Setor de planos de saúde terá anos de ventos contrários pela frente, diz Santander

Analistas apontam em relatório que empresas como Hapvida, Odontoprev e Qualicorp, entre outras, não terão suporte de emprego e renda da população no nível consolidado da indústria

Inside Clinic Hospital ICU
Por Beatriz Quesada
17 de Janeiro, 2025 | 11:13 AM

Bloomberg Línea — O mercado de saúde privada no Brasil deve enfrentar ventos contrários nos próximos anos. O cenário combina desafios no cenário macroeconômico e de regulação a um declínio do poder de compra do brasileiro, que cada vez menos consegue arcar com os custos dos planos de saúde.

A análise é da equipe de equity research do Santander Brasil, que estima uma estagnação na penetração da saúde privada em planos de saúde nos próximos anos. A queda no número de beneficiários deve ser de aproximadamente 360 mil entre 2025 e 2026 segundo relatório antecipado à Bloomberg Línea.

PUBLICIDADE

A taxa de penetração estima o número de beneficiários de planos de saúde em relação à população brasileira. O pico da taxa foi de 25% em 2014 e, uma década depois, caiu para 24,3% nas estimativas para 2024. Neste ano a taxa deve recuar para 24,1% - e depois para 24% em 2026.

“Não é uma queda de grande impacto agora. Porém, olhando para frente, não vemos gatilhos de aumento da penetração dos planos de saúde”, avaliou Caio Moscardini, analista do Santander que assina o relatório junto com Karoline Correia. Eles avaliaram também os efeitos de um ciclo semelhante adverso de 2014 a 2016.

Nas estimativas dos analistas do Santander, o patamar de pico de penetração alcançado em 2014 só deve ser retomado em cinco anos, a partir de 2031. Ainda assim, não existem oportunidades no radar que possam levar o setor para níveis mais elevados além dos já conhecidos 25%.

PUBLICIDADE

Leia mais: Sem bala de prata, foco é o longo prazo, diz CEO da Dasa. Mas resultados já aparecem

“Provavelmente, continuaremos estagnados. Em condições mais favoráveis, a taxa de penetração da saúde privada poderia ser muito maior”, afirmou Moscardini. O Santander não estimou qual seria um patamar ideal, mas o analista apontou que, nos Estados Unidos, o indicador fica próximo dos 60%.

Por outro lado, os EUA não possuem um sistema universal de saúde, como é o SUS no Brasil, o que ajuda a explicar os patamares mais elevados. Moscardini afirmou, no entanto, que o atendimento gratuito no Brasil não é um empecilho para o avanço da saúde privada no país.

PUBLICIDADE

“O Brasil tem a particularidade do SUS, que é um sistema que funciona, mas nem sempre na celeridade necessária. Portanto, o brasileiro que tem capacidade e poder de compra vai adquirir o produto.”

Hapvida larga na frente

O relatório faz uma estimativa de performance das principais empresas do setor em períodos de cenário macroeconômico desafiador. A expectativa é a de que as companhias verticalizadas, que oferecem todas as etapas do atendimento dentro de casa, sejam as mais beneficiadas. A integração facilita o controle de custos e permite que essas empresas ofereçam planos com preços mais atrativos.

A ação preferida de analistas do Santander no setor é a Hapvida (HAPV3), com preço-alvo de R$ 4,00, o que pressupõe um potencial de valorização (upside) de quase 70% ante o valor atual.

PUBLICIDADE

Leia mais: Remédio da Eli Lilly para obesidade é o primeiro aprovado para apneia do sono

“A Hapvida tem uma vantagem competitiva por ser mais barata e ter melhor gestão de custo. Estimamos que ela tenha possibilidade de ganhar mercado, apesar da tendência geral de queda”, disse o analista.

Ainda assim, o risco macroeconômico pesa na estimativa. O Santander revisou o preço-alvo da Hapvida para baixo, saindo de R$ 5,50 para R$ 4 em novembro do ano passado.

A Odontoprev (ODPV3), por sua vez, teve o preço-alvo rebaixado de R$ 12 para R$ 11,50, mantendo recomendação neutra. A Qualicorp (QUAL3) também mantéve recomendação neutra, com preço-alvo que caiu de R$ 3,50 para R$ 1,80.

O que pesa contra a saúde privada

O mercado de saúde privada é altamente associado ao ciclo econômico e ao nível de emprego. Economistas do Santander projetam que a taxa de desemprego no Brasil vai subir de 6,3% em 2024 para 6,8% neste ano e 7% em 2026, no que deve ser o maior vento contrário para a recuperação do setor.

Além do emprego, existe um desafio de renda com a queda no poder de compra da população. Isso porque os planos de saúde costumam acompanhar a inflação da área médica, também conhecida como Variação de Custo Médico-Hospitalar (VCMH), que mede a variação de custos dos serviços e produtos de saúde.

Leia mais: Fleury: vamos fechar ano histórico em novo patamar de receita e margem, diz CEO

Nos últimos anos, o indicador tem avançado quase que o dobro do IPCA, índice oficial de inflação ao consumidor do Brasil. A expectativa do Santander é que o IPCA suba 5,5% em 2025, contra 9% da inflação médica.

Outro fator de pressão é o aumento dos preços dos planos acima do custo por membro para as operadoras de saúde. A dinâmica faz parte de um movimento de recuperação da rentabilidade no pós-pandemia, que deve se estabilizar ainda neste ano.

Resta ainda um desafio de acessibilidade.

Os analistas estabeleceram um índice de acessibilidade que divide o preço médio do plano de saúde pelo salário mínimo no Brasil – uma avaliação que, apesar de simplista, seria uma forma “razoável” de mostrar como os preços dos planos têm avançado além do crescimento da renda familiar no País.

A estimativa é que o salário mínimo avance 7,5% em base anual em 2025, contra uma alta de 9% no preço dos planos de saúde.

Para que o Brasil realmente tivesse um aumento na penetração da saúde privada, seria preciso um ciclo ainda mais robusto de geração de empregos associado a uma maior segurança jurídica para as companhias, que têm enfrentado diversos casos de judicialização por parte dos beneficiários.

“Seria necessário um ambiente regulatório e judiciário mais seguro, para que as operadoras conseguissem precificar o risco embutido no produto. Seria uma alternativa para que o preço do plano não subisse de maneira mais acelerada que a renda da população.”

Moscardini avaliou que a flexibilização da regulação poderia ajudar a impulsionar o setor. “O ideal seria uma regulação que permitisse a comercialização de planos mais básicos, sem internação, por exemplo, ou com maior coparticipação. É algo que baratearia o serviço e aumentaria o número de beneficiários.”

Leia mais

Além da corrida: Strava acelera e vai de ‘dating app’ a ‘advisor’ de marcas

Nova empresa funcionaria já em 2026, diz CEO da Azul sobre fusão com a Gol

De viagens a vinhos: inflação dos mais ricos é o dobro do IPCA, aponta Itaú

Beatriz Quesada

Beatriz Quesada

Jornalista especializada na cobertura econômica. Formada pela USP, escreve sobre mercados, negócios e setor imobiliário. Tem passagens por Exame, Capital Aberto e BandNews FM.