Prédios históricos e obras de arte: faculdades vendem ativos em busca de recursos

Queda no número de matrículas amplia a pressão financeira sobre escolas menores nos EUA, que recorrem às vendas como solução temporária, sob protestos de alunos, professores e comunidades

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Bloomberg — O Kerry Hall é a joia da coroa da Cornish College of the Arts.

Adornado com um teto com telhas de argila vermelha que pairam sobre um exterior de estuque branco – vestígios do estilo espanhol que varreu a Costa Oeste há um século –, o salão abriga cerca de 3.000 metros quadrados de estúdios de dança, locais de apresentação e salas de aula.

Nas proximidades, há um bar de café espresso e pequenos pontos da moda que servem carne Wagyu e panquecas veganas no movimentado bairro de Capitol Hill, em Seattle.

Portanto, quando os funcionários da escola colocaram uma placa de “vende-se” no Kerry Hall em abril, isso provocou um alvoroço.

Alunos, professores e ex-alunos – inclusive Faith Vanchu, da turma de 2021 – reuniram-se em torno do prédio para protestar. “Todo mundo entrou em pânico”, disse Vanchu. “É muito triste.”

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É também a nova e a dura realidade enfrentada por dezenas de faculdades particulares pequenas, muitas vezes pouco conhecidas, em todos os Estados Unidos.

Pressionadas por um declínio constante na taxa de natalidade nacional que fez diminuir o número de candidatos às vagas, as escolas lutam para preencher as salas de aula e cobrir os custos.

Diante das dificuldades, correram para vender ativos valiosos – conjuntos habitacionais, mansões, apartamentos e até mesmo algumas obras de arte – para receber uma injeção de dinheiro e, no caso das mais vulneráveis, evitar por ora o colapso financeiro que já atingiu muitas outras.

O fechamento de escolas aumentou muito nos últimos dois anos. O mesmo aconteceu com a inadimplência de títulos emitidos por faculdades.

"Como muitas faculdades pequenas", disse Emily Parkhurst, presidente interina da Cornish, "somos ricos em propriedades e pobres em dinheiro". Quando Parkhurst diz pequena, ela quer dizer pequena mesmo. Há 488 alunos no campus de Cornish neste semestre. Isso representa uma redução em relação aos quase 800 de uma década atrás.

Para deixar claro, muitas instituições privadas e estatais maiores e mais prestigiadas dos EUA estão indo bem. Elas contam com grandes dotações de orçamento e um grande número de matrículas, o que lhes permite prosperar financeiramente.

Mas, no outro extremo do espectro, as tensões de escolas de menor visibilidade, como a Cornish, revelam um quadro maior de estresse, que resulta em decisões às vezes dolorosas e controversas.

Só vendas de ativos não resolve

A venda de ativos valiosos é um cálculo complicado.

Embora os fundos gerados possam proporcionar alívio imediato, o efeito das alienações pode prejudicar o apelo das escolas, o que aprofundaria sua situação sem sequer resolver problemas estruturais.

Afinal de contas, essas vendas não levam a um fluxo constante de receita com o qual as escolas possam contar, disse Emily Raimes, analista de ensino superior da Moody’s Ratings.

“Se estamos diante de um problema de longo prazo, como é o caso de muitas dessas faculdades, vender um ativo não é uma solução de longo prazo”, disse Raimes.

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A College of Saint Rose em Albany, em Nova York, fechou as portas no início deste ano, apesar de ter vendido imóveis. A universidade entrou com pedido de proteção contra falência em outubro e colocou à venda o seu campus para pagar os credores.

Outras enfrentaram reações negativas por venderem bens queridos.

No estado de Indiana, a decisão da Valparaiso University de vender três obras de arte de sua coleção do Brauer Museum of Art – principalmente a obra-prima modernista “Rust Red Hills”, de Georgia O’Keeffe, que deve valer até US$ 15 milhões – enfrentou a ira de professores, alunos e até mesmo da comunidade artística em geral.

Em Ohio, o procurador-geral Dave Yost, procurou, no início do ano, impedir que a Hebrew Union College-Jewish Institute of Religion vendesse cópias do Talmud e de outros livros antigos armazenados em sua biblioteca em Cincinnati.

Embora um porta-voz da escola tenha dito que ela havia “apenas realizado uma avaliação” de alguns de seus livros raros e que a ação era “infundada”, Yost citou relatos de que a universidade tentou fazer a venda para cobrir seus déficits.

Alunos e ex-alunos da Cornish, por sua vez, fizeram uma manifestação no início deste ano para protestar contra a proposta de venda do Kerry Hall. Eles estavam preocupados com o que isso significaria para seus dançarinos e músicos, especialmente porque o prédio – a uma curta viagem de ônibus do campus principal – era considerado um refúgio seguro para seus alunos.

“Sei que muitas pessoas, inclusive eu, foram para Cornish por causa desse espaço”, disse Vanchu. “Um grande argumento de venda para todos era que as pessoas poderiam praticar e trabalhar em sua arte sempre que quiserem.”

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Vendas não só por necessidade

Nem todas as vendas indicam que uma escola está em dificuldades financeiras, mas é revelador que algumas estejam fazendo um balanço do que podem vender. Esse é o caso da New School na cidade de Nova York.

A dotação da instituição chegou a quase US$ 450 milhões no exercício fiscal de 2023 e seu quadro de alunos é de 10.000, embora o número total de funcionários tenha caído por dois anos consecutivos.

Nesse cenário, a New School vendeu um complexo habitacional em Manhattan, que fica a nove minutos a pé do Chelsea Market, por US$ 30 milhões no início deste ano, citando a baixa demanda entre os alunos. Em meio a um déficit, também colocou a casa de seu presidente à venda por US$ 20 milhões, reduzindo o preço posteriormente para US$ 12 milhões.

Um porta-voz da New School disse que a decisão de vender a casa do presidente não estava relacionada aos seus esforços para cobrir o déficit, que já foi resolvido. O porta-voz acrescentou que a faculdade avalia regularmente suas necessidades de espaço.

“Continuaremos considerando todas as opções, inclusive a venda de imóveis, para posicionar a universidade de forma sólida para o futuro”, disse o porta-voz em uma declaração enviada por e-mail.

No caso da Pacific Lutheran University, os custos para manter uma casa de quatro quartos e cinco banheiros em Tacoma, no estado de Washington – que anteriormente abrigava os presidentes do instituto – superaram os benefícios, disse um porta-voz.

A propriedade, que fica a três quilômetros do campus, foi vendida por US$ 1,6 milhão no início deste ano. Ela foi doada à faculdade em 1971 e nenhum presidente morava lá desde 2017.

“Não é necessário ter uma casa para o presidente”, disse Jeff Denneen, consultor de ensino superior da Bain & Company, que falou de modo geral sobre faculdades. Ele aconselha que, quando necessário, as faculdades vendam ativos que não sejam essenciais para sua missão, como instalações de geração de energia e estádios.

O Kerry Hall, no entanto, ainda é uma parte preciosa do Cornish College, pois foi usado ativamente até o início deste ano.

Não se sabe ao certo por quanto ele será vendido – a CBRE, sua empresa contratada para a comercialização do imóvel, não quis revelar a faixa de preço potencial. O edifício escultural será comercializado como um possível escritório, creche ou complexo de apartamentos.

Quando a venda for concretizada, a faculdade não terá mais presença em Capitol Hill, concluindo seus "planos de décadas" de consolidar o campus no bairro de South Lake Union, disse Parkhurst em uma carta à comunidade em setembro. Separadamente, ela reconheceu que a venda de imóveis não é uma forma sustentável de levantar dinheiro a longo prazo.

“Como muitas faculdades pequenas, é realmente difícil operar uma faculdade de forma sustentável quando você tem menos de 10.000 alunos”, disse ela. “E nós temos pouco menos de 500.”

-- Com a colaboração de Nic Querolo.

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