De olho em big tech e ‘AI first’: o plano do Nubank com a compra da Hyperplane

Em entrevista à Bloomberg Línea, o CTO do banco digital, Vitor Olivier, explica o racional por trás do negócio e detalha como a integração da tecnologia da startup pode impactar sua atuação

Prédio que é a sede do Nubank na avenida Rebouças, na zona oeste de São Paulo (vista de fundo do edifício) (Foto: Divulgação)
01 de Julho, 2024 | 04:52 AM

Bloomberg Línea — A aquisição da startup de IA Hyperplane poderá capacitar o Nubank a não só desenvolver como aplicar a tecnologia em cima de dados de uma maneira que, atualmente, apenas big techs conseguem fazê-lo, segundo disse o CTO (Chief Technology Officer), Vitor Olivier, em entrevista à Bloomberg Línea.

Segundo ele, o racional do negócio anunciado na última semana passou pela estratégia de observar como big techs fazem publicidade e recomendações e pela hipótese de utilizar dados não estruturados e deixar o modelo de deep learning inferir padrões não lineares para esses dados, o que “é um paradigma muito poderoso”.

“É um tipo de experiência que exige escala e uma profundidade técnica grande, uma parte analítica, álgebra e cálculos para conseguir fazer tudo isso. Poucos players no mercado conseguem fazer isso bem feito e em escala. E acredito que só big techs conseguiram aplicar ao máximo tudo isso.”

O trabalho então realizado como cliente da Hyperplane, fundada por três brasileiros e um indiano no Vale do Silício, evidenciou o potencial dessas capacidades, segundo Olivier.

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“Quando observamos a Hyperplane, vimos um combo dessa profundidade técnica de deep learning aplicada para serviços financeiros, que tem uma especificidade de como você trata a informação e como deriva esses insights de informação; e isso junto com um time de altíssimo nível, uma equipe com experiência global e uma formação magnífica e um alinhamento cultural muito grande com a gente”, disse.

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“Foi aí que pensamos que não queríamos ser só um cliente, mas que eles focassem na gente, nos nossos problemas, nos nossos dados. Queremos a integração para o que já estamos otimizando e criar o que nós
estamos chamando de IA-first bank”, disse o CTO do Nubank (NU).

Do lado da Hyperplane, fundada pelos brasileiros Felipe Lamounier, que é o CEO, Felipe Meneses e Daniel Silva, além do indiano Rohan Ramanath, ganhar escala e potencializar o alcance da tecnologia desenvolvida em inteligência de dados foram fatores que motivaram a decisão de aceitar a proposta do Nubank.

“Já estávamos trabalhando juntos e os resultados do piloto foram muito especiais. Quando vimos o tamanho da oportunidade que essa tecnologia poderia trazer, foi extremamente empolgante, e agora vamos levar isso para 100 milhões de pessoas”, disse Felipe Meneses na mesma entrevista.

“O Nubank é uma empresa de tecnologia, não um banco. Podemos recomendar produtos, criar experiências invisíveis como motores de crédito e desenvolver modelos importantes. Estamos trazendo tecnologia para todos os dados deles e isso vai gerar modelos com custos muito mais baixos”, disse o cofundador.

“Nós já estávamos testando esses modelos em crédito, garantias e marketing”, disse Meneses.

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O CTO do Nubank destacou que a profundidade técnica e a capacidade de escala são essenciais para aproveitar ao máximo as tecnologias de deep learning aplicadas a serviços financeiros.

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Com a aquisição, a Hyperplane deixará de atender outras instituições financeiras e será totalmente integrada ao Nubank. “Estamos seguindo uma série de políticas para essa integração”, disse Meneses.

Segundo o CTO, parte do processo de integração será deletar qualquer tipo de informação que a Hyperplane teve com outros parceiros. “Vamos usar modelos só treinados em cima de dados públicos ou dados de clientes do Nubank”, disse Olivier.

A dificuldade da integração será o “alto rigor” para garantir estabilidade e gestão de risco, segundo Olivier, que disse acreditar que rapidamente o banco conseguirá captar valor com a compra.

A relação da IA com os clientes

Segundo o CTO do Nubank, a IA vai se relacionar com o cliente de três maneiras: uma é invisível, outra, reativa, e uma terceira, proativa.

“A maneira invisível são coisas que vão permear as nossas decisões, como melhorar a qualidade de decisão: se há um risco maior de fraude ou não, se algum cliente tem um risco maior ou não de crédito. São decisões para as quais já temos modelos para ou proteger o cliente ou para achar qual a melhor linha de crédito, qual o limite, qual o produto. A IA vai melhorar a qualidade dessas decisões”, explicou o CTO.

Na maneira reativa, a IA vai permitir que o suporte ao cliente que entrar em contato com o banco seja personalizado com o uso de diferentes modelos.

Vitor Olivierdfd

“E por meio dessas estruturas eu consigo oferecer proativamente produtos. Das três, é aquela em que estamos começando ainda. Temos alguns modelos com base em Open Finance, para identificar se entrou no cheque especial e proativamente recomendar alguns produtos. Temos vários testes acontecendo.”

“Vamos melhorar a capacidade de decisões e a velocidade e a facilidade de criar um novo modelo para um caso específico com a Hyperplane. Podemos sair de várias dezenas para um mundo em que teremos centenas de modelos. É nisso que estamos pensando”, resumiu Olivier.

M&A para tecnologia e talentos

A aquisição faz parte de uma série de movimentos estratégicos do Nubank para ampliar suas capacidades tecnológicas e expandir seus serviços.

Uma análise dos movimentos de M&A do banco digital indicam uma estratégia de priorizar capacidades de tecnologia e capital humano na área, e não ganho de escala ou compra de participação de mercado.

Foi assim em janeiro de 2020 com o primeiro M&A de sua história, da PlataformaTec, em que o banco trouxe para dentro a equipe de projetos da consultoria formada por times de engenharia de software e especialistas em metodologias ágeis.

Em julho de 2020, com o mesmo racional, comprou a consultoria americana Cognitect, responsável pela criação de dois sistemas muito usados em programação, o Clojure e o Datomic.

Em outubro de 2021, a companhia havia comprado a Spin Pay, uma plataforma brasileira de pagamentos instantâneos via Pix. Em julho do mesmo ano, adquiriu ativos e funcionários da Juntos, para fortalecer capacidades de engajamento de clientes e venda cruzada de produtos.

Em janeiro de 2022, o Nubank adquiriu a startup Olivia, especializada em soluções de machine learning e IA para o setor bancário de varejo.

O Nubank também investiu anteriormente em participação em outras startups, como a Jupiter na Índia e a Dbank no Paquistão, com vistas a ampliar o seu alcance no setor financeiro e a inovação.

Analistas do BTG Pactual disseram em relatório que a aquisição da Hyperplane está “intimamente alinhada com o que a CEO do Nubank no Brasil, Livia Chanes, declarou em uma entrevista há duas semanas sobre as áreas em que o Nubank pretende expandir a IA: atendimento ao cliente e insights”.

Leia mais: Nubank adquire startup de brasileiros no Vale do Silício para avançar em IA

De acordo com Chanes, o Nubank planeja aproveitar as novas ferramentas para aumentar a precisão, melhorar a qualidade das respostas e automatizar as interações quando os clientes entram em contato.

O CEO do banco no país acredita que a IA pode proporcionar melhorias não apenas nos custos mas também na qualidade do serviço e mencionou que a fintech prevê um conceito de banqueiro pessoal que fique disponível quando o cliente precisar e sugira proativamente interações baseadas em insights.

Integração da Hyperplane

“A integração da Hyperplane será rápida devido à infraestrutura já existente no Nubank. Estamos focados em capturar valor rapidamente e minimizar o risco de execução. Isso elevará a qualidade das decisões e a velocidade com que conseguimos criar novos modelos”, afirmou Olivier.

Sete meses atrás, a Hyperplane captou USS$ 6 milhões em investimentos Seed com Lachy Groom, SV Angel, Clocktower Technology Ventures, Liquid2 Ventures, Crestone VC, Soma Capital, Latitud e Atman Capital.

“Os investidores já tiveram um resultado muito bom, mas acreditamos que estamos só no começo do valor que o negócio vai criar”, disse Meneses, um dos cofundadores da startup.

Meneses foi o primeiro brasileiro a receber uma bolsa de US$ 100.000 da Thiel Fellowship, programa lançado por um dos fundadores do PayPal e um dos investidores mais experientes e bem-sucedidos do Vale do Silício para apoiar jovens talentos globais.

Thiel financia bolsistas que concordam em abandonar ou adiar os estudos universitários para se dedicarem a seus projetos empresariais, de pesquisa científica ou inovações tecnológicas.

“Estamos sinalizando para os investidores que o Nubank é uma continuação daquela visão que vendemos da Hyperplane. Que eles [investidores] terão condições de amplificar a visão de melhorar a qualidade de serviços financeiros por meio de IA e deep learning com um grande player unicamente posicionado para tirar vantagem desse cenário por causa da infraestutura de dados e da cultura da empresa.”

“Ainda é o primeiro dia, o primeiro momento. Estamos passando essa mensagem para os investidores e fundadores da Hyperplane. Aqui é o começo para eles, não é o fim”, complementou Olivier.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups