UPS tem na Amazon o seu maior cliente. E decidiu reduzir essa parceria em 50%

‘Vamos assumir o controle de nosso próprio destino’, disse a CEO da gigante de entregas, Carol Tomé, à Bloomberg TV ao se referir à decisão de buscar encomendas que sejam mais lucrativas

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Bloomberg — A UPS (United Parcel Service) sofreu sua maior queda no valor da ação em um dia, depois de chocar o mercado ao cortar os negócios com o maior varejista online do mundo.

A medida de reduzir em 50% os negócios com a Amazon permitirá que a empresa de courier, uma das maiores do mundo, se concentre em remessas mais lucrativas. Carol Tomé, CEO da empresa, defendeu a mudança como necessária para o crescimento futuro.

“Estamos assumindo o controle do nosso destino”, disse a executiva em uma entrevista à Bloomberg Television. “Eles são nosso maior cliente, mas não são nosso cliente mais lucrativo.”

A decisão da empresa foi forçada por uma mudança sutil na economia da entrega de pacotes.

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Embora as grandes transportadoras, como a UPS, se especializem em remessas expressas, elas dependem do Serviço Postal dos EUA (USPS) para a entrega de encomendas com preços acessíveis no que é chamado last mile, até a casa do cliente, especialmente em locais rurais distantes. Esse modelo começou a se deteriorar quando o Serviço Postal aumentou as tarifas para a UPS a partir de 1º de janeiro.

Essa mudança tem provocado ondas de choque no setor. Citando os custos mais altos, a UPS permitiu que seu contrato com a USPS expirasse no final do ano passado.

Mas a mudança representa um desafio para a empresa com sede em Atlanta, que agora precisa colocar mais pacotes em seus próprios caminhões com motoristas que recebem salários acertados com sindicatos - diferentemente de rivais sem sindicatos, como a FedEx e a própria Amazon.

Em 2024, uma transportadora comercial como a UPS poderia pagar ao Serviço Postal dos EU US$ 2,79 para fazer a entrega de um pacote de 12 onças (340 gramas), como uma camisa polo de golfe, na última milha.

Mas as taxas revisadas significam que o mesmo pacote custaria agora US$ 5,10 para ser enviado pelo USPS, um aumento de 83%, disse Glenn Gooding, presidente da empresa de consultoria iDrive Logistics.

A Amazon, que também usa o Serviço Postal dos EUA para a entrega de pequenas encomendas na última milha, não é afetada pelo aumento das tarifas, disse ele.

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“Quando se injeta grandes aumentos de preços em um mercado, abre-se a porta para a inovação e novas ofertas”, disse Gooding, acrescentando que a Amazon (AMZN) provavelmente se beneficiará do dilema da UPS.

A CEO do UPS disse que busca reduzir a exposição a encomendas do que chama de “commodities”, incluindo aquelas entregues em nome da Amazon, e se concentrar em negócios mais lucrativos, como remessas de produtos de saúde. Mas não há garantia de que isso compensará o volume perdido.

A UPS tem como alvo um segmento altamente fragmentado, muito competitivo e de baixo crescimento, que representa apenas 25% do setor, de acordo com Ravi Shanker, analista do Morgan Stanley que tem uma recomendação de underweight para as ações da companhia. O mercado verá isso como uma história do tipo “mostre-me”, escreveu ele na quinta-feira (30) em um relatório de pesquisa.

Investidores demonstraram desconforto com a estratégia da CEO da UPS e com a última previsão de receita, que ficou abaixo das expectativas dos analistas e dos resultados do ano passado. As ações despencaram 14% na quinta e fecharam no nível mais baixo desde julho de 2020.

As ações perderam mais da metade de seu valor desde o início de 2022 e estão próximas do patamar em foram negociadas quando Tomé assumiu o cargo de CEO em junho de 2020.

Depois de aproveitar um aumento na demanda por entrega em domicílio no início de seu mandato, a UPS sofreu com a queda das margens e o aumento dos custos.

Três meses atrás, a UPS parecia estar em um ponto de inflexão.

As ações subiram 10% em 24 de outubro, depois de registrar o primeiro crescimento ano a ano no lucro ajustado por ação, após seis trimestres de queda. Mas havia um sinal preocupante: remessas de baixa margem de lucro estavam ganhando espaço, utilizando a opção SurePost da empresa, que é econômica.

Enquanto a UPS pudesse enviar alguns desses pacotes para o Serviço Postal, seus lucros estariam protegidos. Quando isso deixou de ser possível, as perspectivas se tornaram muito mais opacas.

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Relação de altos e baixos

Tomé disse a analistas ansiosos, em uma teleconferência, que a UPS (UPS) em breve apresentará uma visão geral de suas perspectivas para 2026. “Vamos pensar em um momento para fazer isso neste ano. Talvez no final do primeiro trimestre”, disse ela.

No ano passado, a Amazon representou 11,8% da receita total da UPS, de US$ 91,1 bilhões. O acordo revisado para reduzir pela metade os volumes de remessa, que entrará em vigor em junho de 2026, ocorre no momento em que o contrato das duas empresas estava prestes a ser renovado. Ele marca a mais recente mudança em um relacionamento corporativo de quase 30 anos e, às vezes, contencioso.

Nos últimos anos, a Amazon desenvolveu sua própria frota de aeronaves e caminhões de entrega. Mas, à medida que seus negócios cresceram, ela também precisou manter o fluxo de remessas por meio de outras transportadoras, como a UPS.

Isso atingiu um ponto alto durante a pandemia, quando a demanda por entregas em domicílio fez com que o tráfego de encomendas atingisse o nível mais alto de todos os tempos.

Porém, nos últimos anos, a demanda por remessas diminuiu à medida que os consumidores voltaram às lojas físicas e procuraram gastar mais em serviços do que em mercadorias.

A FedEx, que utiliza equipes de trabalhadores não sindicalizados, começou a se separar da Amazon há seis anos, considerando-a mais uma concorrente do que uma cliente.

As tensões entre a Amazon e a UPS têm sido menos evidentes, mas já eram tensas há mais de uma década.

A Amazon desejava capacidade adicional para atender à crescente demanda do comércio eletrônico, enquanto a UPS relutava em fazer grandes investimentos em capacidade que só era necessária no movimentado trimestre da temporada de férias, o último do ano.

O ponto de inflexão ocorreu em 2013, quando as restrições de capacidade e o mau tempo fizeram com que muitos consumidores da Amazon não recebessem os presentes a tempo para o Natal.

A solução de curto prazo da Amazon foi distribuir gift cards para fazer as pazes com os consumidores irritados. A longo prazo, a empresa começou a construir seu próprio sistema de entrega de last mile para reduzir sua dependência de parceiros de longa data, como a UPS.

A Amazon usou sua própria rede para entregar mais de dois terços dos pedidos de clientes nos EUA em 2023, com motoristas não sindicalizados com salários mais baixos, de acordo com os últimos números divulgados pela empresa. A interrupção da UPS provavelmente aumentará ainda mais esse número.

- Com a colaboração de Romaine Bostick e Alix Steel.

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