Bloomberg — Em algumas ocasiões, os conflitos no conselho da startup Klarna neste ano se pareciam com uma novela. E logo eles podem se tornar uma novela de verdade: uma empresa de produção da Suécia que fez filmes para a Netflix comprou os direitos para levar às telas a história da ascensão meteórica da empresa, que começou como um serviço de pagamentos online para se tornar uma das startups mais queridinhas do mercado e um dos IPOs mais aguardados.
Os produtores não terão falta de material. A jornada até o anúncio desta semana de que a Klarna finalmente havia entrado com um pedido de oferta pública inicial nos Estados Unidos foi marcada por um confronto entre os cofundadores da empresa, brigas no conselho envolvendo o fundo mais consagrado entre os investidores da fintech, uma aposta na inteligência artificial que permitiu que a empresa demitisse centenas de funcionários e uma série de acordos obscuros destinados a reforçar o capital e preparar a empresa para o IPO.
Quando a Klarna fizer sua estreia no mercado de ações - que deverá ocorrer em algum momento de 2025 - provavelmente será uma das maiores ofertas do ano e alguns investidores esperam que ela avalie a empresa em até US$ 20 bilhões. Embora isso represente uma melhoria em relação ao preço obtido em sua última captação de recursos há dois anos, ainda está longe da avaliação de US$ 45,6 bilhões que a Klarna obteve em uma rodada de financiamento em 2021.
“Klarna será, obviamente, uma listagem supergrande”, disse Brad Isaac, sócio corporativo da Fieldfisher que lidera a prática de mercados de capitais de ações do escritório de advocacia. “É certamente um acontecimento positivo, porque acho que isso indica que há muito mais confiança” no pipeline de IPOs, disse ele.
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O CEO da Klarna, Sebastian Siemiatkowski - que detém cerca de 8% da empresa - em breve fará um road show junto com banqueiros do Goldman Sachs, do JPMorgan Chase e do Morgan Stanley para tentar convencer um novo grupo de investidores a apoiar a empresa que ele fundou há quase duas décadas.
Siemiatkowski passou anos preparando o terreno para essas conversas. Quando a Klarna chegou aos Estados Unidos, a empresa estava tentando desafiar os gigantes dos cartões de crédito, como o JPMorgan Chase ou o Citigroup.
Agora, o fundador de 43 anos mudou de ideia. Em vez de enfrentar os titãs do empréstimo de cartões, ele quer desafiar empresas como Visa (V) e Mastercard (MA) em pagamentos e se tornar a próxima American Express (AXP), que opera como credor e rede de cartões.
Esse trabalho adquiriu nova importância à medida que a empresa se preparava para sua estreia no mercado de ações. O papel da American Express, por exemplo, tem uma relação preço/valor contábil de 6,8 vezes, mais de três vezes maior do que a ação do JPMorgan.
A Klarna passou grande parte da última década lutando com o papel que deseja assumir no setor de pagamentos. Durante anos, a empresa ofereceu aos varejistas duas formas de disponibilizar suas opções de pagamento para seus clientes. Com o Checkout, um comerciante poderia trabalhar diretamente com a Klarna para disponibilizar as ofertas da empresa em seu site. Mas os varejistas também poderiam usar com provedores de serviços de pagamento, como Stripe ou Adyen, para disponibilizar as ofertas da Klarna.
Isso significa que essas empresas eram tanto amigos quanto inimigos da Klarna. Por um lado, a startup queria trabalhar com eles para garantir que suas ofertas tivessem um posicionamento privilegiado em suas plataformas, ao lado de rivais como a Affirm (AFRM). Por outro lado, a Klarna competia diretamente com eles para oferecer a solução Checkout aos comerciantes.
No início deste ano, Siemiatkowski tomou a decisão: a Klarna venderia o negócio de Checkout em um acordo que avaliou a unidade em US$ 520 milhões.
"O Klarna Checkout é muito querido para mim", disse Siemiatkowski na época. "O impacto que ele teve na jornada da Klarna é imenso."
Quase imediatamente, porém, a mudança rendeu frutos: em poucos meses, a Adyen anunciou que disponibilizaria o serviço da Klarna para os consumidores que fizessem compras nas centenas de milhares de terminais de pagamento da empresa. Semanas depois, a Worldpay - que processa US$ 2,3 trilhões em pagamentos por ano - também disse que tornaria a Klarna um método de pagamento padrão para seus comerciantes.
Espera-se que esses acordos ajudem a aumentar a receita da Klarna, que já subiu 27% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Atualmente, a Klarna está disponível nos caixas de mais de 600.000 varejistas em todo o mundo e traça um caminho para uma maior expansão geográfica depois de adquirir a Laybuy, uma fornecedora de serviços de buy-now, pay-later (espécie de parcelamento de compras) na Nova Zelândia.
"Queremos a Klarna em todos os caixas, disponível em todos os lugares, para tudo, o tempo todo", disse David Sykes, diretor comercial da Klarna, no início deste ano.
Siemiatkowski também adotou a inteligência artificial, permitindo que milhares de seus funcionários usassem o ChatGPT para se tornarem mais produtivos. A empresa disse que a tecnologia já pode fazer o trabalho de 700 funcionários e reduziu quase 25% de sua força de trabalho ao longo deste ano, encerrando agosto com cerca de 3.800 funcionários.
Isso ajudou a Klarna a reduzir os custos e a obter um lucro ajustado.
No mês passado, a empresa fechou um acordo para transferir 30 bilhões de libras esterlinas de seus empréstimos buy-now, pay-later, originados no Reino Unido, para uma subsidiária do fundo de hedge Elliott Investment Management nos próximos anos. Isso faz parte de um esforço de longa data para liberar capital, de modo que a empresa possa fazer novos empréstimos aos clientes com mais facilidade.
"Apesar dos impressionantes 20 anos e da presença global da Klarna, isso é apenas o começo", disse Andrew Reed, membro do conselho da empresa e sócio da Sequoia Capital, que é o maior acionista institucional da Klarna.
Desafios de governança
Embora suas finanças estivessem melhorando, a Klarna lutava para conter a tensão latente dentro de seu conselho.
Apenas três semanas antes de a Klarna entrar com pedido de abertura de capital, os acionistas da empresa votaram pela destituição de um dos membros do conselho, Mikael Walther, depois que ele contestou as decisões de governança, inclusive um plano de bônus que, segundo ele, poderia render a Siemiatkowski até US$ 35 bilhões nos próximos anos.
A votação ocorreu no momento em que o presidente do conselho da Klarna, Mike Moritz, disse que o colegiado havia perdido a confiança em Walther depois que ele ameaçou vetar certos itens ou impedir decisões importantes, incluindo a criação de uma nova empresa holding com sede no Reino Unido. A nova holding era vista como crucial para os planos de IPO da Klarna.
A empresa já havia reformulado seu conselho no início deste ano, substituindo Matthew Miller, da Sequoia Capital, depois que ele solicitou, sem sucesso, a remoção de Moritz, que anteriormente dirigia a famosa empresa de capital de risco. Por fim, Reed substituiu Miller na diretoria.
Nos bastidores dessa mudança estavam Siemiatkowski e o cofundador Victor Jacobsson, que estava afastado da empresa. Ao longo deste ano, os dois continuaram a entrar em conflito sobre as decisões de governança, inclusive sobre como a empresa abrirá capital e quanto controle o CEO terá. Mikael Walther há muito tempo representa os interesses de Jacobsson no conselho.
"A Klarna teve um ano selvagem", disse Jonas Malmborg, autor de um livro sobre a história da empresa, publicado em janeiro. Ele disse que vendeu os direitos de filmagem do livro para a empresa escandinava FLX no início deste ano.
No entanto, dentro dos escritórios da Klarna em todo o mundo, havia poucos sinais do ano selvagem que foi. Em vez disso, os negócios continuaram como sempre: Siemiatkowski estava participando de reuniões em Estocolmo e a empresa fechou um novo acordo com a loja de materiais de escritório Staples.
Por enquanto, a Klarna planeja listar suas ações em algum momento no primeiro semestre de 2025, informou a Bloomberg na sexta-feira (15). E já está solicitando aos bancos que apresentem propostas nos próximos dias para funções juniores na oferta.
“Há um caso de uma empresa que solicita a listagem, ou pretende listar, e depois realmente puxa o gatilho”, Navina Rajan, analista sênior da PitchBook. “Portanto, eu diria que é uma boa notícia, mas ainda há um longo caminho a percorrer.”
-- Com a colaboração de Pablo Mayo Cerqueiro e Mark Bergen.
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