Bloomberg Línea — No processo de evolução da indústria de startups e venture capital do país, oportunidades vão além daquelas geradas pelas teses de negócios das novas empresas.
Foi com essa visão que o Itaú BBA decidiu priorizar esse segmento e criar uma estrutura dedicada e especializada há três anos, com o objetivo de estreitar relacionamento de longo prazo com empresas que demandam seus produtos ao longo desse ciclo, da fase de crescimento até eventuais listagens em bolsa e depois.
Atualmente a área tech do Itaú BBA atende cerca de 1.500 startups dentro de um universo estimado em 20.000 no país. É mais que o dobro da faixa de até 600 que já eram clientes do banco quando houve a segmentação para o atendimento especializado. O time comercial dedicado também aumentou mais de 100% e hoje conta com cerca de 70 profissionais, o que inclui bankers e analistas.
“É uma tese que mais do que se comprovou. Criamos relacionamento com startups, aumentamos engajamento, e isso se reflete em diferentes métricas, como carteira de crédito”, disse Gabriel Brabo, sócio e Head de Tech & Related Companies do Itaú BBA, em entrevista à Bloomberg Línea durante o Web Summit Rio.
Com o chamado “inverno das startups” arrefecendo e a evolução de seu aprendizado na área, o banco de investimento do Itaú tem aprofundado o relacionamento com ações que vão da compra de cotas de FIDCs emitidos por fintechs e da assessoria a M&As de startups em um momento em que a demanda aumentou (veja mais abaixo) a novas soluções específicas como a de plataformas de Banking-as-a-Service.
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No atendimento a esse cliente, o banco adotou segmentações para startups em early stage e as de growth e late stage, diante do entendimento de que as demandas de produtos e serviços são diferentes.
No primeiro caso, por exemplo, com produtos como meios de pagamento, cobrança, câmbio, cartão de crédito corporativo, com atendimento de profissionais especializados a lidar com as necessidades de startups, que sabem, por exemplo, que muitos recursos chegam de fundos globais e demandam contas em Cayman para a internalização.
“Se o Itaú tem estrutura, entende a minha língua e tem os produtos básicos de que eu preciso, por que não? O fundador passa a nos considerar”, disse o executivo.
Mas é a partir de empresas que já captaram em Series A, com ARR (receita anual recorrente) de R$ 15 milhões, que as soluções “mais sofisticadas” do banco passam a fazer mais sentido, segundo ele.
No caso de startups em growth e late stage, o Itaú BBA oferece desde linhas de financiamento para a operação e para eventuais aquisições até o atendimento a novas demandas, como investir em FIDCs (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) por meio da aquisição de cotas.
“Nós estamos avançando bem nessa carteira. Não estamos competindo com assets. Nossa tese é que queremos ser mais uma alternativa e colaborar com essa forma de captação”, disse Brabo, que ressaltou que essa abordagem não se aplica apenas ao segmento tech.
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“É o caso de fintechs que estão no meio da jornada, não são tão conhecidas por assets nem pelo mercado e não possuem rating das agências nem histórico de dois anos auditado: como conhecemos muito bem a empresa e temos capacidade de analisar a tese de negócios, podemos, por exemplo, ‘encarteirar’ uma emissão considerada pequena de R$ 50 milhões, ou seja, comprar as cotas”, disse o executivo.
“Em um segundo momento, com a fintech já mais conhecida e com histórico, auditada, em uma nova emissão de R$ 150 milhões, podemos vender no mercado”, disse sobre esse caso hipotético.
Há um ano e meio, o banco passou a oferecer também a solução de Banking-as-a-Service para fintechs que desejam operar uma plataforma financeira, como serviços como Pix, core banking etc. Há também o serviço de adquirência para marketplaces.
Mandatos para M&As
Na evolução do relacionamento, o Itaú BBA também cresce com a oferta de serviços mais tradicionais de investment banking, como a assessoria financeira para fusões e aquisições e ofertas iniciais de ações (IPOs).
“Temos atualmente mandatos para M&A envolvendo startups em todos os estágios. É um mercado mais aquecido em que há muitos deals estratégicos em um contexto de valuations deprimidos”, disse Brabo.
“Há muito investidores estratégicos que avaliam que os valuations podem se recuperar mais à frente e que é momento de aproveitar oportunidades. Vemos muitos negócios nos próximos meses”, disse o executivo, para quem as diferenças de múltiplos negociados entre quem vende e quem compra não está tão distante em muitos casos.
O advisory não necessariamente é formal e pode acontecer também em indicações do que investidores buscam em determinados momentos, dado a tese de que o relacionamento vai além da venda de produtos e serviços e da expertise e do relacionamento cultivado pela equipe do banco com fundos.
O banco também tem se associado a eventos do ecossistema de inovação, como o Web Summit Rio, há duas semanas, o SXSW (South by Southwest), em Austin, nos Estados Unidos, em março, em que entrou como um dos principais patrocinadores, além de organizar os próprios, como o Itaú BBA Tech Summit em Nova York.
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O quadro atual de busca por M&As é diferente daquele que foi visto com mais frequência em 2023, em que muitos fundadores recorreram ao cap table - os investidores já presentes no quadro de acionistas - para buscar recursos para a operação, o que deu origem a uma série de follow-on de empresas privadas.
Segundo o head de tech do Itaú BBA, este tem sido um contexto construtivo para essa indústria no país, com a volta de valuations considerados mais realistas e um ambiente em que há um número crescente de empreendedores mais experientes que estão em sua segunda ou terceira startups. “É uma safra boa, essa visão tem sido um consenso quando conversamos com fundos de VC”, disse.
Houve também amadurecimento de empreendedores que passaram a buscar melhorar as capacidades de gestão de recursos e de projetos diante de um quadro de queda abrupta da liquidez de mercado.
Se o cenário para M&As tem sido promissor, o mesmo não acontece para ofertas de ações.
O executivo avaliou que os riscos geopolíticos com confrontos em diferentes regiões, junto com um cenário macro de queda menor que a esperada da taxa de juros nos Estados Unidos, deve segurar a volta de investimentos para a bolsa e, consequentemente, a tese de empresas tech do país.
Ainda assim, a avaliação com base em dados é a de que o investidor estrangeiro já voltou mais, ainda que o potencial, diante da média histórica, permita antever uma entrada ainda maior com a evolução do quadro. No caso do investidor local, há expectativas de valorização até o fim do ano.
Tudo isso posto, o executivo disse não esperar nenhum IPO de tech na bolsa brasileira neste ano, salvo algum caso mais excepcional e, ainda assim, mais para o fim do ano. E que a retomada mais ampla do mercado de capitais fique para 2025, o que incluiria empresas dessa indústria.
“Muito diferentemente do ciclo anterior, em que empresas de porte pequeno acessaram a bolsa, devemos ver unicórnios não listados fazendo esse movimento. Tamanho importa. Essa foi uma lição aprendida. Hoje vemos mesmo empresas com boa performance com baixa liquidez da ação”, disse Brabo.
Nos mercados privados, o executivo disse que o banco espera um ano de 2024 em linha com o que foi 2023, “sem um grande ponto de inflexão”. A captação de startups do país chegou a US$ 1,76 bilhão no último ano, segundo dados da LAVCA (Association for Private Capital Investment in Latin America).
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“Mas vemos oportunidades. Conversamos com todos os fundos de venture capital e vemos os internacionais vindo para o Brasil, criando operações no país e montando um pipeline [para futuros aportes].”
São conversas que, segundo ele, devem se traduzir em investimentos possivelmente em 2025 em startups em growth stage, com cheques de US$ 25 milhões a US$ 40 milhões.
O mercado para early stage já está mais desenvolvido, segundo ele, enquanto para late stage tem havido interesse de fundos de private equity, a exemplo da General Atlantic (GA) com aportes recentes - na última semana, anunciou investimento na LiveMode, empresa de mídia do esporte.
Há oportunidades em segmentos como o B2B, algo que já tem sido destacado há mais tempo, contextualizou o executivo. “O ciclo de digitalização de PMEs no Brasil está apenas no começo.”
São startups que atuam com software - em que, “com um bom produto, é um negócio escalável em que é possível crescer gradualmente com rentabilidade” -, com cibersegurança e também fintechs voltadas para o back office ou a estruturação de serviços e que não assumam o risco de crédito.
Por outro lado, startups com negócios para o consumidor final, que em geral exigem um investimento maior para ganhar escala e a “principalidade” do cliente, enfrentam mais dificuldades com o custo do capital mais alto.
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