Bloomberg Linea — Depois de um longo inverno para IPOs de startups da América Latina, o cenário para 2025 se mostra mais favorável a aberturas de capital de empresas de tecnologia, na visão de Hernan Kazah, cofundador da Kaszek, maior gestora de venture capital da região.
Em entrevista à Bloomberg Línea, o experiente investidor disse avaliar que o ambiente para novas operações tem melhorado diante dos cortes da taxa de juros dos Estados Unidos, ainda que em ritmo mais lento do que o esperado. A expectativa de um governo mais favorável aos negócios com a volta de Donald Trump à Casa Branca também ajuda a apoiar novas listagens.
“O mercado está mudando e tem melhorado com a queda de juros nos Estados Unidos, que vem sendo mais devagar do que esperávamos um ano atrás, mas está acontecendo. Isso ajuda, além de sinalizações de maior estabilidade, como uma política americana mais clara”, afirmou Kazah.
Ele criou a Kaszek em 2011 com Nicolas Szekasy, ambos cofundadores do Mercado Livre ao lado de Marcos Galperin. “Está claro também que será um governo mais pró-negócios e pró-M&As.”
De acordo com Kazah, a grande mudança no mercado de capitais deve se consolidar em 2026, mas o movimento já deve ser percebido de maneira mais contundente no fim de 2025.
“Em nosso caso, na América Latina, uma nova turma terá chances de sair para o mercado público no final de 2025 - e isso mais forte ainda em 2026″, disse.
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A gestora de venture capital conta com um portfólio com 130 investidas, que incluem startups brasileiras como QuintoAndar, Wellhub (ex-Gympass) e Creditas, a chilena NotCo e a mexicana Kavak.
Algumas já estão “prontas” e aguardam há alguns anos por uma janela favorável de mercado para uma listagem, enquanto outras do portfólio precisaram se reinventar para enfrentar os últimos dois anos de crédito mais escasso e volatilidade no mercado de juros.
Segundo Kazah, o foco está em aberturas de capital nos Estados Unidos, a exemplo do caminho percorrido por empresas como Nubank (NU) e Mercado Livre (MELI).
São justamente companhias em que a Kaszek aportou capital no momento em que ainda eram privadas e que hoje estão listadas na Bolsa de Nova York e na Nasdaq, respectivamente.
A Kaszek captou cerca de US$ 3 bilhões em nove veículos de investimento em pouco mais de uma década. Historicamente, as startups do Brasil têm sido o destino de cerca de 60% dos aportes.
Fila de IPOs
Com as taxas de juros elevadas e muitas incertezas sobre os rumos da política monetária, uma longa fila se formou nos últimos dois anos de startups latino-americanas à espera de uma janela para IPOs (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) ou para fusões e aquisições (M&A) - as duas saídas mais comuns para proporcionar liquidez aos fundos e retornar dinheiro aos investidores.
Segundo dados da CB Insights, existem atualmente 1.249 unicórnios globalmente, como são chamadas as novas empresas de tecnologia com valuation igual ou superior a US$ 1 bilhão.
Trata-se de um grupo mais maduro e propenso a movimentos em direção a mercados públicos. A CB Insighs avalia que 110 deles têm alta probabilidade de listagem em bolsas, e 25, de M&As.
São números que oferecem uma indicação do tamanho do capital represado, o que tem dificultado a retomada do próprio mercado de venture capital.
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Os fundos usam capital de terceiros - os investidores institucionais, também chamados de Limited Partners ou LPs -, que buscam o retorno dos recursos empregados. A depender do track record das gestoras, eles reinvestem os lucros em busca de novas oportunidades.
No último ano, apesar da dificuldade de liquidez no mercado, o gestor argentino contou que a Kaszek devolveu recursos aos investidores, movimento que espera repetir ao longo de 2025.
Os principais retornos vieram com a venda de participação na startup Contabilizei para o fundo de private equity Warburg Pincus - que desembolsou US$ 125 milhões e se tornou o principal acionista do negócio - e com a distribuição de capital com a venda de uma fração das participações no Mercado Livre e no Nubank.
Foco em fintechs B2B e infraestrutura
Segundo ele, o ano de 2024 foi positivo também do lado dos investimentos, com aportes em cerca de 15 startups por parte da Kaszek.
A gestora liderou rodadas de investimento em empresas como a Zig, numa extensão de uma rodada Série B de R$ 155 milhões; na fintech Kanastra, com captação de R$ 100 milhões; na BrandLovrs, de R$ 35 milhões; e na argentina Pomelo, de US$ 40 milhões.
Os aportes marcaram o encerramento dos fundos Kaszek Ventures V e o Kaszek Ventures Opportunity II. Os dois veículos ainda contam com recursos, mas apenas para follow-ons.
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A partir deste ano, a gestora começa a fazer investimentos com recursos de fundos captados ainda em 2023, que somam um volume em torno de US$ 1 bilhão. São US$ 540 milhões para investimentos em early stage, no Kaszek Ventures VI, e US$ 435 milhões para empresas em late stage, no Kaszek Ventures Opportunity II.
“Sempre buscamos ficar com a cabeça bem aberta para reagir aos empreendedores, pois são eles que estão no campo de batalha à procura de novas grandes oportunidades. Dito isso, estamos bastante otimistas com fintechs, mas na área de B2B, e também em infraestrutura”, afirmou.
Metade do capital deve ser investido em startups no Brasil, o principal mercado da Kaszek. Outros 25%, no México, e o restante dividido pelos demais países da região.
“O México demorou um pouco para decolar, mas finalmente isso aconteceu. Está com um ecossistema um empreendedor muito rico”, afirmou o experiente investidor.
A Argentina, a terra natal dos fundadores da Kaszek, também é acompanhada de perto. “As decisões corretas estão sendo tomadas, mas o mercado ainda continua sendo frágil. Precisamos de mais continuidade nesse caminho para que volte a ser interessante”, afirmou em referência indireta à evolução da economia e do ambiente de negócios no governo de Javier Milei.
A tese defendida por Kazah - e também por outras gestoras - é que, após as transformações na relação entre bancos digitais e usuários finais, chegou a vez de melhorar a relação entre instituições, o B2B. E também de aperfeiçoar tecnologias que ficam “escondidas” - o backoffice das operações - para aprimorar o tráfego de informações e diminuir as fricções e os custos dos negócios.
Os investimentos em climate techs também estão no radar da gestora, que tem no portfólio a Mombak, startup que desenvolve projetos de reflorestamento biodiverso na Amazônia.
“A única maneira de resolver esse problema é com tecnologia, não será com a diminuição do consumo”, disse, em referência ao que se tornou uma espécie de mantra nos últimos anos.
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