Privatização da Sabesp: o que esperar da Equatorial como acionista de referência

Empresa do setor elétrico tem uma concessão de saneamento no Amapá, conquistada recentemente, o que levanta preocupações no mercado sobre a capacidade técnica; companhia não comenta

Sao Paulo's Water Utility Gets Green Light for Privatization
11 de Julho, 2024 | 05:45 AM

Bloomberg Línea — A Equatorial (EQTL3), que atua há 25 anos no setor de energia, deve se tornar rapidamente uma das principais empresas de saneamento da América Latina ao conquistar o posto de acionista de referência da Sabesp (SBSP3) com o processo de privatização da companhia. Mas, apesar de a elétrica deter uma concessão de água e esgoto no Amapá, há desafios relevantes, disseram fontes à Bloomberg Línea.

O governo paulista colocou à disposição do mercado parte de suas ações atualmente detidas na Sabesp, maior companhia de saneamento do país. Na primeira etapa do processo, candidatas a uma fatia de 15% para se tornar acionista de referência da companhia teriam que oferecer um preço mínimo por ação, que não foi divulgado.

A Equatorial foi a única a apresentar proposta para se tornar sócia de referência da Sabesp, no valor total de R$ 6,9 bilhões, com a desistência inesperada de players com atuação e relevância no setor de saneamento.

Uma das principais premissas da desestatização da Sabesp é a antecipação, de 2033 para 2029, da universalização dos serviços de água e esgoto, mantendo o atendimento à população vulnerável. Para tanto, a estimativa de capex é da ordem de R$ 70 bilhões.

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Na visão do sócio-diretor da SH Consultoria, Ewerton Henriques, do ponto de vista da capacidade financeira a Equatorial tem uma estrutura de capital consolidada. “Não vejo dificuldades para a companhia cumprir as obrigações necessárias do processo, a Sabesp é uma empresa que funciona sozinha”, disse. “Mas o pacote de investimentos necessários para atingir as metas de universalização é robusto, precisa ser tratado com cuidado”, acrescenta.

Segundo Henriques, a preocupação do mercado reside justamente na capacidade operacional da acionista de referência. “A Aegea tem uma grande expertise no setor, a Equatorial ainda está aprendendo no Amapá. A capacidade operacional da empresa para ajudar a Sabesp a dar cabo dos investimentos é uma preocupação.”

Procurada, a Equatorial não havia se pronunciado até o fechamento desta reportagem.

A Aegea, maior operadora privada de saneamento do país com 30 milhões de clientes, desistiu de apresentar proposta em decisão tomada já reta final do processo, segundo apurou a Bloomberg Línea. O motivo da desistência foi a cláusula conhecida como “poison pill”, de acordo com uma pessoa ligada à companhia, que falou sob condição de anonimato porque as discussões são privadas.

Segundo a fonte, fundos de uma mesma gestora ligada a um sócio controlador da acionista de referência teriam limitações para comprar ações da Sabesp, sob o risco de somar participação de 30% na operadora. Caso isso aconteça, a cláusula seria acionada, o que significaria a obrigatoriedade de lançamento de uma Oferta Pública de Aquisição (OPA), com um prêmio de 200%.

Na prática, no entanto, seria impossível garantir que os fundos ligados aos controladores da Aegea não comprem ações da Sabesp, mesmo que essas entidades não tenham ingerência alguma sobre a empresa – e consequentemente sobre a operadora paulista.

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O GIC, fundo soberano de Singapura, tem 35% do capital total da Aegea e, a Itaúsa, 13%. A fonte acrescentou que realizar uma OPA caso a poison pill fosse disparada tornaria o negócio “inviável”. Procurada, a Aegea informou que não vai comentar o assunto.

No caso da Equatorial, o entendimento é que, por se tratar de uma “corporation” (empresa sem controlador definido), o limite de participação de suas sócias na Sabesp seria mais flexível.

A gestora Opportunity tem a maior fatia na elétrica, de 6,3%. Outros investidores têm cerca de 5% das ações da Equatorial - cada uma: BlackRock, CPP Investments (fundo de pensão do Canadá), Atmos, Capital World Investors e Squadra Investimentos. A fatia restante, de 67,9%, está pulverizada.

No último dia 24 de junho, o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas iniciou um roadshow no Brasil, Estados Unidos e Europa para buscar investidores para outros 17% das ações que o Estado detém na Sabesp. O objetivo é que, após a oferta, o governo mantenha uma participação residual de 18% na companhia.

O sócio-diretor da SH Consultoria pondera que a posição de acionista de referência confere uma condição especial na gestão da Sabesp. Apesar de deter apenas 15% das ações, a Equatorial terá um terço dos assentos no conselho de administração. “A empresa terá um peso grande nas decisões da Sabesp”, diz Henriques.

Com a privatização, a Equatorial deverá indicar tanto o presidente do conselho de administração quanto o CEO da Sabesp.

Apesar do peso do acionista de referência, o sócio do Castro Barros Advogados, Paulo Dantas, lembra que o governo de São Paulo manterá uma participação importante na Sabesp.

“O fato de a Equatorial se tornar acionista de referência gera uma série de obrigações, mas em caso de algum problema não deve recair tudo sobre a empresa. No limite, ela não terá 100% da responsabilidade”, avalia.

Concessão no Amapá

A Equatorial estreou no setor de saneamento em 2021 ao arrematar o leilão de concessão do Amapá com um lance de R$ 930 milhões, bem acima do segundo colocado na disputa – que havia oferecido R$ 426 milhões. Além da outorga, a empresa tem como compromisso investir R$ 880 milhões para universalizar os serviços de água e esgoto de 800 mil habitantes em 16 cidades do estado.

A ideia era gerar sinergias com outra concessão da Equatorial no estado: de distribuição de energia elétrica.

Para uma pessoa com familiaridade da concessão, que falou sob condição de anonimato porque as discussões são privadas, a Equatorial tem enfrentado dificuldades para ganhar sinergias no estado.

Além dos desafios naturais para atingir as metas do contrato, o combate à inadimplência também é um problema significativo, já que cortar energia por falta de pagamento é mais fácil e rápido do que no caso dos serviços de água e esgoto.

Para outra fonte com familiaridade no assunto, a Equatorial viu uma grande oportunidade de se tornar a maior empresa de saneamento do Brasil através da privatização da Sabesp, mesmo com os inúmeros desafios em sua única concessão no setor, o que tem gerado preocupação no mercado.

Leia mais: Privatização da Sabesp: as lições da Aegea à frente da Corsan, segundo o CEO

Diferentemente de São Paulo, os desafios do saneamento em outros estados são muito maiores, afirmou Dantas. “No Amapá, a Equatorial assumiu 100% do ativo, a empresa precisa desenvolver soluções para a universalização. Esta é uma dúvida do mercado”, disse o advogado especialista em infraestrutura.

Em apresentação ao mercado, a Equatorial disse que espera utilizar a Sabesp como “plataforma exclusiva de crescimento no setor de saneamento”. Acrescentou que pretende utilizar “extensiva experiência na realização de capex e financiamento, de modo a otimizar a performance financeira”, bem como “explorar estruturas de capital mais eficientes para aumentar o retorno aos acionistas”.

O analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, avaliou que a Equatorial está alavancada e deve ter que se financiar para cumprir as demandas necessárias da Sabesp. “Quando falamos de saneamento, trata-se de um comprometimento muito grande, é preciso antecipar capex.”

Interesse dos investidores

O interesse dos investidores pela oferta remanescente de ações detidas pelo governo na Sabesp tem sido grande, apurou a Bloomberg Línea com fontes do mercado. Grupos de grande porte estão se preparando para garantir uma parcela desses papéis.

Ainda de acordo com apuração da Bloomberg News, investidores sinalizaram interesse em adquirir mais de R$ 30 bilhões em ações da Sabesp.

A definição do preço por ação da oferta está programada para acontecer no próximo dia 18 de julho, com a publicação do prospecto definitivo no dia seguinte. O governo de São Paulo espera concluir todo o processo no dia 22 de julho.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.