Shark Tank, despejos e dívida de R$ 350 mi: a recuperação judicial da Polishop

João Appolinário, CEO e fundador da rede de varejo, busca manter que outras empresas que atuam em ramos que vão de bem-estar a garantia estendida, não sejam afetadas na ação

João Appolinário, da Polishop, conversa com Carol Paiffer, da Atom, em episódio da última temporada de Shark Tank Brasil (Foto: Divulgação/Sony)
20 de Maio, 2024 | 08:39 PM

Bloomberg Línea — O empresário paulista João Boschilia Appolinário, de 64 anos, enfrenta um momento desafiador de sua longa trajetória de negócios. Nesta segunda-feira (20), a Polishop, empresa que ele fundou em 1999 com a venda de dieta de emagrecimento na TV, entrou em recuperação judicial com uma dívida declarada de R$ 352,190 milhões e um prejuízo superior a R$ 155 milhões em 2023.

As dificuldades de proporções inéditas não vão impedi-lo, no entanto, de desempenhar um de seus papéis de maior destaque: atuar como um dos jurados da mais nova temporada do reality show “Shark Tank Brasil: Negociando com Tubarões”, que o Sony Channel exibe desde 2016, com Band e Rede TV!.

Appolinário não quis comentar a crise de liquidez da Polishop, da qual é acionista majoritário, ao ser procurado pela Bloomberg Línea.

Ele vai gravar em junho a próxima temporada do reality show e só deve falar sobre a recuperação judicial (RJ) mais adiante, disse à Bloomberg Línea uma pessoa familiarizada com o assunto, que pediu anonimato, pois a questão é privada. O empresário tem dito a auxiliares que a RJ não afeta suas outras iniciativas, o que incluiria, portanto, a sua participação na televisão.

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Enquanto tem pela frente o desafio de liderar o processo de reestruturação da Polishop, Appolinário conduz o projeto de abertura de franquias da rede varejista no estado de São Paulo, em que cobra uma taxa no valor cheio de R$ 90.000 por unidade.

Esse movimento ocorre enquanto a empresa sofre ordens de despejos, fecha dezenas de lojas e tenta suspender as execuções de dívida pelos credores.

“Suspendo execuções, arrestos, penhoras e demais constrições contra as recuperandas, por credores sujeito à recuperação, pelo prazo de 180 dias”, apontou a decisão do juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judicial do Foro Central da Comarca da capital, após recebimento do pedido de recuperação judicial no último dia 14.

A redução do parque de lojas acelerou neste segundo trimestre, após ordens de despejos das principais administradoras de shopping do país, como Multiplan, Iguatemi, Ancar e Allos. Em março, a Polishop ainda informava ter 122 pontos de venda próprios. A empresa disse ter chegado em certo momento a 280 lojas físicas próprias, com receita anual superior a R$ 1,2 bilhão.

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“Atualmente, a Polishop possui 49 lojas físicas abertas em shoppings centers e conta com quase 500 colaboradores, além da atuação no e-commerce e no canal de televendas”, disse a defesa da Polishop, representada pelo escritório NDN Advogados, no pedido de tutela de urgência e RJ.

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Na petição, seus advogados citaram a pandemia da Covid como contexto para justificar o encolhimento do parque de lojas, um padrão observado nas recentes recuperações judiciais de varejistas no país.

No pedido original na sexta passada (17), a Polishop citava uma dívida de R$ 395 milhões, valor que foi agora retificado.

“Um dos principais setores que sofreram com os efeitos da Covid-19 foi o mercado de varejo (principalmente em shoppings). Isto porque, diante das medidas de lockdown, as lojas físicas foram inesperada e indefinidamente fechadas, ensejando na deletéria situação de fechamento de quase 300 lojas físicas em shoppings centers e com a restrição da sua operação no e-commerce”, alegou a defesa da Polishop.

Na prática, a pandemia implicou no fechamento de mais da metade das lojas físicas da Polimport desde o ano de 2020, quando a empresa possuía 2.532 funcionários, passando para cerca de 500, segundo o documento enviado à Justiça.

Loja da Polishop

Neste ano de 2024, mesmo com a crise da dívida, a Polishop disse que já lançou mais de dez produtos novos de eletrodomésticos, como uma airfryer com inteligência artificial. Desde a data do pedido da tutela (3 de abril), foram fechadas mais de 10 lojas, e cerca de 100 funcionários foram desligados. A empresa também abriu três lojas no país: Morumbi Town, Américas e West Plaza.

Início da fama na TV

Appolinário começou a ganhar notoriedade junto ao grande público no fim dos anos 1990, quando os canais de televenda ganharam espaço na TV brasileira. Em 1999, ele escolheu como primeira aposta o 7 Day Diet, um programa de dieta alimentar para emagrecimento, estreou no e-commerce no ano seguinte e, em 2003, abria sua primeira loja física no Shopping Central Plaza, na zona sul da capital paulista.

“Em razão do sucesso da loja física, a Polimport criou o seu próprio canal de TV no mesmo ano, de modo que alavancou a abertura de lojas físicas, chegando à marca de 45 lojas físicas em 2 anos. Nos anos 2000, trazendo estratégia inovadora e revolucionária para o mercado de varejo à época, a Polimport iniciou o seu e-commerce”, relembrou a empresa na petição sobre a trajetória da Polimport - Comércio e Exportação Ltda, razão social da Polishop.

Nessa época, a intenção do empresário era criar “uma empresa que oferecesse uma variedade de produtos de qualidade a preços competitivos, com um atendimento diferenciado e uma estratégia de marketing agressiva”.

O nome Polishop não só trazia “embutido” o nome do seu fundador “aPOLInario” como também o conceito de uma loja “polivalente” em que o consumidor pode comprar diversas categorias de produtos com grande benefício, apontou a companhia na petição.

George Foreman Grill

Além da Polishop, Appolinário possui outras empresas de vendas de bebidas e bem-estar, de garantia estendida dos produtos, de franquias e de comercialização de aparelhos de ginástica. A defesa do empresário pediu ao juiz que esses ativos não entrem no processo de RJ.

“Em razão da ausência de passivo destas empresas, mostra-se desnecessária a inclusão destas no polo ativo do presente pedido de recuperação judicial, estando, contudo, sujeitas a eventual fiscalização do administrador judicial”, apontou a petição.

O “império” da televenda, que chegou a divulgar vendas diretas com 150 mil empreendedores, cinco canais próprios de TV e marcas em outros segmentos como Be Emotion (beleza), Viva Smart Nutricion (nutrição), Genis Fitness (educação física) e Decor Colors (tintas), rendeu a Appolinário comparações na mídia local com Donald Trump, embora no país o apresentador da versão de “O Aprendiz” tenha sido Roberto Justus. A Polishop também assumiu, em 2016, a produção executiva do concurso Miss Brasil.

Um dos produtos clássicos do canal de televendas foi a George Foreman Grill, além de outros produtos de eletrodomésticos, eletroportáteis, beleza, fitness e limpeza.

“A estratégia comercial foi fundamental para o sucesso da Polimport, que conseguiu conquistar uma base fiel de clientes - cita-se, por exemplo, o Grill George Foreman e o Air Climber”, recordou a petição.

Segredo de justiça

Manter sob sigilo os bens particulares de Appolinário foi uma das demandas expressas na petição. Os advogados Tiago Aranha Dália, Roberto Gomes Notari e Marco Antonio P. Tacco pediram ao juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho que as relações dos bens particulares e de seus funcionários estejam sob segredo de justiça nos autos do processo, citando direitos à proteção de privacidade.

“O pedido de colocar a lista de bens dos sócios em segredo de justiça já vem sendo aceito em outras recuperações judiciais por causa da preservação de dados que, a princípio, não teriam uma relação direta com o pedido de recuperação judicial, por serem bens pessoais dos sócios”, disse Leonardo Ribeiro Dias, head de contencioso, arbitragem e insolvência do escritório Marcos Martins Advogados.

O especialista esclareceu que esse pedido de sigilo não é absoluto e que a jurisprudência tem mantido o sigilo em relação a essas informações.

“Ele pode ser derrubado se algum credor ou interessado solicitar ao juiz e fundamentar o seu pedido de acesso a esses bens. Por exemplo, se demonstrar que houve desvio ou ocultação de bens que são da empresa, e não bens particulares dos sócios, ou para demonstrar que teria havido no período imediatamente anterior à RJ”, afirmou Dias, que não trabalha no caso.

A Polishop admitiu o fracasso nas negociações com seus credores durante o período de suspensão (stay period), intervalo de tempo durante o qual todas as ações e as execuções contra a empresa devedora são temporariamente suspensas. Antes de pedir a RJ, a companhia conseguiu a antecipação dos efeitos desse período com uma “tutela cautelar em caráter antecedente”.

“A requerente buscou negociar com os seus credores, contudo, não prosperou, tanto que alguns passaram a promover amortizações, retenções e ordens de despejo e evidente descumprimento da ordem judicial”, apontou a defesa na petição de RJ.

Agora, com o diferimento do pedido, a Polishop terá que apresentar um plano de reestruturação no prazo de 60 dias e tentar aprová-lo com seus maiores credores, que incluem grandes instituições como Banco do Brasil, Bradesco, Safra, Itaú Unibanco e BV (Votorantim), além de menores como Pine, Original e Banco da Amazônia.

Só o crédito do BB soma cerca de R$ 24,5 milhões, enquanto o Bradesco tem R$ 11,3 milhões para receber, Itaú, outros R$ 7 milhões, e Safra, mais R$ 5,1 milhões, segundo a lista de credores.

A administradora judicial da RJ da Polishop será a Cabezón Administração Judicial.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.