Pão de Açúcar: podemos acelerar redução de dívida com venda de ativos, diz CEO

Em entrevista à Bloomberg Línea, Marcelo Pimentel diz que fase inicial do turnaround com foco no varejo premium e de proximidade foi concluída e que GPA segue ‘obcecado’ em melhorar operação

A shopper exits a Grupo Pao de Acucar (GPA) grocery store in Sao Paulo, Brazil, on Monday, March 18, 2024. Brazil's biggest retailer Cia Brasileira de Distribuicao, chain owner of GPA grocery stores, raised 704 million reais ($141.6 million) in a primary equity offering as it works to slash its debt load, according to people familiar with the matter. Photographer: Tuane Fernandes/Bloomberg
20 de Fevereiro, 2025 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — Marcelo Pimentel assumiu o comando do GPA (Grupo Pão de Açúcar) em abril de 2022 com a missão de liderar o turnaround de um ícone do varejo supermercadista do Brasil.

Com a experiência da liderança da Marisa, da Drogaria São Paulo e do Walmart Brasil no currículo, ou seja, de grandes redes varejistas, o executivo chegou em um momento em que o grupo tinha perda de market share, perda de satisfação do cliente, alta alavancagem e rentabilidade estagnada.

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Prestes a completar três anos à frente do grupo fundado em 1948 pela família Diniz e depois controlado pelo francês Casino de 2012 a 2024, o executivo disse que a primeira etapa do processo de turnaround foi concluída no fim de 2024; e que a obsessão em 2025 é continuar a reduzir o endividamento por meio da venda de novos ativos mas também avançar no ganho de eficiência da operação.

“A estratégia está dando certo, é o que mostram os números do quarto trimestre [divulgados na noite de terça-feira, dia 18]. É uma questão de tempo colher os frutos do lado financeiro. Do lado operacional, já estamos colhendo”, disse Pimentel em entrevista à Bloomberg Línea.

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A estratégia de recuperação continua a passar pelo resgate do DNA da marca Pão de Açúcar, que é o foco no público premium, citado por ele como uma decisão que melhorou a rentabilidade do grupo desde o início da reestruturação. A aposta no varejo de conveniência, no formato de minimercados do Minuto Pão de Açúcar, também se mostrou um acerto, segundo ele.

Houve ainda uma série de medidas de disciplina de custos, que incluiu o fechamento de lojas com performance negativa, cortes de vagas, venda de ativos como a participação na rede colombiana Éxito, de terrenos e até da sede do GPA na avenida Brigadeiro Luís Antônio, nos Jardins, em São Paulo.

“Temos um plano de acelerar a redução da dívida por meio da venda de alguns ativos que ainda temos dentro do nosso portfólio”, disse o CEO, sem revelar os ativos que estão em estudo.

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Ele ressaltou em seguida que o foco é prosseguir com a melhoria operacional. “É o mais importante de tudo. Não adianta vender ativo se a operação não tiver melhora e se tornar autossustentável.”

Confira abaixo a entrevista com Marcelo Pimentel, editada para fins de clareza e compreensão.

O que o ano de 2024 representou para o processo de turnaround do Grupo Pão de Açúcar?

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Celebramos a conclusão da primeira etapa do turnaround da empresa no quarto trimestre. O projeto começou em abril de 2022. Naquele momento, o cenário era de perda de market share, de venda, uma experiência péssima do cliente com NPS [métrica universal de satisfação que vai de 0 a 100] de 40, a empresa tinha estagnado em venda digital, no quesito rentabilidade, na expansão de lojas.

E pior ainda era nosso cenário de estrutura financeira. A companhia tinha uma dívida muito alta, uma alavancagem que ultrapassava 10x Ebitda. Havia muita coisa para fazer.

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Que resultados a companhia colheu ao concluir a primeira etapa do turnaround?

Focamos na retomada de vendas com ganho de market share principalmente na cidade e no estado de São Paulo. Em 2022, tomamos a a decisão de que não iríamos entrar na competição de preços. Naquele momento, todo mundo estava focado em expansão do varejo de atacado [o atacarejo].

Vimos a oportunidade de remar em outro rio, ou seja, focar no varejo premium na cidade mais rica e populosa do Brasil. Já ganhamos 1,6 ponto de market share no segmento premium e de proximidade. Isso é muito relevante para nós.

Como o GPA conseguiu fazer essa virada?

Tivemos três anos de investimento em treinamento, em reformas de lojas e em tecnologia. Investimos mais de 200 mil horas em treinamento, na especialização técnica para padeiros, açougueiros e peixeiros. Estamos celebrando a retomada da experiência do cliente.

Nosso NPS saiu de 40 para 80 atualmente. Em 2022, os clientes reclamavam das filas. Hoje mais de 60% de nossas lojas já possuem self-checkout [totem de autoatendimento]. Mais de 25% das nossas vendas passam por self-checkout. Com isso, conseguimos endereçar o tema de filas.

Houve avanços também na operação digital desde o início do turnaround?

Sim. A medida mais relevante que tomamos foi o fechamento do centro de distribuição online. Migramos essas operações para o ship from store [envio direto da loja]. Com isso, o e-commerce tem a segunda melhor rentabilidade do portfólio.

Continuamos a crescer. Somos líder do e-commerce do varejo alimentar do Brasil. Nosso e-commerce tinha participação de 8% com uma rentabilidade baixíssima. Hoje já estamos celebrando 12,2% de penetração. No quarto trimestre, tivemos um crescimento de 16% trimestre contra trimestre.

Como vai ser a alocação de capital da companhia em 2025?

Nossa prioridade é a redução de dívida. Vemos uma vantagem competitiva: em vez de pagar juro de dívida, vamos ter mais dinheiro para investir no negócio. Ou seja, o investimento no negócio vai ser consequência da melhora da estrutura de capital. Já avançamos nesse ponto.

Saímos de um nível de alavancagem de 5x para 1,6x, uma melhora de 3,4 vezes comparando ano contra ano. Estamos determinados nesse ambiente macro que vivemos a buscar uma redução ainda maior da alavancagem. Tudo com que nos comprometemos em 2022 foi entregue.

Como o GPA vai captar recursos para reduzir o endividamento diante de um cenário de alta de juros?

Na verdade, há dois caminhos: continuar a melhoria operacional. É o mais importante de tudo. Não adianta vender ativo se a operação não tiver melhora e se tornar autossustentável. Nosso foco é continuar a melhoria de margem bruta, o crescimento de venda e a redução de despesas. Estamos obcecados.

Ainda temos ativos para vender que, no decorrer do ano, estaremos preparados para anunciar ao mercado. Ainda não estamos. Além do operacional, temos a capacidade de acelerar a redução de dívida por meio da venda de alguns ativos que temos dentro do nosso portfólio.

Marcelo Pimentel, CEO do GPA.

O Carrefour anunciou a proposta para o fechamento do capital no Brasil. O St. Marche busca reestruturar a dívida. O Dia entrou em recuperação judicial. O modelo de varejo alimentar como conhecemos precisa mudar e se adaptar aos novos tempos?

Várias empresas cresceram rapidamente nos últimos cinco anos ainda com a perspectiva de juros mais baixos. Quando se olha o estoque de abertura principalmente de atacarejo, chegamos ao período de saturação desse canal, que vai ter uma adequação.

Isso trouxe uma alavancagem que as colocou em uma situação difícil olhando para o futuro. Isso não foi diferente com o GPA, mas conseguimos fazer o turnaround operacional. Vamos continuar fiel à nossa estratégia de voltar o Pão de Açúcar para a proposta de valor premium.

Nossa ambição é ser o maior varejo alimentar premium do Brasil. Não quero ser necessariamente o maior varejo em vendas, mas cuidar da base de clientes premium, que é mais rentável. Nossa estratégia é fortalecer o varejo premium em supermercado, o crescimento de proximidade nas grandes cidades, nos bairros afluentes e a nossa penetração no online atuando como grande rede de supermercados.

O que o senhor pensa sobre o interesse do empresário Nelson Tanure em uma fusão entre Dia e GPA?

Muito pouco. Sou o CEO focado em fazer o turnaround. O Tanure é um acionista relevante da companhia. Tratamos os acionistas com muito respeito e cuidado.

Quanto ao negócio com o Dia, nossa visão é que essa transação não faria sentido. Não pelo Dia, mas pelo Pão de Açúcar. Estamos focados no varejo premium, em continuar no avanço da estratégia de crescimento do Minuto. Já temos a força da marca, mais do que outras marcas, inclusive o Dia. Um dos aprendizados dos últimos três anos é o poder do foco. Estamos imunes à distração.

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Por que o GPA não quis entrar no segmento de atacarejo?

Todo mundo estava querendo abrir seu atacarejo, muito focado em uma proposta de valor única e exclusivamente baseada em competição de preço. Entendemos que não era ali que conseguiríamos competir e vencer.

Existe hoje um nicho de clientes, muito relevante e volumoso, que são mais afluentes, com renda discricionária maior, que querem além do preço uma experiência melhor, querem um produto perecível melhor, frescor e qualidade, sortimento mais abrangente do que o atacarejo.

Focamos em trazer o Pão de Açúcar de volta para o seu DNA, que é ser o varejo premium de São Paulo. Isso tem trazido um resultado muito grande para a gente.

Por que a companhia também decidir apostar em minimercados com as lojas do Minuto Pão de Açúcar?

Realizamos visitas técnicas nos EUA e Europa, e vimos a oportunidade de abrir o mercado de proximidade no Brasil, com o Pão de Açúcar dentro dos bairros. Começamos na cidade de São Paulo. Em três anos, já foram mais de 150 lojas abertas. Os clientes não precisam de carro ou transporte, podem caminhar até a loja.

Há menos variedade, mas o cliente consegue resolver suas necessidades na loja do Minuto Pão de Açúcar. Isso veio de uma pesquisa que fizemos desde a mudança do Plano Diretor da cidade de São Paulo. Mais de 60% das novas residências são apartamentos com menos de 50 metros quadrados, ou seja, o cliente não tem espaço físico para guardar produtos.

Após o turnaround, qual é o futuro do GPA? A companhia está à venda?

Está à venda na B3. Todo mundo pode comprar nossa ação [risos]. Nosso futuro é voltar a crescer, a prosperar, ter a consolidação da presença no varejo premium. Nossa obsessão é o avanço operacional e da estrutura de capital, reduzir a dívida o mais rápido possível para que possa dar lucro líquido neste novo triênio.

Os números mostram que a nossa estratégia está dando certo. É questão de tempo para colher os frutos para o lado financeiro. Do lado operacional, já estamos colhendo.A tendência também é continuar a expandir o Minuto Pão de Açúcar, que tem prosperado muito na cidade de São Paulo.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.