Para conter crise, Boeing estuda abandonar negócios no setor espacial, dizem fontes

Líder aeroespacial, que lançou oferta de ações de US$ 19 bi nesta segunda para atender às necessidades de liquidez, conduz uma ampla revisão de suas áreas de negócios, o que inclui a Starliner

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Bloomberg — A Boeing avalia opções para suas operações Starliner como parte de uma ampla revisão de suas áreas de negócios, o que aumenta a possibilidade de encerrar uma das histórias mais famosas da exploração espacial americana.

Embora a avaliação sobre o abandono de um programa importante da NASA ainda esteja nos estágios iniciais, ela marca o passo mais concreto já dado pelo gigante aeroespacial dos Estados Unidos para repensar seu papel no negócio espacial comercial.

A Boeing (BA) continua a ser o mais proeminente dos fabricantes aeroespaciais da “velha guarda” que trabalham com a NASA, enquanto a SpaceX, de Elon Musk, passou de uma empresa iniciante para uma força dominante do setor.

Uma Boeing reduzida - ou totalmente ausente do setor - deixaria o governo americano totalmente dependente da SpaceX para colocar astronautas no espaço a partir de solo americano, pelo menos até que outras empresas entrem no mercado.

“Ter uma maneira resiliente de levar astronautas à estação espacial está em risco”, disse Clayton Swope, vice-diretor do Projeto de Segurança Aeroespacial do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, sobre a revisão em estudo pela Boeing.

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Crise e resgate

O novo CEO da Boeing, Kelly Ortberg, avalia o portfólio da empresa para levantar dinheiro, eliminar unidades de baixo desempenho e resgatar uma empresa em crise.

A análise do programa Starliner sinaliza que a Boeing pode se desfazer ou vender uma operação marcada por anos de falhas, com mais de US$ 1,8 bilhão em custos excedentes e atrasos.

Abandonar a Starliner significaria dar as costas a uma linhagem de cerca de 60 anos de voos dos astronautas americanos para o espaço - desde o icônico foguete Saturn V, que levou Neil Armstrong à lua, até os ônibus espaciais semelhantes a aviões que voaram para a Estação Espacial Internacional (ISS), que a Boeing atualmente gerencia.

Como a Starliner sofreu vários atrasos, a cápsula Crew Dragon, rival da SpaceX, fez 43 visitas à ISS desde 2019, transportando tripulação e carga para a NASA.

A agência contratou recentemente a SpaceX para resgatar dois americanos presos na estação espacial, depois que os problemas do propulsor da Starliner a forçaram a ordenar que o veículo retornasse à Terra vazio.

“A Boeing era para ser a aposta certa”, disse Chad Anderson, managing partner da Space Capital e investidor da SpaceX. “Se eles forem embora, será triste para os Estados Unidos, para a concorrência e para o acesso ao espaço.”

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A NASA e a Boeing ainda trabalham juntas para resolver os problemas enfrentados durante o mais recente voo de teste da empresa, com o objetivo de eventualmente certificar a Starliner para voos regulares com tripulação - a menos que algo mude do lado da Boeing, de acordo com uma pessoa familiarizada com a situação que falou à Bloomberg News.

A Boeing não comenta rumores ou especulações de mercado, disse um porta-voz por e-mail à Bloomberg News. Um porta-voz da NASA se recusou a comentar sobre a revisão estudada pela Boeing.

‘Fazer menos e melhor’

A revisão do Starliner ocorre em meio a uma greve trabalhista que já se estende por seis semanas que paralisou a produção dos principais jatos, incluindo o 737 Max.

Essa paralisação do trabalho exacerba a tensão relacionada às finanças da Boeing, com suas classificações de crédito à beira de um rebaixamento e o agravamento da queima de caixa, que a empresa projeta que se estenderá até 2025.

Ortberg disse que quer concentrar os recursos nas principais divisões de aeronaves comerciais e de defesa da Boeing e que procura simplificar seu amplo portfólio, com o objetivo de “fazer menos e melhor”. Ele espera decidir quais unidades passarão por “desinvestimento” até o final do ano.

Mesmo antes da notícia do possível êxodo espacial da Boeing, que foi relatado pela primeira vez pelo Wall Street Journal, o futuro do Starliner não estava claro, além de um plano para mais meia dúzia de missões à estação espacial para a NASA.

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É provável que seus custos continuem a se acumular, especialmente se a NASA exigir outra corrida de teste para a estação espacial. A Starliner “pode já estar obsoleta”, disse o analista da Agency Partners Nick Cunningham aos clientes em um memorando na última quarta-feira (23), chamando essa área de negócios de “gerador de perdas desproporcionais”.

A Boeing e a Lockheed Martin têm tentado vender sua joint venture United Launch Alliance no último ano. O portfólio espacial da Boeing também inclui um contrato lucrativo para o foguete lunar SLS da NASA, embora se espere que ele custe cerca de US$ 2 bilhões por lançamento e a SpaceX diga que tem trabalhado em alternativas mais baratas. A ISS, por sua vez, se encaminha para a aposentadoria.

Concorrência

A Boeing não é a única empresa espacial mais tradicional que passa por desafios relevantes. A Airbus planeja eliminar até 2.500 cargos em sua divisão de defesa e espaço, à medida que a fabricante europeia de aeronaves busca simplificar os negócios em meio a uma concorrência mais acirrada.

A Boeing pode decidir manter parte ou todo o seu portfólio espacial, que também inclui produtos de defesa, como satélites espiões e o avião espacial X-37B.

No entanto, na última década, a Boeing ficou atrás dos grandes saltos tecnológicos dados pela SpaceX, que reduziu o custo das viagens espaciais ao reutilizar boosters e construir a maioria dos componentes internamente.

Além da perspectiva de depender da Rússia se a SpaceX falhar, Anderson disse que há risco para os contribuintes e para o setor em geral se a Boeing deixar o negócio.

“A SpaceX não vai baixar os preços por conta própria. Até que você traga mais concorrência, nada pode desafiar isso”, disse ele. “A concorrência é boa para todos. Significa mais inovação, preços mais baixos, mais participação, mais ideias.”

Venda de ações de US$ 19 bilhões

Nesta segunda-feira (28), a Boeing lançou uma venda de ações no valor de quase US$ 19 bilhões, uma das maiores já realizadas por uma empresa de capital aberto, para atender às necessidades de liquidez e evitar um possível rebaixamento da classificação de crédito para “junk”.

A empresa ofereceu a venda de 90 milhões de ações ordinárias e cerca de US$ 5 bilhões em ações depositárias, de acordo com um comunicado, que confirmou uma notícia anterior da Bloomberg News.

Somente a parte das ações ordinárias totalizaria pouco menos de US$ 14 bilhões, com base no preço de fechamento de sexta-feira (25), de US$ 155,01.

Essa seria a maior venda de ações desde que o SoftBank vendeu parte de sua participação na T-Mobile US em 2020, mostram os dados compilados pela Bloomberg.

As ações da Boeing recuavam cerca de 1,20% nesta manhã na NYSE, após uma queda de 40% neste ano.

Com lotes adicionais de ações, o total da captação de recursos poderia subir para cerca de US$ 21,8 bilhões, com base nos cálculos da Bloomberg.

A Boeing precisa da injeção de capital para manter sua classificação de grau de investimento e financiar seu aumento de produção assim que a greve terminar.

A empresa está a caminho de usar cerca de US$ 4 bilhões em dinheiro durante o quarto trimestre, o que elevaria sua saída de caixa livre para cerca de US$ 14 bilhões no ano.

A fabricante de aviões espera continuar a queimar caixa até o primeiro semestre do próximo ano, à medida que reinicia as operações de suas fábricas de aviões, incluindo as linhas de montagem de seu jato 737 Max, que gera pouco dinheiro.

Em 23 de outubro, a empresa recebeu autorização da Securities and Exchange Commission (SEC) para vender até US$ 25 bilhões em ações e dívidas.

A Boeing também tem um novo contrato de crédito separado de US$ 10 bilhões, o que lhe dá “acesso adicional de curto prazo à liquidez enquanto navegamos em um ambiente desafiador”.

A PJT Partners atua como assessora financeira da Boeing para as ofertas, disse a empresa no comunicado.

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-- Com a colaboração de Siddharth Phillip, Julie Johnsson, David Carnevali, Crystal Tse e Swetha Gopinath.

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