Disputa entre áreas e atenção ao curto prazo: como a inovação gera resultado no BV

Parcerias com startups para melhorar modelos de crédito levaram a aumento de produção de R$ 70 milhões, diz Ricardo Sanfelice, diretor executivo de Inovação do BV, à Bloomberg Línea

Ricardo Sanfelice, diretor executivo de Clientes, Dados e Inovação do BV (Foto: Divulgação)
26 de Fevereiro, 2024 | 05:15 AM

Bloomberg Línea — No cenário de crescente interesse de empresas por investimentos e parcerias com startups, o banco BV decidiu escolher uma estratégia que busca resultados também de curto prazo e que promove iniciativas muito além da área dedicada à inovação. E começa a colher os frutos de maneira mais evidente. O banco já obtém contribuição ao resultado financeiro de tais parcerias e encerrou 2023 com quarenta contratos ativos com startups na área de inovação aberta, quatro vezes o volume do ano anterior.

“Além do aumento do volume, é interessante observar como as parcerias aconteceram. Dos quarenta contratos, apenas dez tiveram a área de inovação do banco como indutor”, disse Ricardo Sanfelice, diretor executivo de Clientes, Produtos e Inovação do BV, em entrevista à Bloomberg Línea.

PUBLICIDADE

“Foram as respectivas áreas que conduziram o processo, da prospecção até o momento de colocar os contratos no ar. É reflexo da busca de colocar a inovação no dia-a-dia da companhia”, disse o executivo, que anteriormente foi VP de Estratégia Digital e Inovação na Telefônica Vivo, entre outros cargos.

Um dos objetivos deste ano é conceder ainda mais autonomia para que as diferentes áreas do banco conduzam seus próprios projetos de inovação, tudo isso inserido no chamado BVx, o ecossistema de inovação e parcerias digitais do BV (anteriormente conhecido como Banco Votorantim). O BVx inclui também os investimentos por meio do seu CVC (Corporate Venture Capital).

“São resultados de uma estratégia de inovação que tem de cinco a seis anos. Tem sido uma evolução desde que o banco, que atua em um setor muito regulado, passou a se preparar a falar com startups.”

PUBLICIDADE

São contratos que formam, segundo Sanfelice, um grupo com “atuação heterogênea”. “Temos desde startup que facilita a gestão de despesas com cartão corporativo dentro do banco até outra que atua na área de crédito, e isso mexe no ponteiro do resultado, até outra na área ESG”, afirmou.

Um dos frutos em inovação do último ano, segundo Sanfelice, foi justamente o avanço do núcleo de experimentação em crédito. “Com projetos com startups que melhoraram nossos modelos de crédito, geramos R$ 70 milhões em aumento de produção que não teria acontecido sem essas conexões”, contou.

Segundo ele, que está quase dois anos no cargo, um ponto em comum dos contratos ativos é que, em geral, as áreas estão voltadas para questões de eficiência e melhoria operacional, cujos resultados aparecem rapidamente.

PUBLICIDADE

“É preciso também mirar o curto prazo em inovação. Muitas vezes, empresas olham demais o longo prazo e, depois de seis meses ou um ano, chegam as cobranças. E benefícios de curto prazo financiam os planos, não do ponto de vista financeiro mas de credibilidade.”

Dentro dessa visão, o banco pretende ampliar o cálculo do VPL (Valor Presente Líquido) dos projetos de inovação, exemplificou o executivo. “Estamos nos desafiando em 2024 a conseguir calcular o retorno das iniciativas de maneira mais abrangente.”

Uma vez definido um contrato, pode ser estabelecida uma relação de fornecedora com a startup ou de parceria de projetos e de ofertas, o que pode levar a um investimento do BV.

PUBLICIDADE

Um exemplo do segundo caso é a startup Portal Solar, que inicialmente começou como uma prestadora de serviço há alguns anos, mas que, dado o potencial do mercado de energia solar, na visão do banco, se tornou sócia em uma joint venture para o financiamento de projetos nesse segmento.

Essa estratégia de investimento em startups pode acontecer tanto por meio de doze fundos com os quais o BV é parceiro - “e que nos ajudam com o deal flow” -, como por meio de “M&A proprietário”, com um fundo dedicado do banco.

O BV também conta com um braço de CVC que encerrou o último ano com doze investidas, como Neon, o citado Portal Solar e a Méliuz (CASH3).

Futuro do dinheiro e banking as a service

As prioridades buscadas nos contratos também passarão por mudanças, dado que a estratégia é trabalhada em ciclos de dois a três anos e agora se inicia um novo mandato.

“Estamos priorizando startups que ou tenham relação direta com o nosso core ou que tragam melhorias na proposta de valor e a experiência do nosso banco digital”, disse o executivo. “E uma terceira prioridade nos novos contratos são startups que se relacionem com a tese que chamamos de dinheiro do futuro, como real digital, tokenização de ativos, blockchain, smart contracts etc.”

Nessa frente, o diretor executivo do BV destacou o papel do banco no desenvolvimento do real digital, em que foi uma das dezesseis instituições selecionadas pelo Banco Central para liderar o projeto. “O Brasil é benchmark em inovação em finanças. Quando vamos a eventos no exterior, as pessoas sempre nos perguntam sobre iniciativas como Pix, Open Finance e real digital.”

Na frente de Open Finance, por exemplo, Sanfelice disse que o banco tem muito mais a ganhar do que incumbentes com bases maiores, dado que o acesso aos dados de potencialmente 200 milhões de clientes permite a oferta de produtos e serviços mais customizados - o BV conta com 5 milhões de clientes ativos.

O banco já tem oferecido, por exemplo, a clientes com investimentos em outras instituições e que autorizaram o acesso a tais dados, a oferta de produtos com remuneração mais alta para fazer a migração. “Hoje com um clique um cliente faz a mudança. Antes, a experiência era muito mais ‘quebrada’ e exigia resgatar a aplicação de um banco, fazer uma TED, esperar cair no BV e daí aplicar.”

“Temos trabalhado muito no tema de embedded finance, ou invisible banking, como se costuma dizer lá fora. Ninguém acorda pela manhã e diz ‘vou comprar um carro com financiamento deste banco’ ou ‘vou fazer uma compra com o cartão de crédito do banco y’. Quanto mais invisíveis estivermos na jornada do cliente, melhor.”

Mais do que o produto, o que vai prevalecer nos próximos anos é a disputa pelo share of attention, a fatia da atenção do consumidor - o que se traduz no app que vai concentrar as suas opções, financeiras ou não, segundo o executivo. “Vai ser muito parecido com o e-commerce.”

Segundo ele, diante dessa “realidade de mercado”, o BV tem aproveitado para crescer em sua unidade de plataforma de produtos e serviços, que não necessariamente precisa ter a marca do banco. “Qualquer empresa pode colocar sua marca em cima de nossas wallets e serviços”, disse.

“A inovação e as receitas relacionadas têm muito mais potencial criadas fora do BV do que dentro. Por que não alavancar essa competência de serviços financeiros que é core para nós e explorar bases [de clientes] em outras companhias? Há ‘n’ segmentos em que podemos atuar.”

Dentro dessa estratégia, o BV concluiu no fim do ano passado a fusão com a Bankly, o que consolidou a posição do banco como maior plataforma de Banking as a Service do país. “Esse negócio deve crescer bastante com as sinergias e os negócios da Bankly”, disse Sanfelice.

A integração com a Bankly deriva do acordo celebrado há pouco mais de um ano, no fim de 2022, em que o BV adquiriu uma participação minoritária na Méliuz, com direito de compra do controle em um prazo de dois anos, segundo anunciado na ocasião. A Bankly foi avaliada à época em R$ 210 milhões (enterprise value).

Sobre eventuais iniciativas para oferecer produtos não financeiros à sua base de clientes, o diretor executivo do BV disse há uma visão mais alinhada à expertise do banco.

“Nós temos uma base de clientes que pode ser monetizada de outra forma, mas sempre buscamos o que está relacionado ao nosso core. Vou dar um exemplo. Acreditamos muito no ecossistema do automóvel. Ter uma relação com uma startup de quitação de débitos veiculares ou de negociação de multas tem muito mais a ver do que fechar uma parceria, por exemplo, em streaming de conteúdo”, disse.

Cultura também importa

O diretor do BV destacou o fato de que, no processo de evolução em inovação aberta, foi fundamental construir uma cultura dentro do banco e preparar as pessoas para essa relação. “Não adianta descentralizar a inovação se as pessoas não possuem os processos nem são treinadas para isso”, disse.

Nos últimos três a quatro anos, dentro desse objetivo, o banco passou a ampliar as conversas com hubs de inovação e a estar presente e patrocinar eventos desse ecossistema. “Nós acreditamos que essa área deve ser um catalisador da inovação da empresa, mas não a responsável pela inovação.”

Outro ponto destacado é o que Sanfelice chamou de “prova social”, um conceito utilizado pelo Head de Inovação e Open Finance do BV, Jimmy Lui. “No momento em que o banco reconhece e valoriza uma área que teve um projeto inovador e destaca benefícios e resultados, outras áreas também se mobilizam.”

Ele disse que há projetos de áreas menos que seriam consideradas “menos óbvias e comuns”, como o jurídico e o de riscos, e não apenas dos naturalmente esperados, como a de produtos. “O sponsor do nosso projeto de dinheiro do futuro, por exemplo, é o diretor de risco. Que é alguém de quem se poderia esperar que dissesse ‘não vamos fazer nada’ nessa frente”, contou.

Como reflexo dos resultados, o executivo disse que o BV ficou em sétimo lugar em 2023 no ranking “100 Open Startups”, da organização de mesmo nome, e em primeiro na categoria “Bancos”, em um levantamento quantitativo que atribui pontos a critérios como investimentos e contratos.

Por meio do BVx, o banco contou ao fim de 2023 com mais de 250 startups conectadas com a aplicação de 50 Pocs (Provas de Conceito) ao experimentar soluções em potencial para o desenvolvimento de melhoria contínua em produtos e serviços ofertados aos clientes.

“Nós costumamos dizer que temos que buscar o melhor de dois mundos, entre o de fintech e o de ‘bancão’. O que isso quer dizer? Contar com a agilidade de uma fintech de um lado e com a robustez de patrimônio de outro. E brinco que não pode ser o pior dos dois, desestruturado e burocrático”, disse.

Leia também

De IA a green tech: como o Inteli quer se tornar também uma escola para CEOs

Deep Blue Ventures: novo fundo mira growth stage e assessorar startups

Méliuz acerta caminho para venda de controle ao BV após queda de 90% da ação

Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.