Pedido de recuperação da Gol evidencia crise do setor aéreo da América Latina

Três das maiores companhias aéreas da região - Avianca Holdings, Latam Airlines e Grupo Aeroméxico - solicitaram proteção contra credores em 2020

A Gol não foi a primeira companhia aérea da América Latina a enfrentar grave crise financeira (Foto: Dado Galdieri/Bloomberg)
Por Giovanna Bellotti Azevedo - Vinicius Andrade - Ezra Fieser
27 de Janeiro, 2024 | 02:57 PM

Bloomberg — O pedido da Gol Linhas Aéreas para uma reestruturação no Chapter 11 dos Estados Unidos é o mais novo capítulo de uma série espetacular de crises de empresas de aviação latino-americanas, o que mostra que a indústria continua a lutar com o impacto financeiro persistente da pandemia mesmo depois do seu fim.

A Gol (GOLL4) informou na quinta-feira (25) que pretende continuar operando enquanto passa por uma recuperação judicial que inclui a renegociação de obrigações financeiras de curto prazo, como a de contratos com empresas de arrendamento de aeronaves.

A empresa disse que emergirá do processo com a estrutura de capital que considera correta.

A companhia aérea, que tinha um terço da participação de mercado doméstico do Brasil no final do ano passado, tem lutado para recuperar sua posição financeira desde a pandemia de covid, que devastou a demanda por viagens, obrigou as empresas a deixar suas frotas em terra e custou à indústria cerca de US$ 21 bilhões.

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A Gol solicitou proteção contra credores nos EUA mais cedo do que o planejado depois que a notícia do pedido de insolvência vazou para a imprensa, disse um advogado da companhia aérea em uma audiência judicial por meio de vídeo na sexta-feira (26). Para evitar que os credores adotem medidas que possam prejudicar seus ativos, a administração buscou proteção judicial em Nova York.

Três das maiores companhias aéreas da região - Avianca Holdings, Latam Airlines e Grupo Aeroméxico - solicitaram proteção contra credores em 2020 em processos que se arrastariam por anos. Nos três anos seguintes, operadoras menores como a Interjet, do México, e a Viva Air, da Colômbia, encerrariam as operações.

“A volatilidade do setor é maior no Brasil, dada a exposição aos custos em dólares, e a América Latina como um todo tende a sofrer mais em um ambiente de alta inflação e taxas, afetando a renda disponível e a demanda por voos”, disse Carolina Chimenti, analista de crédito da Moody's Investors Service. “As companhias aéreas da região devem ser mais conservadoras com seu capital.”

A demanda por voos se recuperou em grande parte para os níveis pré-pandemia em toda a América Latina, mas a Gol nunca conseguiu superar as consequências financeiras.

Diferentemente de seus pares nos Estados Unidos e na Europa, a Gol e suas empresas brasileiras não receberam resgates. Somente mais recentemente o governo brasileiro começou a considerar empréstimos como parte do plano para aliviar a pressão financeira das companhias aéreas locais.

A pressão levou a Gol a realizar mais de dez processos de gestão de passivos ou captação de recursos desde o início de 2020. A empresa informou que sua dívida consolidada em 31 de dezembro era de cerca de US$ 4,2 bilhões, incluindo obrigações de arrendamento.

A suspensão temporária da operação de aeronaves Boeing 737 Max 8 e as condições de crédito globais restritas foram alguns dos fatores que levaram ao pedido de concordata, segundo uma autoridade de reestruturação da Gol, Joseph Bliley.

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Mas o maior problema foi o impacto financeiro duradouro da pandemia. No auge da emergência, a Gol operava menos de 50 voos diários, uma redução de 90% em relação à sua malha normal.

“O componente mais significativo dos choques econômicos que resultaram na crise de liquidez atual dos devedores foi a pandemia de covid”, escreveu ele em uma declaração ao tribunal de Nova York.

A queda da Gol também mostra a diferença de caminhos na indústria aérea latino-americana desde a pandemia. Avianca, Latam e Aeroméxico têm apresentado números financeiros robustos e conquistado investidores desde que emergiram do processo do Capítulo 11.

Os títulos do trio tiveram um ganho médio de 21% no último ano, um dos melhores desempenhos em dívida corporativa da região no período, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

Bonds da Gol despencam diante de crescentes dificuldades financeiras da companhia aérea

As notas da Gol, no entanto, caíram para níveis que refletem profunda angústia. A Lucror Analytics estima que o valor de recuperação para notas de dólar não garantidas com vencimento em 2025 está entre 15% e 20% - aproximadamente o mesmo nível atual.

As ações da empresa despencaram até 14,4% na sexta-feira, com expectativas de que os acionistas sejam amplamente eliminados como parte do processo do Chapter 11.

O CEO da Gol, Celso Ferrer, disse na quinta-feira que espera que o processo seja mais curto do que foi para os concorrentes, pois não há mais restrições relacionadas à pandemia e a demanda voltou.

Os pedidos de quatro companhias aéreas no Chapter 11 na América Latina estão “em grande parte relacionados à pandemia de Covid e à enorme interrupção que ela causou para a indústria”, disse Amalia Bulacios, diretora da S&P Global Ratings.

“Isso não reflete riscos de viabilidade para o setor”, acrescentou, observando que essas companhias aéreas continuaram a operar normalmente enquanto reestruturavam suas dívidas e nenhuma faliu.

A última reestruturação pode abrir caminho para possíveis fusões, segundo alguns analistas.

Uma aquisição da Gol pela concorrente Azul (AZUL4), seguida de parceria com a Abra - a empresa controladora da Gol e da Avianca da Colômbia, formada em 2022 na tentativa de melhorar os custos - poderia ser “uma proposta intrigante”, de acordo com uma analista da Raymond James, Savanthi Syth.

“Devido à menor sobreposição de malhas, acreditamos que tal aquisição poderia passar pelo escrutínio regulatório.”

Um representante da Azul se recusou a comentar, enquanto o Grupo Abra não respondeu imediatamente.

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