Bloomberg Línea — O Grupo Voepass, antes conhecida como Passaredo, pediu recuperação judicial na terça-feira (22) em São Paulo com uma dívida declarada de R$ 209,186 milhões, segundo documento visto pela Bloomberg Línea.
A decisão da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) de suspender por tempo indeterminado todos os voos do grupo agravou a situação financeira da empresa, justificou a companhia na petição da recuperação judicial.
Em fevereiro passado, o grupo chegou a ajuizar um pedido de tutela cautelar antecedentes a fim de negociar os pagamentos em atraso com seus principais credores.
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Não é a primeira vez que a empresa busca proteção judicial diante de dívidas, que totalizam R$ 400 milhões. O valor da causa do novo pedido, entretanto, se limita a R$ 209,186 milhões.
Em comunicado enviado à Bloomberg Línea, a Voepass disse que o pedido de recuperação judicial faz parte de um plano para reorganizar os compromissos financeiros e fortalecer sua estrutura de capital.
“Caso o pedido de recuperação judicial seja deferido pela Justiça, todos os passivos da Voepass serão congelados e negociados com base em um plano detalhado que será elaborado para atender todos os credores. É importante ressaltar que a medida não engloba os processos indenizatórios ligados ao acidente ocorrido em agosto de 2024, realizados diretamente pela seguradora”, disse a companhia aérea.
O novo pedido de recuperação da Voepass será analisado pela 8ª Vara Cível de Ribeirão Preto, e seu desfecho poderá ter impacto sobre a forma como o Judiciário lidará com novos casos de reiteração de pedidos.
Segundo advogados especialistas ouvidos pela reportagem, existe um risco elevado de o pedido de proteção judicial ser rejeitado pelo juiz, pois não haveria condições de retomada dos voos.
A Lei nº 11.101/2005, que regula os processos de recuperação e falência no Brasil, prevê a possibilidade de mais de um pedido de recuperação judicial, mas impõe condições específicas, segundo Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Empresarial.
“A lei estabelece que, para um novo pedido de recuperação judicial ser admitido, é necessário que tenham se passado pelo menos cinco anos desde a concessão da recuperação anterior. Caso contrário, o novo pedido pode ser indeferido, salvo em situações excepcionais devidamente justificadas”, disse Godke, que não trabalha no processo da Voepass.
Ainda assim, o Judiciário pode considerar a existência de fatores extraordinários que justifiquem a reiteração da medida, ressalvou o advogado.
“O Judiciário analisará se há elementos que justifiquem a nova solicitação, como mudanças significativas nas circunstâncias da empresa ou eventos extraordinários que tenham impactado sua capacidade financeira”, disse Godke.
O advogado Daniel Báril, coordenador da área de insolvência e reestruturação da Silveiro Advogados, lembrou que a recuperação judicial é uma ferramenta para preservar empresas e negócios. Mas a Voepass não tem condições atualmente de operar devido à decisão da Anac, o que torna a situação mais desafiadora.
“A empresa está com voos suspensos. Não há um vislumbre de que o negócio vai seguir em frente, pois ela não pode operar. Essa situação poderia ser a causa de decreto de uma falência para liquidar ativos e pagar credores”, avaliou Báril, que também não tem conexão com o processo da Voepass.
Causas da crise do grupo de transporte aéreo
A companhia aérea, baseada em Ribeirão Preto, no estado de São Paulo, citou a suspensão de um contrato de parceria com a Latam (LTM) como uma das principais causas da queda nas receitas e consequente inadimplência com fornecedores e clientes, após um acidente aéreo que deixou 62 mortos em Vinhedo (SP) no ano passado.
Com 70 CNPJs, o grupo atua há mais de 25 anos no transporte aéreo regular e emprega 809 pessoas, divididas entre equipe de gestão e administração, pilotos, tripulantes e equipes de solo, segundo o documento.
“É uma empresa de vital importância para o desenvolvimento de várias regiões do Brasil, especialmente Ribeirão Preto”, citam os advogados dos escritórios Daniel Carnio e Mubarak, na petição.
A Voepass foi fundada em 1995 pelo empresário José Luiz Felício com o nome Passaredo Linhas Aéreas, em Ribeirão Preto.
Com uma frota composta por 11 aeronaves de três modelos (ATR 42-500, ATR 72-500 e ATR 72-600), o grupo informa possuir mais de 16 destinos em suas rotas comerciais.
Segundo a empresa, as aeronaves de pequeno e médio porte permitem que as viagens gerem um custo menor de operação, além de pousos e decolagens em aeroportos menores.
“A Passaredo possui contratos de parcerias com outras companhias aéreas, o que permite o atendimento de um maior número de passageiros e vendas de passagens aéreas. Ocorre que há alguns anos as requerentes enfrentam severa crise, em razão do desequilíbrio econômico-financeiro desencadeado pelas sucessivas crises financeiras do Brasil e da economia mundial, que geraram um cenário de quedas significativas”, frisa a petição.
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Segundo o documento, a crise sanitária causada pela covid-19 agravou a situação financeira das empresas do grupo devido à necessidade isolamento social e, consequentemente, ao fechamento do espaço aéreo, ao cancelamento de quase todos os voos e à queda abrupta de venda de passagens, segundo o documento.
A petição da recuperação judicial também alega que a situação da Voepass se complicou após a queda do avião da empresa no interior paulista no ano passado com 61 pessoas a bordo.
“Em agosto de 2024, uma das aeronaves das requerentes sofreu um grave acidente na cidade de Vinhedo, vitimando dezenas de pessoas. Cumprindo com os termos contratuais, as requerentes demonstraram para a Latam que sempre cumpriram com os protocolos de segurança. A Latam, nos meses seguintes, seguiu com a parceria e continuou utilizando os aviões das requerentes no transporte de seus passageiros”, relatou a defesa.
A parceria do grupo com a Latam sofreu abalos depois do acidente em Vinhedo. Isso se refletiu em queda nas receitas com a redução da frota, afetando o caixa da empresa, segundo o documento.
O juiz José Guilherme Di Rienzo Marrey determinou, nesta quarta-feira (23), nova diligência para a constatação de que o grupo teve suas atividades suspensas pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e a informação de reativação da Passaredo Gestão Aeronáutica, bem como a inclusão de novas filiais no pedido de recuperação judicial.
A Laspro Consultores foi nomeada pelo magistrado para realizar os trabalhos técnicos. O laudo preliminar e relatórios devem ser apresentados no prazo máximo de cinco dias corridos.
Posicionamento da Latam
Em nota, a filial brasileira da Latam informou que o término da parceira comercial com a Voepass foi motivado principalmente pelo acidente ocorrido no voo 2283, operado pela companhia em 9 de agosto de 2024.
“A Voepass não possui Certificado de Operador Aéreo (COA), conforme suspensão determinada pela Anac. Essa suspensão impede a operação de voos de transporte de passageiros, o que reforça as justificativas da rescisão contratual”, disse a Latam em nota.
A companhia aérea, sediada no Chile, também contestou o argumento da petição de que seria responsável pela crise financeira da Voepass.
“A Latam Airlines Brasil repudia veementemente a afirmação lesada da Voepass sobre a responsabilidade atribuída a ela em relação à crise financeira da empresa”, afirmou.
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