Bloomberg Línea — Nos corredores da Endeavor e em rodas de conversas com empreendedores, a mensagem de posicionar o Brasil como um país que exporta inovação, e não apenas commodity, se tornou um mantra.
Diante das dimensões do país, com mais de 210 milhões de pessoas, e muitos desafios em diferentes setores, atuar em “casa” tem sido a escolha dominante até aqui entre startups locais.
É uma condição que contrasta com a de países como Israel, um dos maiores ecossistemas de inovação, que pensam os seus modelos de negócio para ganhar o mundo.
Empresas de tecnologia como Nubank, Hotmart e Wellhub (ex-Gympass) e nomes como o de Fabrício Bloisi, ex-CEO do iFood e atual CEO da holding de investimentos Prosus, ilustram um movimento que tem ganhado tração nos últimos anos: fundadores, muitos em suas segundas e terceiras empreitadas, e investidores, integram uma espécie de diáspora brasileira da inovação.
Um novo estudo da Endeavor, construído com o apoio do Google Cloud e do Brazil at Silicon Valley, mapeou 397 empreendedores espalhados por diversas partes do mundo.
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A concentração está nos Estados Unidos, mercado de 59% dos brasileiros que decidiram emigrar para empreender.
O estudo foi apresentado no Brazil At Silicon Valley, evento organizado nos Estados Unidos por estudantes brasileiros em Standford e Berkeley, que acontece ao longo desta semana.
A Califórnia, estado que abriga o Vale do Silício, é o principal destino, a tal ponto que se tornou o local de residência de 12% dos empreendedores brasileiros que trabalham no exterior; e conta com 20% das sedes de empresas fundadas por eles.
É o caso - e a casa -, por exemp-lo, da fintech e decacórnio Brex, fundada por Henrique Dubugras e Pedro Franceschi, cujo valuation supera US$ 12 bilhões. E de Victor Lazarte, fundador da Wildlife Studios em 2011 e atual general partner do fundos de investimentos Benchmark.
Flórida e Nova York aparecem na sequência dos destinos preferidos dos empreendedores brasileiros “expatriados”, com 10% e 6% do total, respectivamente.
Os demais ecossistemas que atraem brasileiros são Europa, com 30%, em particular Portugal e Reino Unido; Oceania, com 4%; México e Canadá, 3%, Singapura, com 2%, e Oriente Médio, 2%.
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Anderson Thees, managing director da Endeavor Brasil, usa o exemplo da própria evolução do ambiente de inovação global ao falar sobre a concentração no ecossistema norte-americano. Dos quase 400 empreendedores do estudo, 7% integram a rede da Endeavor Brasil.
“Historicamente, há uma concentração grande nos Estados Unidos, mas o que estamos vendo é a aceleração do empreendedorismo fora desse mercado”, afirmou.
“Se olharmos os unicórnios, por exemplo, 100% estavam nos Estados Unidos e no Vale do Silício quando o termo surgiu em 2013. O tempo passou e cerca de 25% estão no Vale do Silício, 25% no restante dos Estados Unidos, 25% entre China e Índia e o restante nas demais regiões.”
Ou seja, à medida que os brasileiros evoluem no processo de “going global”, novas geografias podem entrar no radar, assim como novas verticais de negócios. As startups refletem o próprio modelo brasileiro, com alta predominância de fintechs e plataformas SaaS em B2B.
Além disso, existe o desafio de provar o valor dos negócios para atrair montantes mais expressivos.
A maior parte das startups lideradas por brasileiros no exterior está em fases iniciais de captação, em especial em rodadas Seed (28%), anjo e pré-Seed (22%). Investimentos em Séries A e B representaram 12% cada uma e apenas 3% avançaram aos estágios de pré-IPO e IPO.
“Cada vez mais o ecossistema evolui e revisamos as nossas ambições como ambiente empreendedor do Brasil”, afirmou Thees.
Com mais de 20 anos de atuação no mercado, o profissional é um dos co-fundadores da Redpoint Ventures e liderou a área de venture capital do Itaú antes de chegar à Endeavor.
“A qualidade de nossa tecnologia, o talento e a ambição dos empreendedores permitem que as startups já comecem com ambição global, com operações iniciadas ou não no mercado brasileiro. Essa forma de raciocínio é muito importante para o próximo passo no nosso ecossistema”, disse.
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A pesquisa sobre a presença dos brasileiros em outros territórios deve ser o início de um processo que a Endeavor pretende fomentar, com a criação de iniciativas para a troca de conhecimento entre os empreendedores.
No estudo, que contou com a entrevista de 58 dos 397 mapeados, o networking foi apontado como o principal desafio e apareceu em 81% das respostas; cultura (74%), acesso a capital (37%) e a mercado (23%) e reconhecimento - a necessidade de provar valor no novo ecossistema - complementam a lista.
O plano é empregar o que a Endeavor promove no Brasil também para empreendedores localizados em outras geografias, com programas de mentorias, trocas de informações sobre negócios etc.
“Além disso, há coisas mais imediatas como a construção de networking no novo país. Nós iremos apoiar como Endeavor Brasil e como Endeavor Global, com a promoção de eventos para conectar com os sistemas locais e garantir a conexão com o ecossistema brasileiro”, afirmou Thees.
A abordagem com “viés duplo” procura estimular também o chamado “giveback”, que se traduz no engajamento de fundadores com a comunidade empreendedora no Brasil.
De acordo com o levantamento, em torno de 80% atuam como mentores de fundadores no Brasil, enquanto 58% investem na nova geração de empreendedores e 51% visitam o país anualmente para atividades ligadas a negócios.
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