Bloomberg Línea — No universo das startups brasileiras, concentrado em plataformas SaaS e fintechs, a Tractian tem navegado como um dos exemplos de inovação de que o país pode desenvolver e exportar tecnologia, com a combinação de hardware e software em sensores com uso de inteligência artificial (IA).
A startup opera como uma espécie de “Shazam de maquinários” - o aplicativo para identificar músicas - potencializado por tecnologia de ponta e IA, ao fazer a leitura de ruídos, vibrações e alternâncias de temperatura de equipamentos que podem indicar potenciais problemas futuros.
Fundada em 2019, a Tractian tem avançado em uma trajetória global, com foco no México e nos Estados Unidos, países que já respondem por 50% da receita.
A startup chegou a US$ 40 milhões em receitas em 2024, alta de 100% em relação ao ano anterior.
“Em dois anos, os Estados Unidos devem se tornar o principal país para a nossa operação”, disse Igor Marinelli, CEO e co-fundador, em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea durante o evento Brazil at Silicon Valley, nos Estados Unidos.
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Para impulsionar esse movimento, Marinelli se mudou para os Estados Unidos há um ano, de onde lidera a operação a partir de Atlanta, no estado da Geórgia.
No país, a startup conta com cerca de 100 dos mais de 400 funcionários, que trabalham nas áreas de engenharia, desenvolvimento, design de produtos e IA.
Primeira aquisição
A Tractian também tem investido em espaços comerciais em diferentes estados americanos, como Illinois (em Chicago), Carolina do Norte e Colorado.
“O principal foco é esse cordão no East Coast Central”, disse o CEO.
A estratégia, que aproxima os times comerciais dos clientes, tem levado a um aumento de 45% na conversão de vendas.

A conquista do mercado americano caminha por múltiplas vias. A mais recente representou o primeiro M&A da Tractian, uma acquihiring - em que o capital humano também é levado em conta - de uma startup de Atlanta pelo valor de US$ 3 milhões. O acordo foi fechado majoritariamente com a troca de ações.
Por questões estratégicas, Marinelli não revelou o nome da empresa adquirida. Com pouco mais de dez pessoas, a nova empresa vai permitir que Tractian forneça os seus sensores e softwares também para fabricantes de equipamentos.
“Historicamente, a Tractian vem servindo quem mantém as máquinas. Agora, queremos servir também quem produz”, afirmou Marinelli.
”Nos interessamos por essa empresa porque eles têm um produto muito interessante, um time de mais ou menos 10 pessoas, e os fundadores agora entram para a nossa operação.”
Em outra frente, a startup avança com uma proposta mais para além do monitoramento físico dos equipamentos.
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O serviço, basicamente, processa todas as informações presentes em manuais, informes e demais PDFs criados pelos fabricantes de máquinas para tentar prever quais e em quanto tempo podem apresentar defeitos.
Com o produto, lançado nos Estados Unidos, a Tractian fez parcerias com fabricantes globais como Siemens e Johnson Controls.
Módulo europeu
“Nesse processo, nós podemos ser ou amigos ou inimigos porque, basicamente, nós estamos quebrando uma parte do meu negócio. O que eu falo para esses presidentes é que, se não for a Tractian, será outra. É uma coisa um pouco inevitável. Portanto, é melhor nos associarmos para ter acordos claros desse movimento”, afirmou.
O movimento mira facilitar a entrada em novos clientes e estimular a digitalização de empresas menores.
A Tractian tem uma base diversa de clientes, com companhias de porte médio e grande que representam 80% da receita. Na carteira brasileira estão nomes como Suzano, Dexco, M Dias Branco e Nissan Brasil.
“De fato, esse produto é um décimo da receita que poderia gerar, mas começa a digitalizar esse cliente. E são clientes que estão no long tail e que começam a entender o valor da tecnologia”, disse Marinelli.
Em paralelo ao avanço nos Estados Unidos, a Tractian conduz o projeto de expansão pela Europa, de olho em países como Espanha, Portugal, Alemanha, Itália, França e Polônia, como parte de uma demanda espontânea criada a partir da prestação de serviços a multinacionais.

O movimento mais “intencional” começou neste ano, com os processos de certificações de produtos para uso na região. O foco inicial será em grandes contas.
“Com certeza, estaremos lá em janeiro de 2026″, disse sobre o plano de expansão.
A Alemanha deve ser o primeiro destino, apesar de a startup ainda não ter fechado a geografia. De acordo com Marinelli, o país, conhecido pela robustez industrial, permite que a startup estabeleça uma base forte para vender aos países em volta.
Novo hub no Brasil
No Brasil, ainda o principal mercado da operação, a Tractian está em fase de construção de um hub de inovação com 10.000 quadrados em São Paulo, no bairro da Chácara Santo Antônio.
Com capacidade para receber até 1.000 pessoas, o centro funcionará como um centro de testes e de manufatura dos sensores.
“Basicamente, estamos levando tudo que é tecnologia daqui [dos EUA] para criar esse laboratório de simulação industrial. Nós iremos fazer testes químicos, testes explosivos, porque nossos produtos requerem uma quantidade relevante de personalização e toda essa parte de hardware, física”, contou.
O espaço recebe investimentos de R$ 55 milhões, dos R$ 40 milhões de caixa próprio e R$ 15 milhões em dívidas. A previsão é que seja inaugurado no próximo mês de agosto.
A Tractian recebeu US$ 120 milhões em rodada Série C anunciada em novembro passado, com um valuation de US$ 800 milhões.
O aporte foi liderado pela Sapphire Ventures, gestora que tem a SAP com maior investidor, e contou com General Catalyst, Next47 e NGP Capital.
Marinelli contou que a startup ainda não utilizou os recursos, que serão usados para acelerar os novos passos da startup.
Com 28 anos, o CEO estruturou o modelo com os sócios Gabriel Lameirinhas e Leonardo Vieira ao ver o pai, um ex-profissional de manutenção da International Paper, passar anos tendo que acordar de sobressalto para lidar com problemas que apareciam sem sobreavisos em equipamentos.
“Quando eu comecei a Tractian, ele estava se aposentando e não chegou a ver a operação em campo. Ele falava: eu não acredito que você vai voltar para a indústria”, contou.
“Mas ele foi um teste de fogo para muitas coisas que fizemos. Os nossos vendedores até hoje ligam pra ele, ensaiam, fazem simulações vendendo, antes de irem a campo.”
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