‘Sucessores’: do Pão de Açúcar a novos negócios, as lições de Ana Maria Diniz

No novo episódio do podcast Sucessores, da Bloomberg Línea, a executiva e empresária, filha mais velha de Abilio Diniz, fala sobre os desafios da sucessão e o futuro dos negócios da família

Ana Maria Diniz
25 de Junho, 2024 | 05:15 AM

Bloomberg Línea — Ana Maria Diniz, filha mais velha do empresário Abilio Diniz, que morreu no início deste ano, conta que seu pai a colocou desde cedo com os irmãos para aprender sobre os negócios e debater a sucessão na família. Depois de 17 anos em que trabalhou no Grupo Pão de Açúcar (GPA), hoje ela atua como conselheira na Península, o family office da família, e na sua startup, a Polvo Lab.

Em entrevista ao podcast Sucessores, da Bloomberg Línea, Ana Maria Diniz compartilhou detalhes sobre a transição da gestão familiar para a profissional, os principais desafios enfrentados e a importância de uma preparação estruturada.

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Segundo a executiva, Abilio se esforçou para deixar os processos de sucessão claros a fim de não repetir episódios passados. “A sucessão do meu avô para ele foi muito conturbada, com muitas brigas, inclusive entre ele e os irmãos. Isso meu pai não queria viver de jeito nenhum, nunca mais.”

“Aprendi muito sobre disciplina, determinação e o valor do trabalho com meu pai”, disse. De acordo com a executiva, Abílio ensinou que a flexibilidade é uma conquista e que erros são oportunidades de aprendizado, não motivos de frustração.

A decisão de profissionalização

Segundo Ana Maria, a decisão de não haver uma sucessão familiar na liderança do Grupo Pão de Açúcar foi tomada após muitos anos de discussões e reflexões dentro da família. Em 2002, a família Diniz resolveu que a empresa seria 100% profissionalizada. A decisão acabou executada em 2003.

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Ana Maria, que trabalhou 17 anos ao lado do pai, lembrou que, apesar de ser vista como uma candidata natural à sucessão, a escolha por profissionalizar a empresa prevaleceu. Ela e outros membros da família passaram a integrar o conselho da empresa.

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“Nós fizemos um aprofundamento antes. Trabalhamos muito com professores renomados e fiz um curso em Harvard que ajudou a entender a dinâmica das famílias empresárias.”

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A decisão de profissionalizar a gestão foi influenciada por experiências traumáticas na geração anterior. “Meu pai viveu um trauma de sucessão na geração dele, que foi muito conturbada”, disse. Esse histórico contribuiu para a determinação de não repetir os mesmos erros e evitar conflitos internos.

Com a venda de parte das ações do Grupo Pão de Açúcar e a separação dos ativos imobiliários, a família Diniz criou a Península Participações, uma empresa gestora de investimentos que se consolidou como uma das principais e mais tradicionais do país.

“Nós mesmos dirigimos o nosso melhor. Tínhamos gestores profissionais e hoje temos um conselho superprofissional com sete membros, dos quais quatro são da família e três são independentes”, disse.

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De startup a consultoria. E as novas gerações

A transição da gestão familiar para a profissional também teve um impacto nas novas gerações da família Diniz. “Minha filha mais velha é a líder do conselho de família e está muito envolvida na gestão familiar. As outras filhas também contribuem em áreas como o Instituto Península, nosso braço social, e na governança corporativa”, disse.

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“Temos mulheres bem fortes na família, que atuam na governança e contribuem muito com suas ideias. Vejo um futuro promissor para as próximas gerações, com mulheres desempenhando papéis importantes na liderança”, disse.

Ana Maria também fundou sua própria consultoria, a Axialent. E está à frente da Polvo Lab, uma startup de economia criativa no setor de alimentos, que faz parcerias com redes de supermercado.

“Queria aproximar essa população que está fora do jogo das cadeias produtivas para aumentar sua renda e desenvolver o país”, explicou.

A startup, fundada pouco antes da pandemia, trabalha em parceria com organizações como Sebrae e Embrapa para profissionalizar a produção de produtos brasileiros de alta qualidade.

Um exemplo de sucesso é a produção de mel no Piauí. A Polvo Lab identificou uma cooperativa que produzia mel orgânico de alta qualidade, mas que vendia a granel e abaixo do custo. “Criamos a marca ‘Mel Mesmo’ e desenvolvemos uma embalagem atraente para destacar o produto nas gôndolas dos supermercados”, contou. A iniciativa aumentou a renda dos apicultores em 25% a 30%, de acordo com a executiva.

A Polvo Lab expandiu sua linha de produtos, como milho, chocolate e outros produtos agrícolas. A startup promove viagens ao território de produção para conectar consumidores e produtores, oferecendo uma experiência imersiva. “No fim, queremos garantir renda recorrente para os produtores e fazemos isso com a escolha de produtos que tenham demanda contínua”, disse.

Além de seu envolvimento no Instituto Península e na organização Todos Pela Educação, Ana Maria atua na ONG Parceiros da Educação.

Fundada em 2004, essa ONG busca melhorar a qualidade das escolas públicas estaduais de São Paulo por meio de parcerias com empresários. “Apesar das limitações, como não poder mudar diretores ou currículos, aprendemos a influenciar políticas públicas com boas práticas”, disse.

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A trajetória de Abilio e do GPA

Os negócios da família Diniz no Brasil começaram com o imigrante português Valentim dos Santos Diniz, que fundou em 1948, na cidade de São Paulo, uma pequena loja de doces que vendia pães e outros produtos básicos, que se chamava Pão de Açúcar, inspirada no Rio de Janeiro.

Ele vendia serviços de buffet, como doces e salgados para festas de casamento e batizados.

Com o passar do tempo, a loja na avenida Brigadeiro Luiz Antônio cresceu. Os Diniz foram pioneiros em introduzir conceitos como o autosserviço no varejo brasileiro, em que o próprio cliente colocava os produtos na cesta de mercado, em vez de pedi-los no balcão.

A segunda geração da família, liderada por Abilio Diniz, filho de Valentim, foi responsável por impulsionar ainda mais o crescimento do Pão de Açúcar - que passou a se chamar Companhia Brasileira de Distribuição para englobar todos os negócios do grupo.

Na virada dos anos 1980 para os 1990, com o Pão de Açúcar já como uma grande empresa, questões sucessórias levaram a atritos entre Abilio e seus irmãos. O primeiro recebeu 16% da empresa, enquanto Alcides e Arnaldo Diniz, 8% cada um. As filhas Vera, Sonia e Lucilia ganharam 2% cada uma.

Como principal acionista e à frente da gestão, Abilio adquiriu outras redes de supermercados e diversificou os investimentos para incluir também o setor de distribuição e a indústria alimentícia.

Em 2012, outra disputa, desta vez entre ele e o grupo francês Casino, então já um importante acionista, resultou em mudanças na estrutura societária da empresa, com a saída subsequente da família Diniz do controle das operações do Grupo Pão de Açúcar.

Abilio construiu nos anos seguintes participações relevantes no Carrefour e na BRF, além de outras iniciativas que o mantiveram como um dos empresários mais relevantes da economia brasileira.

Morto em fevereiro passado aos 87 anos, Abilio deixou cinco filhos, dezoito netos e seis bisnetos. Tinha na ocasião um patrimônio de US$ 1,2 bilhão, segundo o índice de bilionários da Bloomberg, e, mais importante, uma trajetória profissional que deixou lições e inspirou milhares de empreendedores.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups