Saída de CEO da Nestlé evidencia desafio para empresas de bens de consumo

Substituição de Mark Schneider por Laurent Freixe em quadro de consumidores impactados pela inflação acontece após mudanças em empresas como Starbucks, Unilever, Diageo e Estée Lauder

Chocolates de Nestlé
Por Dasha Afanasieva
25 de Agosto, 2024 | 02:15 PM

Bloomberg — A saída inesperada do CEO da Nestlé, Mark Schneider, levantou preocupações entre os investidores sobre as perspectivas de lucratividade da maior empresa de alimentos do mundo, que luta para reconquistar os clientes cansados da inflação para as marcas premium.

Após oito anos como CEO da fabricante suíça do café Nespresso e dos alimentos para animais de estimação Purina, Schneider será substituído pelo chefe da América Latina, Laurent Freixe, informou a Nestlé na quinta-feira (22).

A notícia foi uma surpresa, uma vez que Schneider estava programado para comparecer a três eventos diferentes nesta semana, incluindo uma conversa em um encontro do Barclays divulgada horas antes do anúncio. Os analistas especularam que a saída pode ser um presságio de um corte no guidance financeiro da Nestlé, e as ações caíram até 4,1% no dia seguinte ao anúncio.

Leia mais: Nestlé mira o ‘back to the basics’ com foco em alimentos com novo CEO

PUBLICIDADE

A mudança levanta questões sobre o grau de recuperação do crescimento no segundo semestre, se o guidance da margem de lucro para 2025 será mantido e se poderá haver algum aumento nos níveis de produtividade, escreveu Tom Sykes, analista do Deutsche Bank, em uma nota.

Freixe disse a analistas em uma teleconferência na sexta-feira (23) que a empresa voltará ao tema da atualização de suas metas financeiras quando realizar um evento para investidores em novembro. Atualmente, a Nestlé tem como meta uma margem operacional de pelo menos 17,5% para 2025.

Troca em série de CEO em bens de consumo

Schneider é o mais recente chefe do setor de bens de consumo a ser demitido. As empresas do segmento têm lutado para convencer os compradores a voltarem às marcas premium após um período de alta inflação e aperto de cinto.

Na semana passada, Laxman Narasimhan perdeu seu cargo de CEO da Starbucks depois de menos de dois anos; ele será substituído pelo chefe da Chipotle Mexican Grill, Brian Niccol. O CEO da Estée Lauder, Fabrizio Freda, planeja se aposentar em 2025, depois que a empresa de cosméticos enfrentou problemas nos últimos meses.

Leia mais: Com novo CEO, Starbucks tem desafio de lutar contra a queda na demanda

No ano passado, novos CEOs começaram a trabalhar na Unilever, fabricante de sabonetes Dove, na Reckitt Benckiser Group, fabricante de fórmulas infantis, e na Diageo, destiladora de uísque Johnnie Walker.

As empresas tentam reconquistar a confiança dos investidores em um ambiente em que as taxas de juros permanecem altas e os consumidores continuam controlando os gastos.

PUBLICIDADE

Enquanto varejistas como o Walmart e a Target se adaptaram a compradores mais preocupados com os preços, em parte promovendo sua oferta de produtos de marca própria mais baratos, empresas como a Nike ficaram para trás.

Mark Schneider estava na liderança da Nestlé desde o início de 2017

"A pandemia, as interrupções na cadeia de suprimentos, a inflação de 50 anos, o rápido aumento das taxas de juros e o efeito negativo do sentimento do consumidor conspiraram para criar um ambiente difícil para as ações do consumidor médio", disse Eric Clark, gerente de portfólio da Accuvest Global Advisors.

Revisão de negócios

Até recentemente, Schneider era elogiado pelos investidores como o CEO que reformulou a Nestlé, defendendo-se de um ataque em 2017 da gestora ativista Third Point.

O executivo iniciou alienações lucrativas do negócio de injetáveis da empresa suíça, marcas de água engarrafada de baixa margem nos Estados Unidos e alguns produtos congelados.

Schneider concentrou-se em persuadir os consumidores a pagar mais pelas versões premium das linhas de produtos existentes, desenvolvendo a oferta de café e ração para animais de estimação da Nestlé, ao mesmo tempo em que desenvolveu seu negócio de saúde e bem-estar.

O grupo também enfrentou sem problemas as dificuldades da cadeia de suprimentos que muitas empresas tiveram durante a pandemia, graças à sua produção localizada.

Nos últimos dois anos, entretanto, a estrela de Schneider começou a se apagar. A Nestlé tem lutado para reconquistar os consumidores após o surto de inflação pós-pandemia, perdendo repetidamente as expectativas de vendas trimestrais.

Schneider ingressou na Nestlé depois de dirigir a empresa farmacêutica alemã Fresenius, mas seu interesse pela área de saúde nem sempre deu certo na fabricante do KitKat.

No ano passado, a Nestlé teve uma redução de US$ 2,1 bilhões em seu investimento em um medicamento para alergia a amendoim chamado Palforzia. O chefe de seu negócio de vitaminas e suplementos foi substituído depois que problemas de TI causaram escassez de suprimentos.

Em julho, a Nestlé reduziu sua perspectiva de crescimento de vendas para o ano para, no mínimo, 3%, abaixo dos cerca de 4% anteriormente almejados. Os alimentos congelados nos Estados Unidos provaram ser uma área particularmente problemática porque os consumidores de baixa renda estão lutando para sobreviver.

Outros obstáculos

No entanto nem toda a culpa recai sobre o consumo fraco.

A Nestlé teve problemas em sua unidade de vitaminas, adquirida em 2021 por US$ 5,75 bilhões. Ela também sofreu escassez em seu negócio de água nos últimos dois anos. A Nestlé substituiu o diretor financeiro de longa data François-Xavier Roger no início deste ano.

“Schneider fez um bom trabalho quando chegou fazendo mudanças no portfólio”, disse Donny Kranson, gerente de portfólio da Vontobel Asset Management, em um e-mail. “Mais recentemente, entretanto, a empresa teve algumas dificuldades, algumas autoinfligidas e outras em razão do ambiente externo.”

Antes do anúncio do CEO, as ações haviam subido 22% desde que Schneider assumiu o cargo no início de 2017, cerca de metade do ganho que a Unilever registrou durante o mesmo período.

As perspectivas da rival anglo-holandesa melhoraram com o novo CEO Hein Schumacher, mesmo quando a Nestlé começou a ficar para trás.

“Certas coisas não funcionaram; algumas aquisições não deram certo”, disse o presidente do conselho da Nestlé, Paul Bulcke, em uma conversa com jornalistas. “Mas isso é inerente à administração de uma empresa como essa. Estou analisando mais a dinâmica das coisas e seguindo em frente. E não choro pelo leite derramado”.

Sucessor interno

Ao contrário da Starbucks, a Nestlé não procurou um candidato externo, optando por alguém que entende sua cultura. Isso sugere mudanças evolutivas em vez de uma mudança radical em relação ao curso de Schneider.

“Laurent Freixe está na empresa há décadas”, disse Kranson. “Eu diria que não haverá uma grande mudança na estratégia. O que os investidores querem ver na Nestlé é uma entrega consistente de suas metas, o que ela não conseguiu alcançar nos últimos períodos de relatório.”

Freixe, que começou a trabalhar na Nestlé em 1986, passou 16 anos como membro da diretoria executiva e esteve à frente de operações na Europa e nas Américas. Com 62 anos, ele disse em uma entrevista a jornalistas que se concentrará em “garantir que cumpramos nossas promessas e nos concentremos no essencial, nos concentremos em vencer no mercado”.

-- Com a colaboração de Anthony Palazzo.

Veja mais em Bloomberg.com