Setor de óleo e gás ganha fôlego em LatAm, com investimentos previstos de US$ 500 bi

Novos projetos devem receber quase meio trilhão de dólares até 2030, segundo levantamento da Rystad Energy a pedido da Bloomberg Línea; preços internacionais elevados mantêm negócios atraentes apesar do esforço global para reduzir o uso de combustíveis fósseis

petróleo
01 de Dezembro, 2023 | 05:00 AM

Bloomberg Línea — O setor de óleo e gás ganhou sobrevida com os preços do barril em níveis elevados em meio à guerra na Ucrânia e à política de restrição de oferta da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). O ambiente tem favorecido a elaboração de novos projetos de exploração, apesar do empenho dos países mundo afora para reduzir o uso de combustíveis fósseis. Na América Latina, os investimentos devem somar US$ 500 bilhões até 2030, segundo levantamento da consultoria global Rystad Energy, feito a pedido da Bloomberg Línea. Brasil, Argentina e Guiana são os países da região que lideram essa corrida.

A Opep vem trabalhando para dar fôlego extra à indústria de óleo e gás. Na quinta-feira (30), o cartel decidiu promover um corte adicional de um milhão de barris por dia (bpd). Paralelamente, a Arábia Saudita deve estender um corte voluntário vigente, da mesma magnitude, até o ano que vem. Segundo analistas, o movimento tende a contribuir para manter as cotações em nível elevado.

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Com isso, mais ativos tornam-se atraentes. Segundo Schreiner Parker, vice-presidente sênior e head América Latina da Rystad, os projetos em águas profundas e ultraprofundas – como o pré-sal brasileiro – têm se destacado no cenário atual. Isso porque a produtividade por poço é superior à exploração convencional em terra (onshore) e em águas rasas, o que contribui para níveis mais baixos de emissões.

Apesar do cenário ainda favorável para os combustíveis fósseis, somente os melhores projetos devem sair do papel, aponta Parker.

“Com o movimento ESG, os investimentos em óleo e gás ficaram muito mais criteriosos. O que vemos agora é que só os melhores projetos estão conseguindo atrair capital”, afirma.

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O levantamento da consultoria inclui projetos de exploração e produção - em fase de pesquisa ou já implementados - divulgados por empresas do setor que atuam na região, bem como investimentos projetados pelas companhias e pela Rystad Energy.

Investimentos em petróleo no Brasil

O Brasil deve liderar os investimentos até o final da década na região, aponta o levantamento da Rystad. Do total previsto para a América Latina, aproximadamente US$ 165 bilhões devem ser direcionados para o mercado brasileiro de 2023 a 2030.

A Petrobras (PETR3, PETR4) lidera o montante de investimentos no período, acrescenta o especialista. Na semana passada, a estatal divulgou plano de negócios para o ciclo de 2024 a 2028 que contempla US$ 73 bilhões de investimentos para o segmento de exploração & produção (E&P), sendo 67% do montante destinado a projetos na camada pré-sal.

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O CEO da Petrobras, Jean Paul Prates, defendeu a continuidade dos investimentos em óleo e gás mesmo em meio ao movimento global de descarbonização.

“O mundo ainda precisa de investimentos em E&P para que a demanda de energia seja atendida. Se nós não produzirmos nosso petróleo, se não repusermos nossas reservas e soubermos produzir petróleo menos carbonizado, outros irão produzir e exportar para nós”, disse o executivo a jornalistas na sexta-feira (24).

Parker acredita que a Petrobras deve obter a licença para explorar um importante ativo, a bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, após revés do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no início deste ano.

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Na sexta-feira (24), o diretor executivo de exploração e produção da Petrobras, Joelson Falcão Mendes, disse que o novo plano de negócios prevê uma campanha de exploração de 16 poços na região da Margem Equatorial nos próximos cinco anos e que dois deles já estão “devidamente licenciados” na Bacia Potiguar.

Quanto à licença para a fase de exploração na bacia da Foz do Amazonas, Mendes afirmou que as perspectivas são “boas”. “Entendemos que a empresa atendeu todas as exigências do Ibama, e essa resposta deve sair em breve. Estamos otimistas”, afirmou.

Na avaliação do analista de óleo e gás da Tendências Consultoria, Walter de Vitto, a Petrobras tem bons ativos para desenvolver, como por exemplo três blocos arrematados em leilão de concessão no ano passado nas bacias de Campos e Santos. “Esses projetos têm muito potencial, mas em termos de custos a Margem Equatorial é o grande filé mignon da companhia”, diz.

Destaque global

Enquanto os investimentos em óleo e gás estão caindo em alguns países, na América Latina a natureza dos projetos favorece a atração de recursos. Novas descobertas em águas profundas têm sido destaque, principalmente no Brasil e na Guiana.

Segundo dados da Rystad, a taxa média de crescimento anual dos investimentos em projetos offshore (alto-mar) e no pré-sal, na região, é de 17% de 2021 a 2025.

Ainda de acordo com a consultoria, os principais reservatórios de óleo e gás da região são os seguintes:

  • Búzios, Tupi, Mero, Sapinhoá, Sépia e Atapu, no Brasil;
  • Bloco Stabroek, na Guiana;
  • Bloco 58, no Suriname;
  • Área de shale gas de Vaca Muerta, na Argentina.

Estimativas de mercado dão conta de que os volumes produzidos na região argentina de Vaca Muerta devem ultrapassar um milhão de barris de óleo equivalente por dia (boed) no pico de produção do megacampo em 2033. Para tanto, serão necessários investimentos contínuos em desenvolvimento e na infraestrutura da região.

De acordo a Rystad, a taxa média de crescimento anual dos investimentos no megacampo argentino é de 8% de 2021 a 2025. “Vaca Muerta vai receber uma boa parte dos investimentos da região nos próximos anos”, diz Parker.

O analista da Tendências aponta que, apesar do potencial, o projeto de Vaca Muerta tem grandes desafios de infraestrutura, principalmente de escoamento. “Isso vai exigir investimentos significativos”, diz de Vitto.

Ele observa que a eleição de Javier Milei à presidência da Argentina, com seu discurso pró-privatizações, pode ser um fator para atratividade de novos investimentos. “Há uma tendência de privatização no país e, com isso, mais empresas podem financiar Vaca Muerta.”

Curva de preços

A reunião da Opep havia sido adiada do final da semana passada para esta quinta-feira em meio a divergências sobre os níveis de produção dos países africanos.

Depois de alguns movimentos de diminuição de oferta durante a pandemia, o cartel e aliados como a Rússia voltaram a se reunir no ano passado para promover novas reduções, que se somaram a um corte adicional em meados de abril de 2023.

A Arábia Saudita foi o país que ficou com o maior “fardo”: a monarquia tem capacidade instalada de 12 milhões de bpd, produzia cerca de 10 milhões de bpd e, atualmente, tem níveis de produção de 8 milhões de bpd.

Para de Vitto, mesmo que a Arábia Saudita tenha custos baixíssimos, os atuais níveis de produção não são sustentáveis para a monarquia. “Vai ficando cada vez mais custoso para a Arábia Saudita manter esses cortes, assim como para o resto dos países membros. No médio e longo prazo, a Opep deve ter um relaxamento das cotas.”

Segundo ele, é esperado que no médio e longo prazo haja um arrefecimento dos preços, que hoje oscilam na casa dos US$ 80 o barril.

Parker vê uma tendência de cotações em alta no curto prazo, num cenário de investimentos ainda insuficientes para novos projetos de hidrocarbonetos e demanda robusta.”

Gráfico Rystad

Por ora, o especialista não enxerga impacto substancial do conflito Israel-Hamas na cotação do barril, embora uma eventual escalada da luta armada para o Irã (um dos maiores produtores do mundo) ou mesmo a obstrução do Canal de Suez, no Egito, possa pressionar os preços.

O analista ressalta que, mesmo em um cenário de queda substancial dos preços em relação ao nível atual, diversos projetos latinos seguem interessantes. “Muitos projetos na região têm um breakeven abaixo de US$ 35, tornando-os rentáveis mesmo no médio prazo com a possível queda das cotações do Brent.”

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.