Vale, Rio Tinto e BHP: como a fraqueza da China deve impactar o preço do minério

Minério de ferro atingiu o patamar mais baixo de cotação desde 2022, o que levanta preocupações sobre desempenho de mineradoras globais, segundo analistas

iron ore vale
16 de Agosto, 2024 | 04:58 AM

Bloomberg Línea — A Vale (VALE3) e as australianas Rio Tinto (RIO) e BHP (BHP) devem enfrentar pressão nos preços do minério de ferro no curto e no médio prazo, diante do excesso de oferta global e de cortes de produção de aço na China - responsável por metade do consumo da indústria de mineração no mundo. O cenário para as majors do setor é agravado pelas incertezas sobre a política de estímulos à economia chinesa.

Nesta quinta-feira (15), o minério de ferro atingiu o menor preço desde 2022, a US$ 95 a tonelada (62% de ferro contido, referência do mercado global).

No índice 66%, produto considerado premium, a cotação também está em queda, disse a analista de mineração e siderurgia da Tendências Consultoria, Yasmin Riveli. “Nos índices de alta qualidade, os prêmios deixam um pouco a desejar e os preços esboçam a mesma trajetória do [minério] 62%.”

Leia mais: Escalada do frete e falta de contêiner pressionam custos de empresas em LatAm

PUBLICIDADE

Segundo a especialista, apesar do amplo discurso de descarbonização na indústria siderúrgica global, o minério de ferro de qualidade elevada – que confere mais produtividade e, consequentemente, menos emissões – ainda representa uma fatia ínfima do consumo mundial.

Enquanto isso, o excesso de oferta de minério de ferro de qualidade mais baixa segue pressionando as cotações. “Os preços da commodity devem ter uma leve alta na margem e podem chegar a US$ 110, mas não devemos retornar aos patamares de US$ 120 que vimos recentemente”, estimou Riveli.

O minério de ferro 62% encerrou 2023 com um preço médio de US$ 120,6 por tonelada. Para este ano, a Tendências projeta uma cotação média de US$ 116 para o insumo, com viés de baixa, e isso deve ser revisado.

Riveli alertou para o aprofundamento da queda dos investimentos no setor imobiliário chinês, com retração acumulada de 10% até julho. “Isso tem batido negativamente nos preços do minério de ferro”, disse. Segundo ela, o mercado imobiliário na China deve permanecer estagnado até o ano que vem.

Já o setor de infraestrutura no país asiático surpreendeu negativamente, acrescenta. “O desempenho fraco da infraestrutura é algo mais surpreendente na China. Isso também tem influenciado negativamente os preços do minério de ferro.”

Adicionalmente, o movimento global de restrições ao aço chinês tem impactado diretamente as exportações de aço da China, que desaceleraram até julho.

“O quadro é negativo, mas ainda esperamos que novas rodadas de estímulos sejam divulgadas na China, o que deve trazer alguma reação para a atividade”, afirmou Riveli.

PUBLICIDADE

Leia mais: Vale busca sinal verde para projeto de mineração de US$ 1,3 bi em Minas Gerais

Potencial de crescimento

O Santander (SANB11), por outro lado, está mais otimista para os preços da commodity.

Segundo relatório assinado pelos analistas Yuri Pereira e Arthur Biscuola e enviado na terça-feira (13), se a taxa de urbanização da China permanecer em sua trajetória atual, a produção de aço bruto no país poderia aumentar em 300 milhões de toneladas, para 1,3 bilhão de toneladas. Com isso, a demanda por minério de ferro poderia aumentar em 381 milhões de toneladas, destacaram os analistas.

O banco também enxerga aumento da demanda de aço na Índia.

“Como resultado, reiteramos nossa visão positiva para os preços do minério de ferro e reforçamos nossa previsão de US$ 130 por tonelada para 2024 e US$ 100 no longo prazo, o que está em linha com o custo marginal da indústria em nossa visão”, escreveram no relatório.

Em meio às incertezas do mercado, as majors do setor reportaram resultados considerados sólidos no segundo trimestre, apontou Riveli.

No período, a Vale registrou um aumento de 3% da receita líquida na comparação anual, para US$ 10 bilhões. A produção de minério de ferro da companhia atingiu 80,5 milhões de toneladas, alta de 2,4% na mesma base de comparação.

A Rio Tinto também aumentou a produção e registrou um crescimento de 13% do lucro líquido no primeiro semestre. Já a BHP produziu 259,7 milhões de toneladas de minério de ferro nos 12 meses encerrados em junho, um avanço de 1% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Segundo o Santander, os custos marginais da indústria de minério de ferro estão oscilando na casa dos US$ 100, versus US$ 70 antes da pandemia. “A oferta de minério de ferro não conseguiu corresponder à crescente demanda nos últimos anos”, afirmaram os analistas no relatório.

Para Riveli, a grande novidade no cenário global é a perspectiva de início da produção do projeto de Simandou, na República da Guiné, que tem participação da Rio Tinto.

“Vai ser um ramp up lento, mas trata-se de um projeto bem grande, com adição expressiva de minério de ferro de alta qualidade no mercado”, disse.

“Quando concluído, deve adicionar 120 milhões de toneladas à oferta global”, acrescentou. Ela disse esperar que a produção plena do projeto aconteça em meados de 2026 e 2027.

No modelo do Santander, a projeção de preços leva em consideração a contribuição dos volumes de Simandou nos próximos anos, mas, para a instituição, a produção proveniente do projeto não deve ocorrer antes de 2027.

Em relatório do Itaú BBA de julho, o analista Daniel Sasson afirmou que os papéis (ADRs) da Vale seguem descontados em relação a seus pares australianos, com impactos recentes decorrentes de “ruídos” relacionados ao processo de sucessão do CEO Eduardo Bartolomeo, renegociações de passivos da Samarco e renovação de concessões ferroviárias.

No relatório, Sasson apontou que o desconto em relação aos seus pares “parece excessivo”, especialmente porque a mineradora brasileira reportou aumento de produção de minério de ferro superior ao de Rio Tinto e BHP no segundo trimestre.

“No entanto todas as empresas serão afetadas pelos preços sequencialmente mais baixos do minério de ferro no período”, escreveu.

Leia também

Vale, BHP e Rio Tinto ampliam oferta de minério apesar de desafio na China

Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.