Os próximos passos da rede Dia após receber aval para entrar em recuperação judicial

Rede de supermercados planeja encolher em 42% a sua rede no país com o fechamento de 343 das 587 lojas, concentrando-se no estado de SP apenas

Loja da rede Dia, em Santa Cecília, região central de São Paulo:  unidade faz liquidação de estoque até o dia 18 de abril, quando encerrará as atividades
22 de Março, 2024 | 08:52 PM

Bloomberg Línea — O varejo de conveniência e de proximidade deverá sofrer impactos relevantes com a reestruturação da rede espanhola Dia no Brasil, que planeja fechar 42% do parque de lojas e entrou em recuperação judicial (RJ) com uma dívida de R$ 1,081 bilhão, segundo analistas ouvidos pela Bloomberg Línea.

Nesta sexta-feira (22), o juiz Adler Batista Oliveira Nobre, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais, no Foro Central de São Paulo, aprovou o pedido de recuperação judicial e nomeou a Expertisemais como administrador judicial. Em dez dias, essa empresa terá que apresentar um relatório sobre a situação da companhia.

A rede de supermercados de origem espanhola contratou a assessoria financeira da Alvarez & Marsal, especializada em reestruturação de empresas. E disse que busca potenciais investidores interessados em comprar sua operação no Brasil, ainda que reconheça as dificuldades de um M&A, como o acúmulo de prejuízos e o modelo de franquias adotado em 50% das lojas.

Grupos do segmento conhecido como cash and carry, o atacarejo, como Assaí (ASAI3) e Atacadão, do Carrefour Brasil (CRFB3), além de novos players, como a Oxxo, da mexicana Femsa em sociedade com a Raízen (RAIZ4), podem ser favorecidos pelo fechamento previsto de 343 das 587 lojas e de três centros de distribuição do Dia no Brasil, segundo consultores entrevistados.

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Fatores como a inflação de alimentos nos últimos anos, a maior oferta de canais para compra de produtos de primeira necessidade por preços menores, como aplicativos especializados e “mercadinhos” de condomínio, e desafios de gestão do setor de supermercados foram apontados por especialistas como o pano de fundo da crise de liquidez da rede Dia Brasil.

Das 244 unidades que devem sobrar após a reestruturação recém-anunciada, 121 serão próprias, e 123, franquias nas principais regiões do estado de São Paulo. A operação brasileira, iniciada em 2001, vai manter apenas as unidades paulistas e o centro de distribuição em Osasco, na Grande São Paulo.

Haverá demissões nas lojas deficitárias a serem descontinuadas, mas o número exato não foi divulgado.

No final de 2023, o Dia chegou a contar com 6.100 empregados e 590 lojas, das quais 30% franquias, quatro centros de distribuição, sendo três em São Paulo e um outro em Minas Gerais.

Há mais de 2.000 credores na classe trabalhista, segundo Luiz D. Freire, CEO da OnBehalf Brasil, assessoria de recuperação judicial e falência, sem vínculo com o caso.

Em 2023, o Dia Brasil reportou um faturamento líquido de R$ 3,9 bilhões e estimou para 2024 uma receita menor, de R$ 2,5 bilhões, já considerados os efeitos da redução do total de lojas, segundo o pedido de RJ protocolado pelo escritório Galdino & Coelho, Pimenta, Takemi, Ayoub Advogados, visto por Bloomberg Linea.

Segundo o documento, um plano de recuperação deve ser apresentado no prazo de 60 dias com a indicação da intenção de venda de ativos das lojas fechadas para reforçar o caixa. Na região central de São Paulo, algumas unidades do Dia já exibem anúncios de liquidação do estoque, e funcionários disseram que as lojas fecham no próximo dia 18 de abril.

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“O caixa do Dia romperá em um futuro muito próximo, tornando-se negativo já em abril”, escreveram os advogados da empresa no pedido de aval ao processo de recuperação judicial, que inclui autorização para venda de ativos de lojas e medidas judiciais para impedir um eventual bloqueio de recursos aplicados em contas bancárias.

Na entrada do Dia, avisos de fechamento da loja e de liquidação do estoque, em Santa Cecília, região central de São Paulo

Os principais credores

A decisão do Dia de pedir a proteção judicial se deu principalmente pelo risco de ficar impedido de acessar recursos nos bancos. Daycoval, Santander Brasil (SANB11) e Banco do Brasil (BBAS3) são os principais credores financeiros do Dia. Apesar de ser uma subsidiária do grupo espanhol, toda a dívida da empresa é local.

“A superação da crise de liquidez experimentada pelo Dia depende do acesso aos recursos investidos no Daycoval e aos que virão com a liquidação dos equipamentos existentes nas lojas que estão sendo encerradas”, citou a defesa do Dia na petição enviada ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

A companhia possui dois empréstimos junto ao Daycoval, correspondentes a cédulas de crédito bancário emitidas em janeiro de 2023 e junho de 2022. O saldo dessas operações, no valor de R$ 61,765 milhões, representa o crédito total do Daycoval e não possui garantia atrelada, escreveram os advogados do Dia.

“Há o risco de o Daycoval, ao tomar conhecimento do ajuizamento deste pedido de recuperação judicial, apropriar-se indevidamente de aplicação financeira, na forma de CDB, no valor líquido de R$ 23,965 milhões. Esse risco é relevante e deveras provável, uma vez que, em diversos contatos mantidos anteriormente ao ajuizamento desta ação, o credor se recusou a permitir o resgate da aplicação”, apontou a empresa no documento.

O Daycoval informou à Bloomberg Línea, por meio de sua assessoria de imprensa, que “não comenta sobre operações envolvendo seus clientes”.

O que vem a seguir

O plano de recuperação judicial que o Dia terá que apresentar terá que detalhar as medidas que a empresa pretende adotar para reestruturar suas dívidas e retomar o equilíbrio financeiro, incluindo, por exemplo, “propostas de renegociação de dívidas, venda de ativos ou captação de novos investimentos”, disse Leonardo Roesler, advogado empresarial e tributarista e sócio da RMS Advogados.

Será então convocada uma assembleia geral de credores para votar a aprovação do mesmo. Caso o plano de recuperação tenha o aval da maioria dos credores, o juiz responsável pelo caso procederá com a sua homologação, tornando-o obrigatório para todas as partes envolvidas.

A partir da homologação, a empresa deverá cumprir o que foi estipulado no plano de recuperação, sob a fiscalização do administrador judicial e do juízo. O descumprimento das obrigações estabelecidas no plano pode levar à mudança da recuperação judicial em falência, disse Roesler.

O CEO da OnBehalf Brasil, especializada em companhias em dificuldades, alertou para o impacto da recuperação judicial para a cadeia de fornecedores.

“Uma rede de varejo de alimentos com uma dívida desse tamanho é um caso crítico. Como deve para todos os fornecedores e o crédito acaba ficando restrito, terá uma dificuldade grande de reposição de produtos.”

“Com o fechamento de tantas lojas, a capacidade de geração de caixa fica mais limitada e isso reduz a capacidade de pagamento das dívidas. É muito provável que essa operação não tenha condições de continuar as atividades”, disse o especialista em empresas em recuperação.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.