Starbucks: rescisão de uso da marca pela matriz motivou pedido de recuperação

SouthRock Capital, que opera a rede americana de cafés no Brasil, atrasou pagamentos de royalties; Starbucks International diz à Bloomberg Línea que vai seguir no país

SouthRock declarou dívida de R$ 1,8 bilhão no seu pedido de recuperação judicial
01 de Novembro, 2023 | 05:53 PM

Bloomberg Línea — A Starbucks Coffee International (SBUX) enfrenta dificuldades com a operadora de sua master franquia no Brasil, que acumula uma dívida de R$ 1,805 bilhão e sofre queda sucessiva nas vendas anuais (70% em 2021 e 30% em 2022), além de aumento da concorrência no segmento no país.

Nesta terça (31), a SouthRock Capital, que representa a Starbucks no Brasil, pediu recuperação judicial (RJ) na Justiça de São Paulo, depois que, no mês passado, a matriz americana a notificou sobre a rescisão dos acordos de licenciamento por falta de pagamento das obrigações presentes nos contratos.

Nesta quarta-feira (1º) no fim da tarde, o juiz Leonardo Fernandes dos Santos negou o pedido de urgência da SouthRock e determinou perícia nas contas da empresa. O magistrado indicou a Laspros Consultores para elaborar um relatório sobre a situação financeira da SouthRock no prazo máximo de sete dias.

A assessoria da companhia não respondeu imediatamente ao pedido de comentários da Bloomberg Línea.

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Desde 2018, a SouthRock é a master licenciada das marcas Starbucks e TGI Fridays no Brasil. Em 2022, a companhia também passou a operar o centro gastronômico Eataly na cidade de São Paulo, além das marcas locais Brazil Airport Restaurantes e a Brazil Highway, em rodovias do estado paulista.

No último dia 13 de outubro, a Starbucks Coffee International notificou a SouthRock sobre a imediata rescisão dos contratos, informou a petição da RJ na comarca de São Paulo vista por Bloomberg Línea.

“O excesso de endividamento, a baixa lucratividade decorrente do fechamento de restaurantes por diversos meses em função da Covid-19 e a impossibilidade de obtenção de novas linhas de crédito comprometeram a capacidade de as requerentes honrarem seus compromissos financeiros”, cita o documento.

No pedido de proteção judicial contra os credores, a defesa da SouthRock argumentou que os contratos de licença são “absolutamente essenciais à manutenção das atividades e à viabilização da reestruturação de seu passivo, motivo pelo qual resta evidente a necessidade de concessão de medida liminar em caráter de urgência a fim de que sejam suspensos os efeitos da referida rescisão ao menor até o término do procedimento de mediação”.

A master franqueada revelou que, antes da notificação sobre o término dos contratos, vinha negociando com a Starbucks Coffee International “a repactuação das obrigações decorrentes dos acordos de licença, inclusive celebrado aditamentos aos referidos contratos a fim e que as condições de pagamento refletissem sua atual capacidade financeira”.

Razões para a crise

A crise da master franqueada da Starbucks ocorre em um ambiente desafiador para empresas de alimentação fora do lar, do setor conhecido como food service, que vem desde o início da pandemia em 2020. Foi um período em que estabelecimentos ficaram fechados e, depois, só puderam funcionar em horários limitados em respeito às ordens de autoridades públicas.

“O cenário é de pressão no faturamento, na rentabilidade, com muitas empresas reduzindo dramaticamente seus lucros ou apresentando prejuízo. Elas acionam seus protocolos de emergência, como revisão do parque de lojas, fechamento de operações não rentáveis, medidas de desalavancagem e busca de maior geração de caixa. É o contexto para a Starbucks”, disse Eduardo Yamashita, diretor de operações da Gouvêa Ecosystem, consultoria especializada em consumo e varejo, à Bloomberg Línea.

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O segmento de cafeterias, por outro lado, é considerado uma exceção. O especialista apontou o potencial de crescimento nesse segmento, seja com lojas próprias ou pelo modelo de franquias, dado que o Brasil é o maior produtor mundial da commodity e um dos maiores mercados consumidores, atraindo o interesse de players estrangeiros, que compram fazendas, beneficiam e exportam esses grãos.

Atualmente, o Brasil possui 187 lojas da Starbucks, segundo a petição.

A concorrência ficou mais acirrada com o avanço de foodtechs locais como a paranaense The Coffee, que começou a expandir suas operações para a Europa em 2021, com abertura de unidades em Paris, na França, e em Barcelona e Madri, na Espanha. Além disso, as padarias artesanais se multiplicaram pelas principais capitais do país, concorrendo diretamente com a Starbucks.

“As padarias absorvem esse consumo, mas, na nossa visão, há um amplo espaço para o desenvolvimento de grandes redes, que podem se estruturar no segmento de café”, analisou Yamashita.

A Starbucks Coffee International informou à Bloomberg Línea estar ciente da decisão da SouthRock de reestruturar suas operações comerciais. “Como prática permanente, não divulgamos o conteúdo de nossas discussões internas com nossos operadores licenciados, queremos reforçar nosso compromisso com o mercado brasileiro e esperamos continuar atendendo nossos clientes no Brasil”, respondeu a companhia norte-americana em e-mail enviada à Bloomberg Línea, sem fornecer detalhes.

A estratégia da defesa

A SouthRock é representada pelo escritório de advocacia TWK (Thomaz Bastos Waisberg Kurzweil).

A decisão de pedir recuperação judicial tenta reverter a rescisão dos contratos pela matriz norte-americana, uma vez que a exploração da marca no Brasil representa relevante percentual de sua receita, avaliou Leonardo Ribeiro Dias, do escritório Marcos Martins Advogados, sem conexão com o caso.

O faturamento bruto obtido mensalmente pela operação Starbucks no Brasil supera o montante de R$ 50 milhões, segundo a petição.

“O que mais chama a atenção no documento é a existência de notificação para a rescisão da licença de uso da marca Starbucks e a tentativa, via mediação incidental ao pedido de RJ, de suspender os efeitos dessa rescisão e permitir que a SouthRock siga explorando a marca localmente”, observou Dias.

O advogado disse que o pedido de RJ, mesmo que aprovado pela Justiça, não implica a proibição de eventuais licenças de uso da marca.

“É necessário entender se há disposições contratuais nos contratos de licença de uso das marcas que afetam esse direito. Na petição inicial, há notícia de que a Starbucks Coffee International havia notificado a SouthRock sobre a rescisão dos contratos de licença de uso de marca por ausência de pagamentos de obrigações contratuais (royalties).”

“Por essa razão, a SouthRock pede a instauração de procedimento de mediação incidental, a fim de negociar a manutenção do direito de explorar a marca Starbucks no Brasil”, afirmou o advogado.

As dificuldades conjunturais do mercado de food service citadas na petição não costumam ter peso na decisão judicial de aprovar ou não a RJ, segundo o especialista.

“Compete aos credores, reunidos em assembleia, decidir se as premissas lançadas no pedido de RJ - incluindo as causas da crise -, conjugadas com as soluções a serem propostas no plano de recuperação que será apresentado, permitirão a recuperação da empresa. Logo, esse argumento é indiferente para o juiz deferir o processamento da RJ”, explicou Dias.

Um efeito do pedido de RJ foi a pausa no plano de expansão da Starbucks no Brasil. Na região Nordeste, por exemplo, estava prevista a abertura de unidades em shoppings centers em capitais. Em Fortaleza, capital do Ceará, shoppings centers já foram avisados da desistência dos projetos pelos franqueados, informou o jornal local Diário do Nordeste.

- Matéria atualizada às 19h30 com a decisão da Justiça sobre o pedido de urgência para avaliar a solicitação de recuperação judicial.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.