Loggi monta malha para PMEs, ganha escala e vai além da geração de caixa, diz CEO

Em entrevista à Bloomberg Línea, Thibaud Lecuyer conta como um dos primeiros unicórnios do país superou as perdas, criou nova avenida de crescimento e agora prevê triplicar as receitas até 2028

Thibaud Lecuyer, CEO da Loggi (Foto: Divulgação)
19 de Junho, 2024 | 06:32 AM

Bloomberg Línea — Há cerca de dois anos, em reunião com todos os funcionários da Loggi, o hoje CEO Thibaud Lecuyer planejou passar a mensagem de que o objetivo da startup de logística naquele momento era chegar ao Ebitda positivo. Ouviu do RH a ponderação de que 80% das pessoas sequer sabiam o que significava a métrica que expressa a geração de caixa operacional de uma companhia.

“Passamos os primeiros quinze minutos da reunião explicando o que era Ebitda, comparando com o orçamento que uma pessoa tem em sua casa, com salário, gastos e financiamentos”, lembrou. “Eu acredito em liderar pelo exemplo, em mostrar a cultura que você quer”, disse sobre a mudança necessária para uma empresa que, até então, estava dedicada apenas à busca de crescimento.

“Muitas pessoas continuaram na companhia, outras saíram. O importante é que hoje estamos na derivada do que buscamos naquele momento”, disse o CEO da Loggi em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea.

O momento agora de um dos primeiros unicórnios do país é de passagem de uma empresa média para grande, o que se traduz em um plano para triplicar as receitas - de valores não revelados - até 2028.

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Depois de alcançar o Ebitda positivo no quarto trimestre de 2023, a Loggi tem registrado um crescimento em 2024 em um ritmo de 25% a 30% na base anual. E a saúde financeira está preservada.

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“Não temos dívida, um caso único entre empresas que atuam com transporte. E temos centenas de milhões de reais em caixa, mais do que o valor somado das maiores do setor”, disse Lecuyer. Boa parte ainda deriva da última rodada captada em 2021, de mais de R$ 1 bilhão. “Brinco que temos espinhos no bolso”, disse Lecuyer, que, antes de assumir como CEO há dois anos, atuou quase três como CFO.

Nas reuniões mensais com os funcionários, a pauta também mudou. “Explicamos como pretendemos crescer mais, quais os clientes que queremos conquistar, as estratégias. Diria que temos um otimismo conservador, cauteloso, e estamos atentos ao cenário”, disse o executivo e empreendedor.

Essa fase de crescimento com saúde financeira mostra, segundo ele, que a empresa está no “caminho certo”. Conversas sobre um potencial IPO (oferta pública inicial), por outro lado, “são uma distração”. “Temos que pelo menos dobrar de tamanho. É conversa para daqui a dois anos e meio a três anos e, ainda assim, não depende só do que fazemos, passa pelo momento de mercado.”

Outra agenda prioritária corrente é o do ganho de eficiência, que representa uma espécie de ajuste fino após quase dois anos de cortes de despesas e outras mudanças mais imediatas (veja mais abaixo).

Pudo: Pick up and drop off

Nessa nova fase, a Loggi também elegeu como uma das avenidas de crescimento com maior potencial o atendimento a pequenas e médias empresas na modalidade conhecida como Pudo (Pick up and Drop off Points). São pequenas lojas próprias ou de terceiros espalhadas pelas cidades que funcionam como ponto de coleta de pacotes, integradas com tecnologia ao sistema de logística da startup.

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“Começamos em fase de testes com cinco pontos no fim do Q3 [terceiro trimestre] de 2023 e hoje estamos com cerca de 500 pontos. E vamos chegar a 2.000 até o fim deste ano”, disse o CEO da Loggi.

Segundo ele, a Loggi é “muito conhecida” pelas entregas locais em todas as cidades do país e pelo atendimento aos maiores varejistas, do Mercado Livre e da Amazon às asiáticas Shein e Shopee.

“Mas há debaixo disso uma grande faixa do mercado brasileiro que não está sendo atendida ou que é atendida por apenas uma companhia, porque é a opção que existe”, disse Lecuyer. É uma referência justamente a empresas pequenas e médias que, segundo ele, não têm acesso a serviços que conciliam prazo e preços competitivos.

“O mercado do grande varejista que envia 100 mil pacotes por dia é diferente daquele que entrega cem pacotes ou menos. Por isso o segmento de SMBs [pequenas e médias empresas, na sigla em inglês] não tem esse nível de serviço, ainda que movimente bilhões”, disse o CEO da Loggi - hoje a startup tem capacidade de processamento de 1 milhão de pacotes por dia.

Para avançar no segmento, a startup investiu em tecnologia - são cerca de R$ 150 milhões por ano, volume que foi preservado mesmo nos anos de ajustes para reforçar as finanças - para desenvolver uma plataforma que permite que esse cliente consiga contratar as entregas, deixar os pacotes nos pontos citados e usar o celular como scanner para inseri-los no sistema da malha de logística.

O investimento em tecnologia se traduziu também na contratação de mais profissionais de nível sênior de grandes empresas, um ponto que o CEO da Loggi fez questão de apontar como fundamental.

A capacidade então já consolidada da Loggi de atuar com o chamado last mile - a fase da entrega até a casa do consumidor - permitiu que ela pudesse se habilitar ao processo reverso, o que não está ao alcance de muitos concorrentes, segundo o executivo. “O last mile se torna first mile.”

No processo de construção dessa operação, a Loggi também teve um aprendizado ao ouvir atentamente o que esse cliente busca. Inicialmente, o plano era oferecer e realizar a retirada dos pacotes na casa de cada pequeno ou médio empreendedor, mas o início da operação mostrou que a maioria prefere deixá-los em algum ponto - o que motivou a rede que tem sido montada nas cidades.

“Parece não fazer sentido, mas esse pequeno empresário planeja a ida a esses pontos de coleta dentro da sua rotina para ganhar tempo. Erramos e tivemos que fazer o pivô”, contou.

Com a operação de pé e ganhando escala rapidamente graças à tecnologia, segundo Lecuyer, a Loggi hoje consegue atender das grandes plataformas de e-commerce a médias e pequenas empresas e também pessoas físicas, em nível local e nacional, com uma operação integrada.

“Esse serviço está crescendo muito, em dezenas percentuais ao mês, ampliando margem e Ebitda. Os números comprovam o que chamam de product market fit, ou seja, o seu produto está adaptado às necessidades de mercado e ganha tração”, disse.

Atualmente, o novo negócio já representa algo na casa de dois dígitos das receitas da startup, mas há potencial para que chegue a um terço ou mais em alguns anos, segundo ele.

“Nós somos um business de escala. Quanto maior o volume, melhor ocupamos a nossa malha e isso também do ponto de vista financeiro”, resumiu o executivo.

‘Vida adulta’ e demissões

O executivo disse que os tempos de hypergrowth ficaram para trás. “Não precisamos mais disso. Passamos da adolescência para a vida adulta, em que você precisa se sustentar financeiramente.”

O entendimento amplo dos funcionários há dois anos foi um passo inicial considerado fundamental para a busca pelo objetivo financeiro de curto e médio prazo, que coincidia com um novo momento para a startup de entregas e logística - o citado estágio de hypergrowth até 2021 levou a Loggi a se tornar, já em 2019, um dos primeiros unicórnios brasileiros, com valuation de US$ 1 bilhão ou mais.

O status foi alcançado após aporte à época de US$ 150 milhões que contou com SoftBank, Microsoft, GGV, Fifth Wall e Velt Partners.

A nova cultura em transição foi condição necessária para a execução de medidas de um plano estratégico que teve foco inicial em atacar o que Lecuyer chamou de “mato alto”.

Ele havia entrado na startup em 2019 egresso da Dafiti, em que foi um dos cofundadores do pioneiro e-commerce de moda no início da década passada, ao lado dos alemães Philipp Povel, Malte Huffmann e Malte Horeyseck, com capital do grupo Rocket (também alemão).

Em agosto de 2022, assumiu como CEO da Loggi em substituição ao cofundador Fabien Mendez, assim como ele, um francês radicado no Brasil - o outro fundador foi o brasileiro Arthur Debert.

Naquele momento de troca no comando, veio uma das decisões mais agudas: a demissão de 15% do quadro pessoal, que tinha 3.600 pessoas - a área de tecnologia foi preservada.

“Primeiro você tem que cortar o ‘mato alto’ e colocar o foco no que precisa”, explicou. Passada essa fase inicial, foi momento de atacar o “mato baixo”; e agora vem o momento de encontrar formas de aumentar a eficiência da operação e em como oferecer mais serviços aos clientes.

Ao falar em “mato alto”, Lecuyer se referiu ao que apontou como uma busca para crescer em que tanto os times internos como os clientes são estimulados. “Todo mundo quer fazer tudo. Você abre várias frentes. Por exemplo: ‘Vamos desenvolver um produto para um setor específico’”, explicou.

A Loggi passou a priorizar alguns segmentos de clientes e também os projetos de tecnologia para desenvolver, além de reduzir o tamanho da malha de entregas para racionalizar a operação.

“São medidas que você consegue identificar em questão de semanas. Levamos de agosto a dezembro de 2022 com a execução”, disse o empreendedor e executivo.

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No caso do “mato baixo”, endereçado ao longo de 2023, a startup passou a adotar ações como analisar cada malha e a identificar quais tinham custo mais alto porque estavam, por exemplo, subutilizadas, o que se refletia em preços mais altos cobrados dos clientes e em perda de competitividade.

“São coisas óbvias, mas, quando você é uma empresa que cresce mais de 100% ao ano, como aconteceu em 2020 [140%] e 2021 [112%], não enxerga”, disse o CEO.

80.000 km a menos por ano

Mais recentemente, o uso de tecnologia como machine learning permitiu otimizar a operação logística, com identificação de rotas de entregas mais eficazes e consequente redução do número de agências em cidades como São Paulo - eram 12 e caiu pela metade, o que representou menos custos.

Na verdade, houve ganhos de 7% no número de pacotes por rota, os custos caíram 10%, e a receita por entrega subiu de 3% a 4% na capital paulista.

“Na prática, estamos reduzindo em 20% a distância entre as rotas. Ao fim do semestre, teremos aplicado esse novo modelo em metade de nossas agências. Quando estiver aplicado em toda a base, isso vai significar 80.000 quilômetros a menos percorridos por ano”, disse o CEO da Loggi.

Já a partir de junho, a economia vai ser da ordem de R$ 800 mil a R$ 1 milhão por mês.

Segundo ele, todo o processo descrito acima mostrou que a preocupação com a “sobrevivência financeira” está superada, enquanto, por outro lado, “há muito espaço para ganho de eficiência”. É o momento de olhar para frentes como o funil de aquisição de clientes e em como fazer cross selling, citou.

É uma agenda não só de 2024 como também de 2025 e de anos seguintes. São atualmente cerca de 1.200 rotas de entregas em que é possível melhorar a eficiência para que se tornem mais rentáveis.

O executivo explicou que a tendência é positiva, ainda que a geração de caixa operacional não aconteça todo mês. Mas que, mês a mês, tem havido avanço de 10 a 15 pontos base no Ebitda no ano contra ano.

A nova estratégia da Loggi começa a ser comunicada depois de quase dois anos em que a startup saiu do holofote e da mídia. Segundo ele, a ausência de notícias não se deu por acaso.

“Somos pragmáticos. Preferimos trabalhar e executar as ações que entendemos como necessárias e buscar os resultados. Nossos acionistas e nossos clientes estão satisfeitos e isso é o importante”, afirmou.

Ao comentar a nova fase, Lecuyer destacou a importância do ajuste financeiro realizado - aquele que foi tema da reunião com os funcionários. “A Loggi sempre teve mercado, oferecendo serviços de entrega a preços que as pessoas estão dispostas a pagar. Mas precisava ter a operação equilibrada para ser mais estratégica.”

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.