Brasil proíbe pagamento por coleta de íris da startup do fundador da OpenAI

Órgão do governo federal responsável por fiscalizar proteção de dados pessoais vê risco à livre manifestação da vontade com incentivo financeiro oferecido pelo projeto do World ID; medida entra em vigor neste sábado

Worldcoin
25 de Janeiro, 2025 | 02:29 PM

Bloomberg Línea — O projeto de criação de um passaporte digital baseado em biometria do olho, a nova aposta do bilionário Sam Altman, da OpenAI, sofreu um revés no Brasil, a exemplo do que já ocorreu na França, Alemanha, Espanha, Argentina e Hong Kong.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) proibiu a ‘oferta de criptomoeda ou de qualquer outra compensação financeira’ pelo escaneamento de íris, segundo comunicado divulgado na tarde desta sexta-feira (24). A medida passa a valer a partir deste sábado (25).

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O World ID é um projeto de criptomoeda e identidade digital que visa criar uma forma ‘única e segura’ de identificar indivíduos em todo o mundo, ao oferecer uma “prova de humanidade” em um ambiente cada vez mais povoado por bots criados por inteligência artificial. A iniciativa é liderada pela startup TFH (Tools for Humanity), fundada pelo CEO da OpenAI.

A coleta de íris dos brasileiros começou em novembro do ano passado em centros comerciais na capital de São Paulo, e atraiu entusiastas de inovação tecnológica bem como pessoas interessadas apenas em receber uma quantia equivalente a meio salário-mínimo, com pagamentos em parcelas prometidas ao longo de um ano.

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A ANPD, órgão do governo brasileiro responsável por regular e fiscalizar a proteção de dados pessoais, já tinha instaurado um processo de fiscalização no último dia 11 de novembro para verificar o projeto, como noticiou a Bloomberg Línea na época.

Após dois meses de pedido de esclarecimentos e análise do caso, o regulador decidiu, desta vez, aplicar “medida preventiva à TFH para suspender a oferta de criptomoeda ou de qualquer outra compensação financeira pela coleta de íris de titulares de dados no Brasil”, segundo nota divulgada em seu site no final da tarde de ontem.

Airdrop, alvo do regulador brasileiro

Quando uma criptomoeda é lançada, o incentivo dado para estimular o uso e a adoção da moeda é comumente conhecido como airdrop: uma distribuição gratuita de tokens ou criptomoedas para os usuários, geralmente com o objetivo de promover a adoção e o uso da moeda. O app do World ID informa ser opcional a escolha pelo usuário do recebimento do airdrop.

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O órgão regulador brasileiro entendeu, no entanto, que a oferta da criptomoeda Worldcoin (WLD) pode prejudicar a obtenção do consentimento do titular de dados pessoais. A análise preventiva foi feita pela equipe da Coordenação-Geral de Fiscalização da ANPD.

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“Nos termos da LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais], o consentimento para o tratamento de dados pessoais sensíveis, como é o caso de dados biométricos, precisa ser livre, informado, inequívoco e fornecido de maneira específica e destacada, para finalidades específicas”, citou a nota do regulador.

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A ANPD determinou também à TFH que indique em seu site a identificação do encarregado pelo tratamento de dados pessoais.

Livre manifestação de vontade em risco

Uma câmera especial, chamada de Orb, fotografa a íris a partir de uma tecnologia computacional que captura imagens de alta qualidade,. Para ter a íris fotografada em hora marcada e locais definidos pela empresa, como shoppings centers, é preciso antes baixar o app da World, que funciona como uma wallet de tokens, e permite o uso de cripto na compra de recarga de aparelho celular.

“A contraprestação pecuniária oferecida pela empresa pode interferir na livre manifestação de vontade dos indivíduos, por influenciar na decisão quanto à disposição de seus dados biométricos, especialmente em casos nos quais potencial vulnerabilidade e hipossuficiência tornem ainda maior o peso do pagamento oferecido”, disse a ANPD, em nota.

O regulador entendeu ainda que o tratamento de dados pessoais realizado pela empresa se revelou “particularmente grave, considerando o uso de dados pessoais sensíveis e a impossibilidade de excluir os dados biométricos coletados, além da irreversibilidade da revogação do consentimento”.

Em nota, os responsáveis pela World informaram estar em conformidade com todas as leis e regulamentos do Brasil. “Relatos imprecisos recentes e atividades nas mídias sociais resultaram em informações falsas para a ANPD. Estamos em contato com a ANPD e confiantes de que podemos trabalhar com o órgão para garantir a capacidade contínua de todos os brasileiros de participarem totalmente da rede World”, citou a startup.

Token em queda após a decisão

Após a decisão do órgão brasileiro, o token WLD registrava desvalorização nas plataformas de cripto. Por volta das 13h30, estava cotado a US$ 2,15, uma queda de 2,71%.

Ao ter a captura de sua íris, o app do usuário exibe um airdrop de 53,85 WLD. Em novembro, quando Bloomberg Línea acompanhou o primeiro dia do serviço em um shopping center na zona leste da capital, essa recompensa era equivalente a R$ 739,51.

A empresa promete fazer o pagamento em parcelas ao longo de 12 meses, e dá a opção de uso do Pix, sistema brasileiro de pagamento digital instantâneo. O projeto em São Paulo começou com nove pontos de verificação de íris, espalhados por diferentes regiões da cidade.

Neste sábado, o app informa que, no mundo inteiro, já foram capturadas íris de 22.784.120 pessoas, sendo 9.187.375 nos últimos 30 dias. São 883 câmeras em atividade, espalhadas em 45 países visitados.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.