Bloomberg Línea — A maior disponibilidade de alternativas de crédito, como o consignado privado, e a disposição de varejistas de apostar em eletrodomésticos podem evitar uma queda nas vendas de bens duráveis em 2025, mesmo diante das taxas de juros elevadas e das incertezas no cenário internacional.
Essa é a visão de Gustavo Ambar, VP para a América Latina e diretor geral da operação brasileira da Whirlpool, gigante norte-americana de eletrodomésticos dona das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid.
Em entrevista à Bloomberg Línea, o executivo disse que a procura de consumidores por eletrodomésticos mais modernos, e com maior eficiência energética, pode ajudar a manter a demanda aquecida.
“Um eletrodoméstico tem uma vida útil de sete a dez anos. Metade do parque instalado [nas casas das famílias] nas principais categorias está nesse patamar. Além disso, há muitos consumidores sem produtos de outras categorias, como microondas, freezer e lava-louças. As famílias querem renovar o que têm em casa e introduzir inovações”, afirmou.
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O executivo disse que a companhia e a associação do setor, a Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), estão ainda em negociação com o governo federal sobre subsídios e outras alternativas, a fim de evitar uma desaceleração da indústria no segundo semestre.
A preocupação é com o impacto negativo do aperto monetário no consumo e, por consequência, nas vendas de bens duráveis, após um desempenho positivo em 2024.
“Estamos trabalhando com o governo para que destrave alternativas de auxílio ao consumo”, contou o executivo.
Em 2024, as vendas da operação brasileira da Whirlpool subiram 12,6% em relação ao ano anterior, para R$ 12,93 bilhões, segundo balanço divulgado no fim de março. O lucro líquido saltou para R$ 910,8 milhões, um aumento de 259% sobre o resultado do ano anterior.
Gustavo Ambar apontou que os prognósticos da companhia para 2025 estão “turvos”, pois não há ainda consenso sobre a duração do ciclo de alta de juros, além de incertezas com o impacto da política de tarifas de Donald Trump dos Estados Unidos.
“Não há mais a expectativa de uma redução da taxa de juros no curto prazo como há 14 meses. Temos sinais de que a Selic vai bater em 15% ao ano e ficar nesse patamar por mais tempo do que o inicialmente esperado. E descer aos 10% será em ritmo mais lento”, avaliou o executivo.
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Apesar das incertezas, o VP para a América Latina disse que a empresa deve manter seu padrão de investir o equivalente a algo entre 3% e 4% do seu faturamento anual no Brasil; e que aposta na retomada das exportações para a Argentina, onde já captou sinais positivos de aumento de demanda após o início do governo Milei.
“Nossa prioridade é a inovação da fábrica de Joinville, com investimento nas manufaturas, seja para flexibilização de linhas, modernização, automação e digitalização. Exportamos para a Argentina principalmente de Joinville, onde fica nossa planta de refrigeração e freezer”, afirmou Ambar.
Leia a seguir a entrevista com o diretor geral da Whirlpool no Brasil, editada para fins de clareza e compreensão.
Quais foram os desafios enfrentados pela Whirlpool em 2024 e como planeja superá-los em 2025?
Em 2024, a Whirlpool enfrentou o desafio de acelerar o crescimento e ganhar participação de mercado, o que foi alcançado por meio do lançamento de mais de 40 inovações no segundo semestre de 2023 e outros 40 no segundo semestre de 2024, além de campanhas de comunicação eficazes com as marcas Consul e Brastemp.
O contexto macroeconômico em 2024 foi favorável, com taxa de juros em declínio, mercado externo estável e consumidores com eletrodomésticos antigos precisando ser substituídos. Embora o contexto macroeconômico seja mais incerto em 2025, a Whirlpool ainda vê um cenário favorável para o primeiro semestre.
O mercado mudou de direção nos meses finais de 2024, com a alta dos juros. Como investir nesse novo cenário?
Historicamente, a Whirlpool investe entre 3% e 4% do faturamento e, nos últimos dois anos, esse valor foi superior a R$ 400 milhões por ano. Embora não se comprometa com um número específico para 2025, a Whirlpool espera manter o nível de investimento dos últimos dois anos se o mercado seguir estável neste primeiro semestre.
No entanto, se o mercado começar a dar sinais de involução, trabalhamos em soluções internas, como redução de custos, e com o governo para buscar auxílios de crédito e evitar uma queda do mercado.
Qual seria a dimensão de um eventual corte de tributos para o setor e quando entraria em vigor?
Não posso falar de cronograma. Ainda é uma discussão embrionária sobre essa questão fiscal. Por sermos a maior fabricante de eletrodomésticos do Brasil, participamos do diálogo com o governo, em alinhamento com a Eletros [a associação nacional de fabricantes] obviamente.
Acredito que falamos de um número para mover o ponteiro para a casa de 4% ou 5%. Em 2022, quando os custos das matérias-primas subiram até 50%, houve um alívio de 2% a 3% por 18 meses.
A diferença é que vemos oscilações do dólar nos últimos nove meses e há anda questões de comércio exterior com as mudanças de governo nos EUA.
Quais serão as prioridades na alocação dos recursos para investimentos em 2025?
Nos próximos meses, vamos confirmar os lançamentos do ano. Estamos investindo bastante na comunicação sobre a diferenciação de Brastemp em produtos com maior valor agregado. Um exemplo é a experiência do pós-venda. Além disso, hoje fazemos a entrega em menos de 24 horas.
Haverá também comunicação mais forte para a Consul, que completa 75 anos em 2025.
Também estamos trabalhando na planta de refrigeração e freezer em Joinville. Vale também para as demais, que terão investimento nas manufaturas, seja para flexibilização de linha, modernização, automação, digitalização. A prioridade é a inovação na planta de Joinville.

A Whirlpool já identifica sinais positivos do mercado argentino?
Sim. Na Argentina, usamos apenas a marca da corporação, Whirlpool. Temos uma planta em Pilar, cidade a quase 60 km de Buenos Aires, que montamos há dois anos e meio e produz lavadoras para o Brasil e também para a Argentina.
Essa operação tem apresentado crescimento a cada trimestre. É um sinal de que a abertura da economia desde o início do ano passado está alimentando novos negócios. Estão em uma direção positiva.
Mas boa parte do resultado na Argentina é do que exportamos do Brasil, principalmente da fábrica de Joinville. É mais geladeira.
Nos últimos seis meses, já exportamos quase que o dobro do que era antes desse período, embora a base de comparação seja baixa. Os números do quarto trimestre e de agora são significativos, pois são bem maiores do que os do segundo e do terceiro trimestre.
Que métricas a companhia vai utilizar para medir o retorno dos seus investimentos em 2025?
Em geral, o segundo semestre da nossa indústria representa entre 55% e 60% das venda do ano. Vamos ter essa resposta com o tempo. Sabíamos no fim de 2024 que a economia iria desacelerar no primeiro semestre para depois ter uma retomada, que seria um vale curto devido aos estímulos recentes.
Mas o que era um vale curto trouxe indícios de ser um pouco mais longo. Há um desarranjo fiscal interno e medidas dos EUA pós-mudança política. A inflação de fevereiro deu sinais de que a queda nos juros não será algo rápido.
Tem cara de que o segundo semestre vai ser um pouco mais desafiador que o primeiro. Estou projetando hoje que o segundo semestre deve responder por 55% das vendas; e o primeiro semestre, por 45%.
Mas se a subida dos juros conter mais rapidamente a inflação e o governo entender que dá para antecipar o corte dos juros, e o varejo seguir apostando na linha branca, como fez nos últimos dois anos, podemos ter um cenário intermediário.
O prognóstico ainda está muito incerto. Não dá para falar ainda se vamos investir R$ 800 milhões ou R$ 1 bilhão, pois o cenário está muito em aberto
Quanto à política de ESG da companhia, há alguma mudança?
Contemplamos muita eficiência energética, redução do uso de água, redução de insumos. Continuamos na jornada de buscar facilitar a vida do consumidor e estimular a longevidade do planeta.
Estamos investindo mais no programa individual de logística reversa, lançado há dois anos: em 100% do universo das cidades brasileiras, retiramos produtos da Whirlpool e de nossos concorrentes, sem que seja necessário o consumidor comprar um novo produto acima de 30 kg. Oferecemos retirada grátis.
Também reforçamos que já temos 100% de energia limpa e certificada em nosso planta de Joinville, a última em que alcançamos esse marco, na busca do net zero até 2030. É uma das prioridades da indústria e da nossa corporação. Há outras iniciativas.
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