Escassez de recursos vai durar um pouco mais no país, diz Simonsen, da Upload

Em entrevista à Bloomberg Línea, managing partner da gestora de venture capital diz que o início da redução dos juros nos EUA não vai resolver por si só a liquidez limitada do mercado

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Bloomberg Línea — O “inverno das startups” atravessou primaveras, outonos e verões e continua a assombrar o mercado de venture capital. O cenário ainda é incerto, especialmente em mercados emergentes, caso de Brasil e América Latina, com gestoras locais que ainda enfrentam dificuldades para captar novos veículos de investimentos.

No último congresso da associação que reúne fundos de venture capital e private equity, a ABVcap, em junho deste ano, o cenário foi marcado pelo desânimo, enquanto o mercado esperava pelos efeitos de aumento de liquidez com o início do ciclo de relaxamento monetário pelo Fed, o banco central americano.

O mais recente relatório da CB Insights revelou uma queda de 20% no volume total de aportes em startups brasileiras no terceiro trimestre, após chegar a US$ 500 milhões nos três meses anteriores.

“A sinalização do Fed é uma parte da equação. Eu acredito que não vai ser a solução de todos os problemas”, afirmou Carlos Simonsen, managing partner da Upload Ventures, em entrevista à Bloomberg Línea.

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De acordo com o gestor, alguns movimentos de mercado fizeram com que as perspectivas mudassem ao longo dos meses.

“A primeira é que a IA [Inteligência Artificial] está concentrando muito dinheiro no mercado. Por exemplo, o mercado americano vale hoje uns US$ 45 trilhões, dos quais US$ 3 trilhões vão só para a Nvidia. Em termos proporcionais, é quase 10% do mercado inteiro”, disse.

“A outra coisa é que há uma quantidade enorme de unicórnios parada para fazer um IPO. Isso significa que, mesmo que alguns IPOs aconteçam, isso não resolve o problema dos outros 1.400 que ainda faltam. O mercado não consegue absorver tanta oferta.”

Na soma dos fatores, quando investidores olham para o potencial de liquidez e eventuais saídas, a foto pode não ser a mais interessante. “Essa liquidez ainda é precária. E aqui no Brasil a situação é mais agravada ainda. Por isso volta o meu ponto de investimento em empresas globais”, afirmou Simonsen sobre a tese da gestora.

A Upload nasceu de uma cisão em 2021 de um fundo do SoftBank que investe em startups early stage e incorporou a Corton Capital, gestora que Simonsen tinha criado um ano antes com Mario Moraes.

Com tese agnóstica de investimentos, o VC busca ativos com potencial de escala global. Só não entra em fintechs de crédito e startups de criptomoedas. “Faltam casos de uso”, disse.

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No momento, a Upload conta com dois fundos em fase de investimento. O primeiro, com cerca de US$ 120 milhões, foca em startups early stage e é liderado por Rodrigo Baer e Marco Camhaji. Conta com 24 negócios no portfólio, número que deve ser elevado para 27.

O segundo fundo, mais recente, é um fundo de growth com US$ 200 milhões, ancorado pela operadora TIM com US$ 50 milhões.

Pouco mais de US$ 20 milhões já foram aportados, em startups como a americana Topsort, de publicidade digital, e a Tractian, de monitoramento de máquinas industriais.

A Upload tem outros US$ 250 milhões em fundos já totalmente investidos. No portfólio da gestora estão empresas como os estúdios para games Wildlife, a Olist, de sistema de gestão de vendas para e-commerce, ambas unicórnios, e a Nilo Saúde.

Escassez de recursos

“Eu acredito que este ciclo de escassez vai se prolongar um pouco mais aqui no Brasil e na América Latina. Tem muito fundo que não retornou capital ainda. Nós estamos esperando para ver o que vai acontecer, mas, obviamente, isso ‘machuca’ o mercado inteiro”, disse Simonsen.

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Segundo o gestor, a tendência é que essas dificuldades tenham como efeito a redução das estruturas dos fundos.

“Uma coisa que nós víamos muito antigamente era: ao montar um fundo para a América Latina, a gestora colocava uma pessoa na Colômbia, outra no México etc. Isso, para mim, não faz o menor sentido. Na verdade, nunca fez”, afirmou.

Na Upload, toda a gestão e a seleção de ativos é feita no Brasil, embora a gestora busque a expansão geográfica dos seus negócios. De todo o portfólio, 60% da receita é originada em outros países.

Entre os focos da gestora estão negócios oriundos ou com potencial de expansão por mercados como os Estados Unidos, os Emirados Árabes Unidos e o Sudeste Asiático.

A gestora tem observado negócios que usam a IA para potencializar os seus serviços, além de fintechs - com aquela ressalva feita acima -, techfins, SaaS (Software as a Service), IoT e startups de saúde.

Na estratégia, IA tem passado a ocupar um papel central, não só na hora de definir a startup que receberá o cheque mas também como ferramenta para a seleção dos negócios.

“Nós temos um orçamento interno bastante relevante para capturar todas as informações de mercado, externas e nossas, enriquecendo e fazendo dessa ferramenta uma plataforma de inteligência. Conseguimos gerar insights de indústria, de clientes e saber para onde os consumidores estão indo”, afirmou Simonsen.

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