Como a Inteligência Artificial já impacta o dia-a-dia deste setor de US$ 200 bi

Setor global de games já sente efeitos da IA de última geração, principalmente nas áreas de programação e design, e executivos buscam desenvolver negócios relacionados

Por

Bloomberg — Executivos e políticos de todo o mundo se preocupam com a destruição e o impacto que a Inteligência Artificial (IA) de última geração causará nos setores, desde o financeiro até o de saúde. Para o setor de jogos, que movimenta US$ 200 bilhões, a revolução já começou.

De São Francisco a Tóquio e Hong Kong, a infinidade de empresas que alimentam a esfera do entretenimento digital responde a décadas de custos crescentes e preços estagnados com a adoção e o desenvolvimento de novas ferramentas de IA de forma febril. Centenas de milhares de empregos estão em jogo.

No entanto os líderes da empresa e os chefes de estúdio disseram à Bloomberg News que as mudanças, embora inevitáveis e dolorosas, podem capacitar os estúdios menores, impulsionar a criatividade e, em última instância, beneficiar os consumidores de todo o mundo.

O chefe de um grande estúdio japonês está se preparando para um futuro em que metade dos programadores e designers de sua empresa será desnecessária dentro de cinco anos. Na Gala Sports, listada em Hong Kong, os executivos desativaram projetos de pesquisa que não eram de IA, forçaram os chefes de departamento a estudar machine learning e ofereceram recompensas de até US$ 7.000 por novas ideias de IA. Eles temem que já estejam atrasados.

“Basicamente, toda semana, sentimos que seremos demitidos”, disse Jia Xiaodong, CEO da Gala Technology, de 36 anos, à Bloomberg News. “O impacto da IA no setor de jogos nos últimos três ou quatro meses pode ser tão dramático quanto as mudanças ocorridas nos últimos trinta ou quarenta anos”.

O setor de videogames está entre os primeiros a sentir todo o impacto da IA por ser em grande parte digital – codificado em uma linguagem legível por IA e criado por engenheiros de software bem preparados para usar, adaptar e aprimorar novas ferramentas de computação. Antes de a OpenAI conquistar o mundo com o ChatGPT em novembro passado, a empresa usou o jogo Dota 2 da Valve como campo de provas para seus bots.

O advento da IA oferece ao setor uma rara chance de reformular um modelo de negócios que, em alguns casos, tornou-se inchado e estereotipado - não muito diferente das críticas dirigidas a Hollywood, hoje avessa a riscos.

Os custos de produção de jogos aumentaram mais rapidamente do que as vendas, com os recentes sucessos de bilheteria The Last of Us Part II e Horizon Forbidden West custando mais de US$ 200 milhões cada um e exigindo anos de trabalho de centenas de funcionários. O investimento de dinheiro e tempo para esses projetos pode ser cortado pela metade pela IA, de acordo com o analista do UBS Securities Kenji Fukuyama.

Nada pode reverter, parar ou desacelerar a atual tendência da IA”, disse Masaaki Fukuda, que ajudou a criar a PlayStation Network na Sony. Agora como vice-presidente da maior startup de IA do Japão, a Preferred Networks, Fukuda, de 48 anos, vê uma onda de mudanças na forma como o conteúdo digital é criado - e sua empresa se envolveu com uma criadora de animes chamada Crypko.

As ilustrações de personagens que normalmente custam mais de 100.000 ienes (US$ 720) cada uma para serem terceirizadas podem ser obtidas da Crypko por uma taxa mensal fixa de 4.980 ienes (US$ 36) e uma licença comercial de 980 ienes (US$ 7) por imagem.

Ainda são necessários artistas humanos para finalizar o trabalho da IA, mas a empresa aprimora a ferramenta diariamente e deve ser capaz de resolver a maioria das imperfeições dentro de alguns anos, disse Fukuda.

A escala da demanda por esse tipo de conteúdo aumentou muito ao longo dos anos, com jogos para celular que costumavam custar cerca de 40 milhões de ienes (US$ 29.000) para serem produzidos há 15 anos e que agora exigem um mínimo de 500 milhões de ienes (US$ 36.000), principalmente por causa dos gráficos, de acordo com o ex-produtor de Touken Ranbu, Yuta Hanazawa.

Para o veterano há 25 anos no setor, a nova tecnologia foi atraente o suficiente para abrir uma nova empresa, a AI Works, para vender ilustrações de jogos desenhadas por máquinas. Como a Crypko, ela precisa de um toque humano para finalizar o produto, mas é muito mais rápido e barato do que contratar um artista. A empresa já forneceu arte para vários projetos não anunciados e cobra metade do preço normal do setor, disse ele.

“A IA é o divisor de águas que eu estava esperando”, disse Hanazawa, de 48 anos. Ao liberar os desenvolvedores do fardo da produção em massa de gráficos, ela promete revitalizar todo o setor. “As empresas poderão assumir mais riscos, os criadores, voltar a serem criativos e, como resultado, os usuários poderão escolher entre uma variedade muito maior de jogos”.

A IA também está se tornando uma poderosa ferramenta interna.

A Gala Sports usou serviços de IA disponíveis publicamente – os geradores de imagens Stable Diffusion e Midjourney – para criar kits de ferramentas internos para renderizar modelos realistas de cabeças em 3D, reduzindo o custo de uma tarefa que antes levava duas semanas e até 200.000 yuans (US$ 28.000) quando terceirizada. Agora, é necessário apenas metade de um dia de trabalho. A empresa tem uma equipe dedicada a desenvolver outras ferramentas para ajudar na codificação, no design e até mesmo no atendimento ao cliente.

O lado negativo de toda essa automação é a correspondente perda de empregos. Os executivos do setor, que se recusam a falar publicamente sobre o assunto, esperam que muitos trabalhadores percam seus empregos como os conhecem. “A IA pode acabar eliminando categorias inteiras de trabalho em jogos, como controle de qualidade, depuração, suporte ao cliente ou tradução”, disse o analista do setor Serkan Toto.

Esse futuro foi exibido este mês quando a Morikatron, sediada em Tóquio, mostrou um jogo inteiro feito por IA. O simulador de mistério de assassinato ‘Red Ram’ usa Stable Diffusion e ChatGPT para gerar seu conteúdo com base nas instruções do jogador. “Esse é um jogo que seria impossível de desenvolver sem o poder da IA, porque você precisaria de uma quantidade infinita de recursos de arte e texto”, disse o fundador da empresa, Yukihito Morikawa. Quatro engenheiros levaram três meses para desenvolvê-lo.

Tsubasa Himeno, uma dubladora com muitos créditos em jogos, disse que a nova tecnologia tornará mais difícil para os jovens começarem a trabalhar no ramo. “A IA é uma ameaça pura”, disse ela.

Jiro Ishii, conhecido por criar o romance de ação ao vivo ‘428: Shibuya Scramble’, espera que em uma ou duas décadas todos possam criar seus próprios jogos. Isso é uma ameaça ao modelo “freemium” adotado por jogos como ‘Dota 2′ e ‘Fortnite’ da Epic, que são gratuitos para jogar, mas cobram por skins e itens extras no jogo.

A maioria vê uma oportunidade. Yosuke Shiokawa operou em ambas as extremidades do espectro, como ex-produtor do jogo para smartphone de sucesso da Sony,Fate/Grand Order’, bem como fundador da Fahrenheit 213. Ele começou a brincar com a criação de IA para um trailer de vídeo antes de usá-la como auxílio para criar objetos e planos de fundo no jogo, acrescentando extras que sua equipe de quatro pessoas não teria pensado em experimentar devido aos recursos limitados.

“Em breve, será a sua criatividade, e não o seu orçamento, que determinará o valor dos jogos”, disse Shiokawa.

- Com a colaboração de Yuki Furukawa e Mayumi Negishi.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Videogame no expediente? Jovens ampliam tempo em jogos e reduzem no trabalho