Os desafios que a Shein enfrenta para fazer um IPO de sucesso em Londres

Para realizar o processo de listagem com êxito, a varejista chinesa de comércio eletrônico precisa convencer órgãos reguladores, políticos e investidores

Críticos alertam que uma listagem da Shein em Londres transformaria a cidade em um mercado de 'último caso'
Por Lisa Pham - William Shaw
16 de Junho, 2024 | 12:18 PM

Bloomberg — Os banqueiros de Londres esperaram mais de dois anos para que as ofertas públicas iniciais (IPOs, na sigla em inglês) se recuperassem. Quando surgiram as notícias de que a gigante chinesa do e-commerce Shein poderia ser listada pela primeira vez, com uma avaliação potencial de 50 bilhões de libras (US$ 64 bilhões), a cidade viu um negócio que poderia finalmente reverter a crise na área.

Não será fácil. Para realizar o que poderia ser um dos maiores IPOs do Reino Unido, a varejista de comércio eletrônico precisa convencer órgãos reguladores, políticos e investidores de que atende aos padrões de inclusão como companhia listada.

Os críticos alertam que uma listagem da Shein em Londres transformaria a cidade em um mercado para o qual empresas recorrem quando não têm outras opções.

Eles apontam para alegações sobre o histórico ambiental, social e de governança da empresa, incluindo alegações de políticos dos EUA de que alguns produtos supostamente estariam ligados a trabalho forçado. A Shein afirmou que tem uma política de tolerância zero para tais práticas.

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Depois que os legisladores americanos pediram investigações sobre essas preocupações, a Shein mudou seu plano de listagem para o Reino Unido, informou a Bloomberg News.

Ainda assim, à medida que a empresa sediada em Singapura se prepara para registrar confidencialmente um IPO na cidade, alguns dos principais tomadores de decisão já estão do lado da companhia.

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O Partido Trabalhista, de oposição ao atual governo - e que desfruta de uma grande vantagem nas pesquisas antes das eleições gerais do próximo mês -, deu seu apoio à listagem, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.

Com a Bolsa de Valores de Londres com a maior queda de IPOs em mais de uma década, os apoiadores da Shein não são os únicos que esperam silenciosamente que uma solução seja encontrada.

“Provavelmente, há um certo desespero hoje”, disse Xavier Rolet, ex-diretor da London Stock Exchange Group. “O mercado britânico de IPOs está muito devagar, enquanto nos EUA está pegando fogo.”

Poder para recusar

A Financial Conduct Authority (Autoridade de Conduta Financeira), órgão de listagem do Reino Unido, tem o poder de recusar pedidos de IPO se achar que isso seria prejudicial aos interesses dos investidores. Entretanto, em um mercado com espaço para petroleiras, empresas de tabaco e mineradoras, nem todas as considerações de ESG são desqualificantes.

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Nick Bayley, ex-diretor de serviços de regulamentação e negociação da Bolsa de Valores de Londres e ex-conselheiro sênior de mercados da FCA, acredita que a Shein pode muito bem passar nos testes do órgão regulador.

“A barreira para recusar algo por motivos de reputação ou de proteção ao investidor é bastante alta”, disse Bayley. “Se observarmos algumas das empresas da ex-União Soviética listadas na década de 2000, havia todos os tipos de personagens interessantes envolvidas. Nós as recebemos de braços abertos em Londres, enquanto os americanos não as teriam aceitado de forma alguma.”

Nos Estados Unidos, políticos republicanos e democratas pediram investigações sobre a Shein, tornando a preocupação com as alegações de trabalho forçado um raro exemplo de acordo bipartidário.

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Marco Rubio estava entre os senadores norte-americanos que pediram à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA que considerasse a possibilidade de bloquear a listagem da Shein, dizendo que a empresa precisa divulgar mais sobre suas operações na China.

A Shein deveria ter que provar que seus produtos não são provenientes de trabalho forçado se quiser abrir o capital nos EUA, escreveu a representante da Virgínia, Jennifer Wexton, no ano passado, em resposta a relatos sobre o pedido de IPO no país.

Segundo a Bloomberg News, os dois principais partidos políticos do Reino Unido se reuniram com os líderes da Shein, embora nenhum deles tenha se manifestado publicamente a favor da medida. O Partido Trabalhista não tem intenção de bloquear a mudança, mas ainda não realizou sua diligência, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.

Apenas o líder da Reforma do Reino Unido, Nigel Farage, se manifestou oficialmente contra, dizendo ao jornal The Sunday Telegraph que a listagem da Shein em Londres seria uma "péssima ideia" e que isso "não mudará a crise das IPOs" na cidade.

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A Shein é obrigada a cumprir a Modern Slavery Act do Reino Unido, que tem como objetivo combater o tráfico de pessoas. A lei exige que as empresas publiquem uma declaração em seu site todos os anos - a mais recente da Shein é datada de julho de 2023 - indicando os esforços da empresa para evitar o trabalho forçado em seus negócios e na cadeia de suprimentos.

O padrão da lei não é alto o suficiente, segundo a Labour Behind The Label, uma organização com sede no Reino Unido que faz campanha pelos direitos dos trabalhadores no setor de vestuário e que se opõe à listagem da Shein em Londres.

“A lei não exige que as empresas realizem a diligência para embasar a declaração, nem que informem sobre o sucesso ou o fracasso de qualquer compromisso assumido na declaração”, disse Anna Bryher, líder de políticas da organização. “Na verdade, é simplesmente necessário que elas tenham realizado uma análise de risco. Esse baixo nível de exigência precisa ser melhorado na legislação do Reino Unido.”

Juntamente às suas práticas trabalhistas, a Shein terá que divulgar litígios pendentes, como processos da H&M e da Uniqlo sobre supostas violações de propriedade intelectual e táticas anticompetitivas contra a rival Temu.

Rolet disse que, durante seu tempo no Grupo LSE, ele nunca viu o órgão regulador flexibilizar as regras para acomodar uma empresa.

"Se houver uma diferença entre o que uma empresa faz e as regras, a FCA dirá não", disse ele.

Os representantes da Shein, da FCA e do LSE Group não quiseram comentar.

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Esforço de marketing

Se for permitido prosseguir, a listagem da Shein em Londres ainda exigiria um grande esforço de marketing. Isso apesar de as vendas no ano passado terem aumentado cerca de 40%, para US$ 32,2 bilhões, e o lucro líquido ter dobrado para cerca de US$ 1,6 bilhão, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto, que pediu para não ser identificada, pois as informações não são públicas.

Uma oferta para inclusão no índice FTSE 100 seria atraente para alguns compradores. No entanto, para merecer consideração, a empresa teria que lançar uma grande quantidade de ações, o que aumenta o risco.

A boa divulgação de informações por parte da Shein será fundamental para acalmar as preocupações de alguns investidores, de acordo com Matt Evans, gerente de portfólio da Ninety One.

"Talvez o fato de eles estarem preparados para pensar em Londres sugira que eles sentem que estão em uma boa posição para abordar essas considerações de ESG", disse Evans.

Os investidores poderiam incluir qualquer problema de conformidade no preço da ação de uma empresa e punir uma companhia listada por violações trabalhistas, disse Mark Spiers, sócio da consultoria regulatória Bovill.

“Há muitas empresas de mineração e outras com ações listadas em Londres que têm cadeias de suprimentos ou resultados ambientais relativamente duvidosos, jogos de azar online com valor social duvidoso, etc., e elas atraem ou não dinheiro, conforme as pessoas considerem adequado à sua tolerância ESG”, disse ele.

Alguns investidores ainda podem ficar de fora do IPO e esperar para ver como ela será negociada, enquanto outros planejam ficar totalmente de fora. Alasdair McKinnon, diretor de investimentos da Sgurr Ventures, disse que as empresas listadas em locais muito distantes de suas sedes “tendem a ser problemáticas”.

"Não tenho certeza do que os outros investidores farão, mas suspeito que eles apoiarão isso se acharem que podem jogar o jogo do 'maior tolo' com sucesso."

- Com a colaboração de Swetha Gopinath e Jennifer Creery.

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