Canela — Atraído por uma paisagem com cânions, riachos e cachoeiras, o grupo suíço-alemão Kempinski, que se autoproclama rede mais antiga de hotéis de luxo da Europa, com 125 anos de existência, prevê fincar sua primeira bandeira em terras brasileiras em meados de 2026.
O grupo europeu aposta no crescimento do mercado voltado para a enogastronomia e em práticas do turismo de aventura, como cavalgadas, caiaque e escaladas, no país.
Um dos marcos da colonização alemã no Brasil, a Serra Gaúcha, especificamente a cidade de Canela, ao lado de Gramado, foi o local escolhido pela rede hoteleira fundada em 1887 em Berlim.
O Kempinski vai assumir a administração - e promover uma ampla reforma e ampliação - do tradicional Laje de Pedra, inaugurado nos anos 1970 e fechado em 2020 devido à crise financeira decorrente da pandemia de covid.
O local é considerado o primeiro hotel cinco estrelas do Rio Grande do Sul, construído à beira de um precipício com vista para as riquezas naturais do Vale do Quilombo. Esse foi umas dos principais aspectos “irreplicáveis” do empreendimento que chamou a atenção do grupo europeu para fechar o negócio, disseram dois investidores brasileiros envolvidos no projeto à Bloomberg Línea.
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“Fechamos o negócio no início da pandemia, quando a hotelaria mundial encontrava-se diante de incertezas. Foi uma oportunidade para nós, porque conseguimos melhores condições. Se o negócio fosse fechado agora, teria saído mais caro, lento e difícil e não seríamos prioridade”, disse o empresário e consultor paulista José Ernesto Marino Neto, um dos quatro sócios do Kempinski Laje de Pedra.
Fundador da BSH International, consultoria voltada para investimentos hoteleiros, ele disse que o Brasil ainda está fora do mapa de muitos dos prestigiados players da hotelaria mundial de luxo.
É um grupo que inclui players como o canadense Four Seasons, que encerrou sua única operação no país, em São Paulo, em 2020, o grupo Mandarin Oriental, de Hong Kong, o The Península, outra rede asiática de hotéis cinco estrelas, a cadeia indiana Viceroy e o grupo italiano Lungarno Collection.
“Nosso contrato de exclusividade prevê a abertura de novos hotéis com a marca Kempinski no Brasil. Depois de Canela, o próximo deve ser no litoral do Nordeste, também com uma paisagem irreplicável, uma fazenda de coco. Nos próximos sete a nove anos, o plano é ter dois ou três unidades abertas no país”, disse José Paim de Andrade Jr., CEO da gestora MaxCap, também sócio do Laje de Pedra.
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Por outro lado, nos últimos anos, algumas grifes da hotelaria, como Rosewood, Faena (grupo Accor) e W Hotels (Marriott), anunciaram investimentos no Brasil, principalmente em São Paulo.
No sul do Brasil, o único destaque nos guias de luxo é o Belmond Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu, no extremo oeste do estado do Paraná, na tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai.
Pertencente à rede Belmond, que é também dono do Copacabana Palace no Rio de Janeiro, adquirido pelo grupo francês Louis Vuitton (LVMH) em 2018, o Hotel das Cataratas fica de frente para as Cataratas do Iguaçu, declaradas um dos patrimônios naturais da humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 1986.
A chegada do Kempinski ao Brasil pode se inserir em um movimento de abertura de fronteiras para a hotelaria de luxo, segundo os empresários.
“A Serra Gaúcha tem atraído o interesse de grandes players. O W, da Marriott, já está em obras em Gramado, e o grupo Fasano, que abriu uma unidade no Uruguai, tem procurado propriedades na região”,disse Marino Neto, que citou ainda os projetos Curio Collection by Hilton e um resort previsto pelo Club Med para Gramado.
Segundo ele, a Serra Gaúcha tem mais de 20 estabelecimentos de hotelaria que cobram diária superior a R$ 2.000, aproveitando a infraestrutura de lazer da região, com parques temáticos de neve (Snowland), basquete (NBA Park), astronomia (Space Adventure) e automóveis antigos (Hollywood Dream Cars). Em Gramado, há aluguel de carros de marcas como Ferrari e Porsche, além de um Hard Rock Café.
Compartilhamento de apartamentos
As obras do Kempinski Laje de Pedra começaram a ser executadas pela construtora gaúcha MCW Engenharia e envolveram reforma de espaços como quartos, restaurante, galerias de arte e showroom, além do edifício garagem, segundo Marino Neto, que não divulga o valor do contrato. A próxima fase envolverá edificações de blocos, além de áreas comuns, como lobby e centro de convenções.
O empreendimento funcionará com um modelo de compartilhamento de propriedade: o projeto prevê 351 apartamentos, em tamanhos de 52 e 220 metros quadrados. O metro quadrado foi negociado em 2023 a um preço médio de R$ 50 mil. Os valores podem ser divididos por até quatro parcelas, com direito de uso de 13 semanas ao ano para cada coproprietário.
“Não tratamos como formato de multipropriedade, mas como segunda residência compartilhada. Nos períodos em que os donos dos apartamentos não estiverem usando, o Kempinski poderá alugar esses espaços”, explicou Marino Neto.
A rede de origem alemã vai receber recursos pela locação dos apartamentos e administração do condomínio, bem como pelo treinamento de pessoal de acordo com seus padrões internacionais de atendimento.
“Vamos manter uma participação de 40% no empreendimento, referente a áreas como restaurante, spa e centro de convenções”, disse Marino Neto.
São quatro sócios no empreendimento: a família de Marino Neto detém 30% do negócio, e outros 35% ficam com Andrade Jr. e parentes.
Márcio Carvalho, diretor da incorporadora gaúcha Smart Arquitetura, lidera um grupo de investidores com uma fatia de 25%. Eduard Schönburg, investidor imobiliário de São Paulo, sócio-fundador da Harte Investimentos, tem outros 10% de participação minoritária.
Destino ainda pouco explorado
O cronograma prevê a primeira entrega, com 128 apartamentos, entre julho ou agosto de 2026. Depois de seis meses, mais 70 apartamentos devem ser adicionados, finalizando com outras 160 unidades até o final de 2027, segundo os dois sócios.
A dupla comprou o complexo hoteleiro que pertencia ao Grupo Habitasul, controlado pela família gaúcha Druck, em um negócio de R$ 52 milhões, segundo valor divulgado à época.
“Inaugurado em 1978, o Laje de Pedra já foi o melhor hotel do Brasil. No local foi assinado o tratado do Mercosul em 1992 e elites econômica, política e cultural se encontravam em festivais de música e eventos”, lembrou Andrade Jr.
O escritório internacional de arquitetura Perkins & Will foi contratado para tocar o projeto de renovação e expansão do Kempinski Laje de Pedra.
Segundo Andrade Jr., o local vai refletir também a cultura gaúcha. Nas paredes, há uma coleção de cutelaria, por exemplo. O principal restaurante, que serve churrasco e tem vista para o Vale do Quilombo, chama-se 1835, uma alusão ao ano de início da Revolução Farroupilha.
“Temos muita história e a rica natureza dessa região chamada de Campos de Cima da Serra, com 35 cânions, coberta de campos e cachoeiras, rios pedregosos e uma densidade demográfica muito baixa. Precisamos embalar esse destino que muitos gaúchos nem conhecem direito”, disse Andrade Jr.
O Kempinski Laje de Pedra pretende ainda atrair eventos, como reuniões de conselhos de administração, lançamentos de produtos de luxo e desfiles de moda. A ambição dos empreendedores é que o hotel resgate o clima de glamour do passado, há quarenta anos, quando seus primeiros esboços foram desenhados por Oscar Niemeyer (1907-2012), um dos principais arquitetos do século XX.
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