WeWork não avança em renegociação de aluguel e acumula ações de despejo em SP

Gigante de coworking está com atrasos de pagamentos em cerca de 30 imóveis e proprietários e fundos imobiliários avançam em busca de solução; empresa diz desconhecer ações e que segue operando

A WeWork está inadimplente em dezenas de imóveis que ocupa na capital paulista, segundo fontes disseram à Bloomberg Línea
06 de Setembro, 2024 | 06:40 AM

Bloomberg Línea — A onda de inadimplência que afeta a operação da WeWork no Brasil tende a resultar na redução de sua presença na cidade de São Paulo, em meio a ações de despejo promovidas por empresas e fundos de investimento imobiliário (FIIs) que são proprietários dos imóveis.

Até o momento, três ações já foram distribuídas e aguardam apreciação do pedido de liminar, enquanto outras de sete ativos estão em andamento, segundo fontes que falaram à Bloomberg Línea. Acordos de renegociação de contrato com preços e condições mais favoráveis foram apresentados, mas recusados.

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Ao todo, a WeWork estava inadimplente em cerca de 30 imóveis que ocupa na capital, disseram as fontes, que pediram para não serem identificadas ao tratar de assuntos privados.

Procurada pela Bloomberg Línea, a WeWork disse inicialmente desconhecer qualquer ação de despejo e que segue com a operação na “totalidade de seus prédios ocupados”. Declarou também que tem conseguido chegar a acordos com alguns locadores de imóveis, caso de três imóveis (veja mais abaixo).

A empresa é considerada líder em ocupação de escritórios comerciais na cidade de São Paulo, com pouco mais de 100 mil metros quadrados, ou cerca de 2% do estoque corporativo de qualidade na cidade.

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Segundo uma fonte do setor, que acompanha o caso de perto e pediu anonimato, a empresa teria informado em junho que estava sem caixa e que a operação no país, de forma geral, nunca foi lucrativa.

Desde então, tem buscado cortar custos e priorizar algumas operações, a exemplo de estratégia adotada no mercado americano no passado recente. Uma recuperação judicial no país, como a que foi adotada pela empresa nos Estados Unidos via Chapter 11 também poderia ser uma alternativa, disse.

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Apesar de alguns espaços não serem lucrativos para a WeWork, outros são de fato rentáveis ou têm potencial para tal e podem continuar no portfólio da gigante de coworking, disse a pessoa.

Nesse cenário, a empresa tem buscado renegociar os contratos de locação convencionais que possui e que apresentam a característica de custo fixo, passando a adotar as modalidades de revenue share ou profit share, que consistem em um aluguel variável com base no faturamento ou no lucro.

Especialistas do setor destacam que o mercado de coworking segue aquecido e que a crise da WeWork pode servir como oportunidade para outras empresas do setor que, inclusive, estão em fase de sondagem dos imóveis, muitos com localização privilegiada.

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Rio Bravo: Girassol 555

O FII Rio Bravo Renda Corporativa (RCRB11) foi o primeiro a entrar com a ação de despejo após a WeWork não ter pagado os aluguéis referente aos meses de junho, julho e agosto do espaço que ocupa no prédio “Girassol 555″ na Vila Madalena, em São Paulo, do qual o fundo detém 34,81% da propriedade.

Leia mais: Estes são os 10 prédios comerciais mais caros da Faria Lima e do Itaim em 2024

Diante do atraso nos pagamentos, a gestora enviou diversas notificações à locatária e tentou uma negociação com a Alvarez & Marsal, empresa especializada em reestruturações e representante da WeWork, que não resultou em um acordo satisfatório para os cotistas, segundo a Rio Bravo.

“Quando sentamos com a Alvarez & Marsal, a proposta veio aquém do que entendemos ser aceitável para o Girassol, por causa da liquidez do prédio e da localização: a Vila Madalena tem poucos ativos e um grande interesse por parte de empresas de tech”, contou Carolina Mori, gerente comercial de real estate da Rio Bravo Investimentos, à Bloomberg Línea.

“A prova de que o imóvel é líquido e bem localizado é que os proprietários do Girassol, assim como a Rio Bravo, têm sido contatados por outros coworkings interessados.”

Imóvel Girassol 555

Pelo fato de o contrato com a WeWork não ter garantia locatícia, conforme acordado em 2019, o despejo pode ser mais rápido, afirmou Mori, em até 15 dias após a liminar. Isso porque, quando há garantias, como seguro fiança ou título de capitalização, entre outros, é preciso exercê-las primeiro para depois pedir o despejo.

Após apresentar a ação de despejo contra a WeWork, a Rio Bravo está agora em fase final de apresentação de um pedido de caução solicitado pelo juiz para poder executá-la.

“Queremos resolver logo, porque impacta o fundo e a gestão. Mas seguimos otimistas com a qualidade e a liquidez do ativo e, no caso de um despejo, vamos conseguir ocupar o espaço”, disse Mori.

Vinci Partners: Oscar Freire 585

O caso da Rio Bravo não é isolado. Após o não pagamento dos aluguéis com vencimentos em junho, julho e agosto, a Vinci Partners também ajuizou uma ação de despejo contra a WeWork.

A gigante do coworking ocupa 3.594 metros quadrados do imóvel “OF 585″, localizado na Rua Oscar Freire, no bairro do Jardim Paulista, em São Paulo, que faz parte do portfólio do FII Vinci Offices (VINO11).

O aluguel devido representa cerca de 5% das receitas totais do FII e cerca de 4% da área bruta locável total por ele detida, segundo a Vinci.

Em comunicado ao mercado divulgado no dia 29 de agosto, a gestora disse que fez uma reunião com representantes da Alvarez & Marsal para buscar uma solução para a inadimplência.

“Em 7 de agosto, a locatária propôs a devolução do imóvel e a consequente extinção da locação no prazo de 45 dias desde que o fundo aceitasse renunciar ao direito de exigir as penalidades previstas no contrato de locação em decorrência da entrega antecipada do imóvel”, apontou o comunicado.

A gestora recusou a proposta e “optou por exigir junto ao Poder Judiciário o cumprimento das obrigações previstas no contrato de locação”.

HBR Realty e demais inadimplências

A HBR Realty também entrou com uma ação de despejo contra a WeWork de um prédio na região da Faria Lima.

“Diante da ausência da regularização até o encerramento dos prazos estabelecidos, a SPE HBR1 protocolou em 2 de setembro a ação de despejo por falta de pagamento”, disse a empresa em comunicado publicado na última terça-feira (3).

Além dos FIIs da Rio Bravo e da Vinci Partners, a WeWork também está inadimplente nos imóveis que ocupa em outros fundos imobiliários, que até o momento não notificaram o mercado sobre os próximos passos.

É o caso do Santander Renda de Aluguéis (SARE11), por exemplo, com imóvel locado para a empresa na avenida das Nações Unidas, na zona sul da capital paulista.

Efeito cascata

Em razão do fato de a WeWork “locar” espaços para múltiplos clientes, as ações de despejo tendem a surtir um efeito cascata sobre os demais “inquilinos”, afirmou o advogado Georges Louis Martens Filho, do escritório Martens & Dornaus Advogados, especializado em direito imobiliário e que tem clientes com contrato de locação vigente com a WeWork.

Isso porque a empresa atua como prestadora de serviços para seus clientes, oferecendo um pacote com sala ou espaço de escritório, infraestrutura e manutenção. São contratos acessórios ao contrato de locação em si, o que faz com que, caso “caia o contrato de locação principal, todos os outros caem juntos”.

Em outras palavras, se a WeWork for despejada dos imóveis que ocupa, todos os seus clientes terão seus contratos rescindidos e também terão que deixar os prédios.

“O contrato é vinculado a um imóvel, a um endereço e a um andar/sala. O despejo acaba ‘matando’ o objeto do contrato de prestação de serviço”, explicou o advogado.

Há algumas alternativas possíveis para a WeWork e os imóveis que ocupa com aluguel inadimplente.

A WeWork poderia purgar a mora, isto é, fazer o pagamento dos aluguéis atrasados com multas e juros, levando o contrato a voltar a vigorar e isso permitiria à empresa ficar nos imóveis.

Outro cenário no horizonte é o de outra empresa de coworking, por exemplo, assumir operações da WeWork. Isso só é possível, no entanto, em casos que permitem a cessão do contrato, mediante determinadas condições, caso do imóvel da Rio Bravo na Vila Madalena, esclareceu Martens Filho. Essa decisão, porém, deve ser tomada antes de eventual ordem de despejo.

Leia mais: Unidade do Sírio-Libanês em torre da Brookfield aponta tendência de mercado, diz CBRE

Posição da WeWork

Procurada pela Bloomberg Línea, a WeWork enviou uma nota em que disse desconhecer “qualquer notificação de despejo”.

“A empresa segue operando em sua totalidade em todos os prédios no Brasil. Nossas ações temporárias têm o objetivo de acelerar as conversas para chegar a resoluções que sejam do melhor interesse de todo o nosso ecossistema, mutuamente benéficas e que estejam mais bem alinhadas com as condições atuais do mercado”, disse a companhia na nota.

“Nossos membros continuam sendo nossa principal prioridade. As negociações já estão resultando em acordos com locadores e seguimos comprometidos em prestar o serviço que nossos membros esperam.”

Destino dos imóveis

Arthur Vieira de Moraes, um dos mais experientes e respeitados especialistas em fundos imobiliários do mercado, faz um paralelo do caso da WeWork com o da Americanas.

A rede varejista, em recuperação judicial desde janeiro de 2023, fechou lojas em shopping centers em razão de sua crise financeira. Grandes espaços então ocupados passaram pelo processo de “satelização”, isto é, de fragmentação de uma loja âncora em diversas áreas satélites menores. Essa estratégia permite ao proprietário a diversificação de inquilinos e um aumento no preço do aluguel cobrado.

“É de se esperar que, como a WeWork ‘subloca’ a área que ocupa, o aluguel acaba sendo mais baixo que a média do mercado. Em imóvel que é bem localizado, há condições para que, com a saída da empresa, o espaço seja locado a um preço de mercado mais alto”, disse Vieira de Moraes, que é professor de finanças e sócio do Clube FII.

Como mencionado acima, outras empresas de coworking já estão ativamente interessadas nos imóveis que podem ficar desocupados.

Tiago Alves, CEO Brasil do IWG (International Workplace Group), um dos principais concorrentes da WeWork, disse que a empresa tem buscado avançar sobre as operações inadimplentes em São Paulo.

Em junho, o IWG assumiu quatro andares de coworking no edifício Vita Corá, no bairro de Alto de Pinheiros, antes sob responsabilidade da WeWork – e há mais movimentos como esse à vista, disse.

Recuperação judicial nos EUA

A WeWork global entrou com pedido de proteção contra credores no Chapter 11 nos EUA (equilavente à recuperação judicial no Brasil) no fim do ano passado, declarando dívidas de quase US$ 19 bilhões.

No fim de maio deste ano, a WeWork disse que a reestruturação reduziu pela metade suas obrigações futuras de aluguel, ou cerca de US$ 12 bilhões no total.

A empresa reestruturada teria valor entre US$ 665 milhões e US$ 865 milhões fora do Capítulo 11, disse a empresa em documentos judiciais. Isso seria uma fração do valuation máximo da empresa, que chegou a alcançar US$ 47 bilhões em 2019, antes de um planejado IPO que não saiu do papel.

Em entrevista à Bloomberg Línea em novembro passado, a CEO da WeWork na América Latina, Claudia Woods, tinha afirmado que a recuperação judicial nos EUA não comprometia a autonomia e a saúde financeira das operações latino-americanas, que são uma joint venture com o SoftBank. Segundo ela, a flexibilidade contratual da empresa com clientes e locatários era um diferencial crítico das operações no Brasil.

Renegociação de contratos

Na quinta-feira (5), o FII Torre Norte (TRNT11) informou em fato relevante que recebeu o pagamento do aluguel referente à competência de julho de 2024. “Dessa forma, a receita imobiliária do fundo de setembro de 2024 será impactada positivamente em, aproximadamente, R$ 0,18 por cota.”

O mesmo aconteceu com o FII Torre Almirante (ALMI11), que recebeu o pagamento da totalidade dos aluguéis mensais inadimplentes dos meses de maio, junho e julho deste ano. “A adimplência supracitada impactará a distribuição de rendimentos, positivamente, em aproximadamente R$ 7,47 por cota.”

No Edifício Comolatti, na avenida Paulista, em São Paulo, a proprietária havia ajuizado uma ação de despejo contra a WeWork também devido à inadimplência. A rede de coworking decidiu então fazer a purgação da mora em 30 de agosto, quitando as dívidas e mantendo o contrato de locação do ativo.

-- Matéria atualizada às 15h30 de sexta-feira (6/9) para incluir novos fatos relevantes dos FIIs Torre Norte, Torre Almirante e do Edifício Comolatti.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.