Petrobras: plano de expandir o refino pode esbarrar em custos e mudança do mercado

Petroleira anuncia novos investimentos com o objetivo de aumentar a capacidade de produção de combustíveis no país, mas especialistas apontam obstáculos

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Bloomberg Línea — A atual gestão da Petrobras (PETR3, PETR4) tem deixado claro que uma de suas prioridades será elevar a capacidade de produção de combustíveis no país. Mas, segundo especialistas, a estatal deve ter desafios significativos – de custo do capital a retorno do investimento – para executar o plano.

A companhia anunciou no fim da semana passada a continuidade do projeto de implantação do Trem 2 (sistema de equipamentos de refino) da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, cujas obras foram interrompidas em 2015.

“A decisão é fundamentada em criteriosa reavaliação do projeto RNEST, que, à luz das premissas do Plano Estratégico 2023-2027, teve sua atratividade econômica confirmada”, disse a estatal em comunicado.

Segundo a empresa, o início das operações do trem 2 da RNEST está previsto para 2027 e, com a implantação, a Petrobras “contribuirá para expandir a capacidade de refino nacional, viabilizando o aumento da produção de derivados”, destacou em comunicado.

O desinvestimento no segmento de downstream (refino e transporte) foi amplamente defendido no governo de Jair Bolsonaro, com o ministro Paulo Guedes como mentor da decisão.

O plano previa a venda de oito refinarias, mas as negociações tiveram êxito nos seguintes casos: (1) da Isaac Sabba (Reman), em Manaus (AM), arrematada pelo grupo Atem; (2) da Landulpho Alves, na Bahia, comprada pelo fundo árabe Mubadala; e (3) da refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Mucuripe/Lubnor), cuja venda para o grupo Grepar acaba de ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – mas que ainda aguarda outras conclusões pendentes.

A estatal concluiu ainda a venda da Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), localizada em São Mateus do Sul, no Paraná, para a Forbes & Manhattan Resources.

Agora, a bandeira levantada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva e pela gestão de Jean Paul Prates na companhia é a de devolver “protagonismo” à Petrobras em refino.

Segundo o vice-presidente sênior e head para América Latina da consultoria Rystad Energy, Schreiner Parker, nos últimos dez anos as grandes petroleiras globais – as chamadas majors do setor – têm saído do downstream, com foco maior em exploração & produção de óleo e gás (upstream).

Conforme o especialista, os investimentos iniciais em refinarias são muito elevados, em um negócio com margens mais baixas do que no upstream. “É difícil ganhar dinheiro no refino”, disse.

Por outro lado, as petroleiras estatais podem investir no refino por uma decisão política. “A estratégia de aumentar a capacidade de refino para ter segurança de oferta não é algo único do Brasil nem do governo Lula; acontece em outros países, como no México, por exemplo”, disse Parker.

Com o projeto na chamada Margem Equatorial atualmente suspenso pela falta de licenciamento do Ibama, a Petrobras pode tomar a decisão de realocar parte dos US$ 3 bilhões previstos para a exploração na região amazônica para o segmento de refino, disse o especialista.

Parker fez a ressalva, contudo, de que as cifras que envolvem a reforma de refinarias e projetos totalmente novos são bem diferentes. “Se o governo e a Petrobras tomarem a decisão de construir novas refinarias, em vez de reformarem as existentes, o projeto tem que ser extremamente cauteloso, pois os custos são muito elevados e podem aumentar ao longo do tempo”, observou.

‘Lição a ser aprendida e não mais repetida’

A RNEST, por exemplo, foi um projeto elaborado em 2005. Após sucessivas revisões, o orçamento saltou para quase US$ 20 bilhões em meados de 2014, ante US$ 2 bilhões inicialmente. O projeto da refinaria foi marcado por atrasos, revisões e incertezas. E também foi alvo de investigações da Operação Lava-Jato, após denúncias de contratos superfaturados.

A então presidente da Petrobras Maria das Graças Foster, uma profissional de carreira da estatal, classificou o projeto da refinaria Abreu e Lima como “uma lição a ser aprendida e nunca mais repetida”.

O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), hoje chamado de Polo Gaslub, também esteve envolvido em escândalos de corrupção. Inicialmente foi orçado em aproximadamente US$ 6 bilhões, mas em meados de 2015 já se falava em mais de US$ 30 bilhões para concluir o projeto.

O sócio-diretor da A&M (antiga Alvarez & Marsal) Infra, Filipe Bonaldo, afirmou que atualmente o investimento em uma refinaria nova não sai por menos de R$ 3 bilhões – em projetos de pequeno porte –, sem contar o tempo necessário para construção e entrada em operação.

“Não vejo grandes projetos de novas refinarias no Brasil, o investimento é muito alto. Também não acredito que outras empresas possam entrar nesse mercado, não há espaço para fechar a conta”, disse o especialista.

Além disso, sob a ótica do investidor estrangeiro, esse não é mais um mercado tão atrativo, ressaltou Bonaldo. “Há três anos, fomos procurados por vários investidores internacionais, que avaliavam montar refinarias de menor porte no Brasil.”

“Agora, com a decisão do governo de estimular o protagonismo da Petrobras no refino, ao mesmo tempo em que a companhia desconecta a precificação dos combustíveis com o mercado internacional, o ambiente deixa de ser atrativo.”

Dependência externa

De acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a dependência externa do Brasil, em 2022, foi equivalente a 11,9% do consumo total em gasolina e a 27,8% do consumo em diesel.

Parker afirmou que eliminar 100% da dependência de importação de combustíveis é algo considerado improvável pelo setor e apontou que mesmo grandes mercados como o norte-americano importam uma parcela significativa do consumo doméstico.

No caso do Brasil, mesmo com a retomada dos investimentos da Petrobras em refino, o especialista disse acreditar que a redução da dependência externa levará anos. “Não é possível ter 100% da oferta localmente, sempre haverá algum nível de importação.”

O especialista disse ainda que as refinarias são projetadas para produzir combustíveis com determinados tipos de petróleo. No Brasil, muitas delas foram construídas na década de 1970, quando o país precisava importar a maioria do óleo que consumia.

Nesse contexto, seria necessário investimentos para reconfigurar refinarias para produzir combustíveis com petróleo proveniente do pré-sal, por exemplo, de onde vem a maior parte da produção da Petrobras atualmente.

“O petróleo brasileiro é competitivo nas refinarias, mas a produção de combustíveis depende de cada unidade, que roda com um tipo de óleo. No geral, será preciso fazer ajustes para aumentar a capacidade de produção no país”, explicou Parker.

O atual plano estratégico da Petrobras, de 2023 a 2027, prevê investimentos totais da ordem de US$ 78 bilhões. Desse montante, 10% devem ser destinados ao refino.

No plano atual, a estatal prevê novas unidades nas refinarias de Paulínia (REPLAN), RNEST (2º trem) e GASLUB; além de adaptações nas refinarias Duque de Caxias (REDUC), Henrique Lage (REVAP), Gabriel Passos (REGAP) e RNEST (1º trem).

Também há estudos de novas unidades nas refinarias Presidente Getúlio Vargas (REPAR) e Alberto Pasqualini (REFAP), sem contar a produção de renováveis.

A estatal anunciou na semana passada o aumento da capacidade de produção de diesel com conteúdo renovável (Diesel R) na REPAR, dos atuais 5 milhões de litros por dia para um potencial de 12,3 milhões ainda neste ano, “a depender da disponibilidade de matéria-prima e das condições de mercado”.

Mudança estrutural

Bonaldo disse ver novas oportunidades no mercado brasileiro de refino com a transição energética. Em abril, a Acelen, do fundo Mubadala, anunciou um investimento de R$ 12 bilhões para produção do chamado diesel verde – feito a partir do processamento de óleos vegetais – na Bahia.

“Quando olhamos o refino, não vejo empresas vindo produzir o mesmo que a Petrobras. Enxergo os investidores buscando oportunidades sob ângulos diferentes”, disse o especialista.

Ele disse acreditar que, embora a transição energética seja uma realidade, haverá a coexistência de fontes renováveis com combustíveis fósseis. “Devemos ter uma diminuição da predominância do petróleo para veículos a combustão, mas o mercado de óleo e gás não tem data de validade.”

Embora os analistas de mercado projetem uma transição energética mais lenta após a guerra na Ucrânia, que evidenciou a dependência global do petróleo, a tendência é que os combustíveis fósseis percam protagonismo nos próximos anos. Isso inclui menos capital disponível para projetos em óleo e gás.

Nesse cenário, seja por meio de investimentos na reconfiguração de refinarias já existentes ou pela construção de novas plantas, o movimento da Petrobras contrasta com o discurso da nova gestão da companhia de apostar na transição energética.

Para Parker, a decisão de investimento em refino precisa ser extremamente calculada, levando em consideração o retorno no atual contexto do setor globalmente. “Vemos o mercado de veículos mudando drasticamente. Na China, o governo subsidia carros elétricos, assim como em outros países. No médio a longo prazo, os produtos de petróleo vão se tornar menos relevantes”, disse.

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