Selic em dois dígitos por mais tempo amplia pressão sobre empresas endividadas

Volume de dívida corporativa que vence até 2026 soma R$ 239 bilhões, segundo levantamento da Bloomberg; mercado segue com liquidez, mas a um custo mais elevado

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Bloomberg — Empresas brasileiras que se endividaram em momento de juros baixos agora se preparam para uma nova realidade: taxas de juros de dois dígitos por mais tempo do que o esperado por todos.

O ciclo de flexibilização do Banco Central do Brasil parece caminhar para um fim prematuro, com apostas de traders de que a taxa básica de juros será mantida em 10,5% ao ano depois da reunião desta quarta-feira (19), em que o Copom deixou a Selic inalterada. Isso significa que os custos de empréstimos permanecerão acima de 10% no futuro previsível, de acordo com a precificação na curva de swaps do Brasil.

Isso representa um desafio adicional para empresas que têm dívidas de taxa flutuante adquiridas quando as taxas estavam em níveis historicamente baixos, em torno de 2% ao ano durante a pandemia. Executivos planejavam que as taxas diminuíssem, o que permitiria refinanciar os empréstimos.

Globalmente, consumidores, diretores financeiros e ministros de finanças estão sendo obrigados a se ajustar a um mundo em que as taxas permanecem elevadas por mais tempo.

A situação no Brasil se destaca, pois os formuladores de política monetária da maior economia da América Latina estiveram entre os primeiros a elevar as taxas e, depois, a começar a reduzi-las.

Essa campanha foi interrompida por dúvidas sobre a inflação persistente e a capacidade do país de controlar seu déficit fiscal.

“Há um desconforto geral em relação à situação fiscal do Brasil”, disse Ricardo Carvalho, chefe de ratings corporativos brasileiros da agência Fitch. Ele acrescentou que o mercado de títulos offshore está praticamente fechado para todas as empresas, exceto as maiores e de maior rating.

As empresas brasileiras enfrentam vencimentos de R$ 81 bilhões em debêntures em 2025 e R$ 128 bilhões em 2026, conforme dados compilados pela Bloomberg. Outros US$ 18 bilhões vencem até o final de 2026 em notas emitidas nos mercados internacionais.

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As vendas de títulos em dólares por empresas brasileiras caíram mais de 50% nos últimos três meses em comparação com o início do ano, depois que as autoridades do Federal Reserve dos EUA repetidamente afirmaram que as taxas de juros deveriam permanecer elevadas por mais tempo.

Recentemente, os membros do Fed previram apenas um corte de juros neste ano, decepcionando traders que esperavam uma mais flexibilização mais cedo.

No mercado local, a liquidez é ampla, mesmo que o crédito continue caro. A emissão de debêntures aumentou 204% neste ano em comparação com o mesmo período de 2023, de acordo com dados da Anbima - Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais.

“As empresas continuarão a usar o mercado local, mas a diferença é que terão um custo de capital mais alto”, disse Carvalho. “Mas isso é melhor do que não ter alguém disposto a conceder crédito de jeito nenhum.”

As condições de crédito foram aliviadas à medida que os custos de empréstimos caíram no Brasil, o que marcou uma recuperação desde a crise de liquidez no início de 2023. Mas a taxa Selic de referência, que está em 10,5% ao ano após ser reduzida de um patamar de 13,75%, não é baixa o suficiente para dar às empresas um respiro, disse Rodrigo Gallegos, sócio da RGF & Associados.

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Já há sinais de que algumas companhias estão cedendo à pressão financeira. No primeiro trimestre, 4.203 empresas entraram com pedido de recuperação judicial. Isso representa um aumento de quase 4% em relação ao trimestre anterior, segundo dados da RGF, uma consultoria com sede em São Paulo especializada em reestruturação.

“Taxas [de juros] muito altas têm um impacto direto nas recuperações judiciais”, disse Gallegos.

Estresse corporativo

O setor agrícola, um dos mais importantes da economia brasileira, já testemunhou uma onda de pedidos de proteção contra credores.

Enquanto isso, empresas de saúde, como a Dasa e a Oncoclínicas, tomaram medidas para reduzir seus encargos com dívidas após uma onda de aquisições quando as taxas estavam baixas.

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Varejistas também enfrentaram dificuldades, com o crédito “apertado” desde a derrocada da Americanas em um escândalo contábil que colocou todo o setor sob escrutínio. Companhias aéreas também lutam contra pesadas dívidas, altos custos de combustível e escassez de aeronaves.

Tudo isso prepara o cenário para mais reestruturações, disse Giuliano Colombo, advogado do Pinheiro Neto.

“Não há como as empresas estarem saudáveis pagando taxas de juros de dois dígitos”, disse ele. “Isso é difícil de pagar, especialmente se você tem níveis elevados de dívida.”

Também é provável que mais empresas busquem exercícios de gestão de passivos, nos quais levantam capital para refinanciar dívidas e evitar processos legais caros.

“O clima é de melancolia e frustração”, disse Colombo.

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