Bloomberg Línea — À medida que os veículos eletrificados se tornam menos inacessíveis e ganham escala no mercado, dúvidas e desconfiança surgem na cabeça do consumidor brasileiro em questões como autonomia, pontos de carregamento e preço de revenda.
Nesse contexto, a expectativa de executivos de montadoras e especialistas do mercado é que os chamados Mild Hybrid Eletric Vehicles (MHEV), ou simplesmente híbridos leves, ganhem destaque na transição da frota brasileira. Isso porque, além do custo mais acessível, esse tipo de veículo não depende do motor elétrico para funcionar nem de infraestrutura de recarga.
As vendas de mild hybrids devem crescer de forma significativa nos próximos anos, em um cenário de expansão menos acelerada da demanda de carros eletrificados.
De acordo com projeção da Bright Consultoria Automotiva, os híbridos leves devem liderar as vendas totais de carros zero quilômetro em 2030 no Brasil e representar 38% dos emplacamentos.
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Hoje, 38 modelos dessa “categoria” são comercializados no mercado brasileiro, mas 80% são de marcas premium. Os preços partem de R$ 125 mil.
Por definição, os híbridos leves têm um motor elétrico que “ajuda” o motor a combustão a tracionar as rodas e ganhar eficiência, reduzindo o consumo de combustível. Sozinho, o sistema de propulsão elétrico não move o carro, diferentemente dos modelos híbridos plenos e plug-in (que têm carregamento por fonte externa).
A Stellantis, dona de marcas como Fiat, Jeep e Citroën, aposta na tecnologia bio-hybrid – que combina eletricidade com biocombustível (etanol) – como destaque na transição do seu portfólio. O grupo lançou recentemente seus primeiros modelos híbridos leves no Brasil: os utilitários esportivos Pulse (a partir de R$ 125.990) e Fastback (a partir de R$ 161.990).
De acordo com o vice-presidente de assuntos regulatórios da Stellantis para a América do Sul, João Irineu, a combinação do etanol com o elétrico é uma solução para a transição energética em toda a região.
“Essa tecnologia agrega algum nível de eletrificação à frota e permite a oferta de carros mais baratos. Já o cliente não depende de infraestrutura de recarga e tem a redução do consumo de combustível”, afirmou o executivo em entrevista à Bloomberg Línea.
Em sua avaliação, o custo dos carros eletrificados é fundamental para ampliar o acesso da população, principalmente no Brasil. “Precisamos ter uma preocupação com o poder aquisitivo do brasileiro e por isso o custo do carro é fundamental. Temos que atender a todos os segmentos.”
Para o diretor da Bright, Murilo Briganti, uma das principais vantagens dos híbridos leves é a melhoria de eficiência energética a um custo inferior ao de um híbrido convencional.
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“Em média, os ganhos de eficiência energética giram em torno de 10%, a depender do modo de condução e do ciclo de rodagem, urbano ou rodovia”, disse o especialista.
Ele avaliou que, por se tratar de uma tecnologia mais barata que as demais disponíveis hoje no mercado, o mild hybrid deve crescer no Brasil.
“Os híbridos leves chegaram para concretizar a ponte da transição para os veículos mais eficientes. É uma tecnologia muito promissora para o país, em um mercado extremamente sensível a preços, em que praticamente 50% dos veículos comercializados custam abaixo de R$ 120.000″, destacou.
Briganti acrescentou que, devido a questões de custo e pelo potencial promissor do etanol como combustível renovável, os veículos híbridos não plug-in – leves ou convencionais – já devem corresponder a metade das vendas totais de veículos 0km no Brasil em 2030.
Irineu disse que a escolha do portfólio da Stellantis leva em consideração a representatividade do grupo no mercado brasileiro, em que o seu market share é de aproximadamente 30% do total de emplacamentos.
“Vendemos 900 mil carros por ano no Brasil em diferentes segmentos, nosso portfólio é grande. Temos a responsabilidade de ter uma oferta de modelos para todos os consumidores.”
Nesse sentido, o executivo contou que o grupo avaliou diversos aspectos para os primeiros lançamentos de veículos eletrificados produzidos no Brasil.
Os híbridos leves Pulse e Fastback usam, por exemplo, baterias de 12 volts, enquanto carros 100% elétricos chegam a levar baterias de mais de 300 volts, comparou. “As baterias podem custar de 40% a 50% do preço total de um carro elétrico”, disse o executivo.
Adicionalmente, ele afirmou que os carros 100% elétricos perdem de 1,5% a 2% de capacidade de carga por ano, o que se reflete no preço de revenda. “O carro acaba perdendo valor”, explicou.
Ele afirmou, entretanto, que a eletrificação dos veículos é um caminho sem volta. “As empresas vão precisar fazer a descarbonização. O ambiente para a eletrificação total da frota é inevitável, mas antes é preciso baixar custos e ter infraestrutura de recarga”, disse Irineu. “Defendemos todas as tecnologias, do híbrido leve até o 100% elétrico, do modelo de entrada até o premium.”
Aposta global
Não só as montadoras com produção local apostam nos híbridos leves. Segundo o diretor de operações da Kia Brasil, Gustavo Gandini, o mild hybrid ganha destaque entre os modelos de entrada do segmento de eletrificados, principalmente devido ao custo mais acessível.
“O híbrido leve é uma maneira de redução de 10% a 20% das emissões e do consumo”, disse o executivo. Em sua avaliação, a trajetória para atingir a eletrificação total da frota no Brasil vai passar pela oferta de diferentes produtos, principalmente os híbridos.
A Kia oferece hoje, no mercado brasileiro, o híbrido leve Stonic, modelo de entrada da marca no segmento, que custa a partir de R$ 149.900. “Entendemos que ainda há um caminho a ser percorrido para que todos os veículos sejam elétricos”, disse o executivo.
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A marca sul-coreana trouxe outro híbrido leve para o mercado nacional, o Sportage (preço público sugerido de R$ 274.990).
“Nosso público está atento à modernidade e à sustentabilidade. São clientes de renda mais alta, que querem produtos com as tecnologias mais modernas do mercado global”, disse Gandini.
Além dos híbridos leves, a Kia também importa o híbrido pleno Niro e o elétrico EV5. Na esteira de lançamentos, a montadora trará em breve o elétrico EV9.
“Iniciamos [a eletrificação] com o Stonic, mas vamos trazer mais veículos elétricos. Nosso plano é trazer para o mercado diferentes níveis de eletrificação”, disse.
Como importadora, a Kia está amplamente exposta às oscilações do dólar. Gandini explicou que a empresa negocia com a matriz para trazer novidades para o mercado brasileiro.
“Levando em consideração o cenário que o país atravessa, estamos negociando para garantir a oferta no Brasi”, afirmou.
Ele afirma que o câmbio é uma questão sensível para a operação. “O dólar acaba influenciando muito mais para os importadores, mas nossa previsão é de crescimento para 2025.”
Produção local
Na avaliação de Briganti, da Bright, embora o híbrido leve seja uma tendência, as montadoras com fábricas locais não devem privilegiar exclusivamente a sua produção.
“Felizmente, nosso mercado poderá contar com diversas rotas tecnológicas, a depender da faixa de preço dos produtos ofertados”, afirmou.
Ele ressaltou que o Brasil tem diversas montadoras em segmentos de maior valor agregado com fábricas locais. “As marcas devem seguir rotas globais na transição da frota”, disse.
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