Bloomberg Linea — O mundo que emerge com o retorno de Donald Trump à Casa Branca, acompanhado de promessas de imposição de tarifas comerciais e restrições a imigrantes, tem o potencial de colocar em xeque a ideia-guia de um dos maiores poderosos ecossistemas de inovação do mundo, a Endeavor.
Criada no fim dos anos 1990, a plataforma conta com 45 escritórios espalhados pelo mundo, que carregam uma história de aceleração de startups e aumento do número de empreendedores em mercados emergentes.
Por trás do ecossistema está a americana Linda Rottenberg, chamada de “chica loca” nos primórdios da Endeavor, ao contar sobre a tese de espalhar a palavra ‘empreendedorismo’ por lugares em que o termo sequer constava no dicionário, caso do Brasil.
A operação no país completa 25 anos, tendo recebido o terceiro escritório da organização, em 2004. Participam da Endeavor nomes como Paulo Veras (ex-99), Guilherme Benchimol, da XP, e Sergio Furio, da Creditas, também presidente do conselho administrativo da entidade no país.
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Os mercados mudaram, startups surgem em todos os cantos para além do Vale do Silício, e os “unicórnios” somam mais de mil no mundo, dos quais o Brasil tem pouco mais de 20, de acordo com a consultoria CB Insights.
A expressão, cunhada em 2013 pela venture capitalist Aileen Lee 2013, serve para representar negócios de base tecnológica com valor de mercado igual ou acima de US$ 1 bilhão.
Mas, segundo a fundadora e CEO global da plataforma, é preciso fazer mais.
“A globalização está sendo atacada, certo? E o capitalismo, em alguns lugares, também está sob ataque. Tudo aquilo que a Endeavor representa, de certa forma, está sendo desafiado”, afirmou Rottenberg.
“Acredito que ter uma rede de confiança feita por, para e com os principais empreendedores — os mais destacados do mundo — é algo que a Endeavor tem uma capacidade única de oferecer”, disse ela em evento nesta quarta-feira (22) em São Paulo, em passagem justamente por ocasião dos 25 anos.
Os planos que a plataforma global tem executado no momento, em um novo ciclo com vistas a 2035, foram pensados levando em conta esse novo cenário.
“Também acredito que, como alguém que vem dos EUA, estamos prestes a entrar em um período de caos. Sabe de uma coisa? O caos é amigo dos empreendedores. As coisas têm sido estáveis demais nos EUA”, brincou a executiva.
De acordo com a fundadora, empreendedores ao redor do mundo com quem tem conversado estão mais receptivos do que receosos com o governo recém-empossado em seu país.
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Eles acreditam em uma administração pró-geração de negócio, o que poderia funcionar como um contrapeso às promessas de aumento de tarifas nos Estados Unidos a produtos e serviços oriundos de outros mercados.
Em parte, Rottenberg credita essa mudança também às relações mais amplas que os negócios passam a ter e uma menor dependência dos Estados Unidos.
“Há empresas brasileiras que estão olhando não apenas para México, Colômbia e Argentina mas também para Indonésia, Nigéria e Dubai como mercados onde podem vender, competir e adaptar seus modelos de negócios. Isso é algo que me empolga muito”, afirmou.
“Estamos passando de um mundo unipolar ou bipolar para um mundo multipolar, e o ambiente do empreendedorismo será fundamental para dar voz a outras partes do mundo.”
Novas métricas para o sucesso
Levar o empreendedorismo para uma nova e mais abrangente etapa passa, no novo planejamento do ecossistema, por chegar a novos escritórios.
Dos atuais 45 países, a plataforma pretende saltar para cem no intervalo de dez anos. A iniciativa será acompanhada por hubs de inovação em cidades-chave, fomentando negócios que saem para explorar outros mercados. Até 2026, a Endeavor pretende estabelecer seis, distribuídos por Singapura, Dubai, Londres, Miami, Nova York e São Francisco.
“Sempre dizemos aos nossos empreendedores: ‘sonhem mais alto’. Então, estamos aplicando o que pregamos”, disse a CEO.
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Entre as ambições da Endeavor estão objetivos quantitativos como ampliar o número de unicórnios na rede - 80 atualmente, sendo 60 investidos a partir da Catalyst. O braço de venture capital tem sob gestão US$ 540 milhões, valor distribuído em 4 fundos, com investimentos em mais de 330 startups. Somadas, essas companhias são avaliadas em R$ 60 bilhões.
E ainda buscar na plataforma uma diversidade de “decacórnios”, empresas de tecnologia com mais de US$ 10 bilhões em valuation. “Atualmente, existem cerca de 50 decacórnios no mundo, mas acreditamos que, até 2035, haverá 50 apenas entre os empreendedores da Endeavor.”
Com todas as mudanças de cenários e as novas perspectivas que emergem no dia a dia, o que será definidor para o futuro do modelo da Endeavor é o quanto o ecossistema poderá gerar para além de big numbers, afirmou a americana.
“Muitas pessoas estão obcecadas com o valor de mercado e a criação de bilionários. Achamos que é hora de criar uma nova linguagem para o sucesso, baseada no impacto multiplicador. Deveria se tratar de quanto você gera de retorno, quanto você investe em outros, e quantos dos seus colaboradores ou parceiros também prosperaram.”
Segundo Rottenberg, a disputa deveria ser por quem tem a maior “máfia”, termo que representa a quantidade de ex-funcionários de uma startup que saíram para empreender em negócios próprios. “Minha bolha é maior que a sua. Sou um multiplicador maior”, exemplificou sobre as conversas que gostaria de ouvir mais.
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