Larry Page e Sergey Brin, antes da aquisição, e ele e Ribeiro-Neto se tornaram grandes amigos desde então.

Ribeiro-Neto disse que o episódio o deixou reflexivo e o levou a pensar se estava na hora de seguir para outro desafio ou se deveria ficar na empresa até decidir parar de trabalhar. Depois uma mudança interna, seu então chefe trocou de função e foi então que ele decidiu que era hora de sair.

O cientista da computação lembrou que, nos primeiros anos no Google, Page e Brin faziam questão de entrevistar todos funcionários que eram contratados pela companhia, como uma forma de buscar assegurar que os valores da empresa seriam replicados.

“Na UME, é uma coisa assim também, é a mesma cultura. O que você ouve é o que eu escutava na Akwan há mais de 25 anos. É apaixonante. Tem um time técnico pequeno, mas muita gente muito competente, muito bem selecionada e com vontade de fazer as coisas.”

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Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.