O iFood chegou a 100 milhões de pedidos no mês. O CEO diz por que é só o começo

Em entrevista à Bloomberg Línea, Diego Barreto diz que o iFood conta hoje com mais de 150 modelos de IA que geram efeitos como ampliar a recorrência de pedidos e explica as diferentes avenidas de crescimento

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Bloomberg Línea — Na parede de vidro de uma sala de reuniões na sede do iFood em Osasco, cidade vizinha a São Paulo, Diego Barreto começa a desenhar com uma caneta a formação dos pilares do que ele descreve como um ecossistema cujos negócios se auto-alimentam.

A empresa que ganhou notoriedade na última década como a maior plataforma de delivery do país possui hoje negócios diversos com crescimento acelerado - de fintech B2B e outra com soluções de Banking as a Service a benefícios corporativos e entrega de farmácias - e muito mais está por vir, segundo o CEO.

Como reflexo do momento, o iFood atingiu uma marca inédita há poucas semanas: 100 milhões de pedidos em um único mês, em agosto.

Para além do gigantismo da operação, esse número é reflexo de um modelo de negócios testado ao longo de anos e cujos resultados têm sido alavancados pelo uso crescente de Inteligência Artificial (IA) e também pelo efeito de rede que passou a ganhar força, disse Barreto.

“É um negócio que vai crescer brutalmente. Vamos chegar a 200 milhões? Vamos. Só não sabemos ainda quando”, disse o CEO do iFood em entrevista à Bloomberg Línea.

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Um dos principais caminhos para o crescimento do iFood hoje é o “aumento de recorrência” de uma base de 55 milhões de clientes com CPF cadastrado na plataforma, mas que é estimada em 80 milhões dado que o número de pessoas por domicílio é maior.

É um público essencialmente das classes AB e da faixa mais alta da C. Nesse jogo, o seu programa de loyalty, o Clube iFood, tem desempenhado papel fundamental ao estimular mudanças de comportamento do consumidor - leia-se levá-lo a fazer pedidos de compra que anteriormente não fazia.

Os dados aos quais a Bloomberg Línea teve acesso mostram um aumento consistente de diferentes métricas desde abril de 2023, do número de usuários ativos que fazem parte do Clube iFood ao volume de pedidos dos mesmos, além do índice de retenção desses consumidores, acima de 80%.

Para tanto, o uso de Inteligência Artificial - em uma estratégia iniciada em 2020 - tem sido fundamental. O iFood conta atualmente com cerca de 150 modelos proprietários que usam IA para melhorar a eficiência da operação em áreas que vão de logística e cardápios até marketing e prevenção a fraudes.

Barreto disse que há dois critérios que ele considera fundamentais para avaliar a eficácia de programas de loyalty - e que poucas empresas conseguiriam de fato alcançar: o aumento da penetração do programa na base de consumidores como reflexo de que ele funciona e unit economics que “parem de pé”.

Cultura de (muitos) testes

No caso do iFood, o programa é fruto de anos de testes até que fosse encontrado um modelo que funcionasse para restaurantes e consumidores - e também para a companhia do ponto de vista financeiro.

“Testamos em 2018, 2019, 2020, 2021... e só em 2022 conseguimos chegar a um formato de programa de loyalty que fizesse sentido para todas as partes”, disse o CEO do iFood.

“Os resultados do Clube são um exemplo de como construímos o iFood. Não tem professor Pardal [alusão ao personagem da Disney que é um gênio inventor]. Temos uma cultura muito baseada em teste e experimentação, com muita resiliência. E com testes que sejam quick and dirty, no sentido de rápida execução e de simples aplicação.”

Naquele momento, em 2022, os testes sem uso de IA mostraram que havia um modelo que fazia sentido de ponto de vista econômico. A partir dali, a incorporação de IA permitiu a criação de modelos que potencializaram o programa de loyalty de maneira que se tornasse escalável para a base.

Segundo Barreto, graças ao uso de IA, o iFood hoje consegue gerar um retorno maior em vendas para os restaurantes do que o dinheiro aplicado em ads de redes sociais e sites ou no mundo offine.

“Existe um orquestrador com IA, que nós chamamos de maestro, que busca o equilíbrio entre as duas pontas. Não adianta eu captar demais dos restaurantes se eu não tenho consumidores sensíveis a desconto para fazer a compra. E, nesse aspecto, a IA é fundamental, porque você não consegue fazer isso com o ser humano, você não consegue fazer com regra dura no sistema. Sem IA, isso não funciona”, disse.

“Os modelos com IA conseguem encontrar com mais precisão quem é mais sensível a preço ou a determinada oferta naquele momento do dia.”

Esse ganho de eficiência tem permitido ao iFood crescer em número de pedidos na comparação principalmente na base anual, como visto pela Bloomberg Línea ao ter acesso aos dados então parciais do mês de setembro, pouco depois da marca de 100 milhões em agosto.

“O growth continua a vir de restaurante, mas nós começamos a levar essa dinâmica de crescimento causada pelo Clube para outras categorias. E, neste momento, farmácia é o grande destaque”, disse Barreto ao mostrar gráficos sobre o deploy (implementação) do programa na base de empresas dessa categoria, que tem acelerado o crescimento do GMV (volume bruto transacionado) na comparação tanto anual como mensal.

Cem predições a cada pedido potencial

Barreto assumiu o comando do iFood em maio deste ano, em substituição a Fabricio Bloisi, que foi nomeado CEO da Prosus, a gigante global de tecnologia que é a principal acionista justamente da empresa brasileira e que tem participações relevantes em mais de cem companhias, como a Tencent, da China.

Advogado por formação pela PUC-SP, com MBA pela IMD Business School, Barreto atuava como VP de Finanças e Estratégia do iFood, em que trabalha há seis anos.

A confiança demonstrada pelo CEO do iFood vem dos números de eficiência da plataforma.

O maior player de entregas de alimentos e outros produtos do Brasil tem um índice de conversão de 97% de pedidos dos consumidores que decidem fazer uma compra.

Antes do uso de modelos com IA, esse índice estava na casa de 70% a 80%, em linha com o esperado nessa indústria. Os novos modelos permitem, por exemplo, reduzir os casos dos chamados “falsos positivos”, ou seja, de rejeição de compras que possuem indícios de fraudes, mas não o são.

“O modelo com IA consegue aprovar quase todo mundo que é de fato um bom consumidor, disposto a fazer um pedido e realizar o pagamento, e consegue reprovar quase todo mundo que não é”, disse Barreto.

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O executivo fez referência ao fato de que, ao mesmo tempo em que busca ampliar as taxas de conversão, o iFood, assim como outros players do mercado de delivery e de e-commerce de forma ampla, trabalha para reduzir o chargeback. É o termo que expressa a reversão do pagamento de uma compra realizada, geralmente por razões de fraude mas também pela desistência do pedido.

Esse índice estava em 1% antes do começo de uso de modelos com IA. Pode parecer um percentual pequeno, mas, em uma empresa como o Ifood, que deve movimentar perto de R$ 70 bilhões em GMV neste ano, isso significaria cerca de R$ 700 milhões em perdas.

Com o uso de IA, o índice de perdas foi reduzido para 0,08% do total das operações, ou menos, portanto, de R$ 60 milhões. Uma diferença de mais de R$ 640 milhões para a companhia.

“Quando você abre o app para fazer um pedido, algo que leva de dois a três minutos, acontecem cem predições sobre o que vai acontecer, do pedido em si a quem fará a entrega e o tempo vai levar, tudo em cima de algoritmos que criamos. E acertamos em 99,9% dos casos”, disse Barreto.

Resolução de problemas com IA

Barreto explicou que o modelo de testes parte de algumas premissas.

“Nós testamos um novo modelo de IA em um grupo de controle. Se o NPS [Net Promoter Score, métrica de satisfação do cliente] da base testada for no mínimo dez pontos maior do que o atendimento humano, nós fazemos o rollout [ampliação da base].”

Tais modelos com uso de IA são aplicados também no atendimento ao cliente, que começou em março de 2022 e que já alcançava quase 60% do volume total de resoluções em setembro; e no relacionamento com restaurantes, que teve início em janeiro de 2024 e que chegava a 14% do total em julho.

“São modelos ‘conversacionais’ em que quem está do outro lado não percebe que está falando com um robô e que tem um NPS mais alto do que com o equivalente humano”, disse o executivo.

Segundo ele, a tendência é que, com o tempo, esses índices se aproximem do patamar entre 80% e 90%, mas não deve chegar a 100% porque alguns casos são tão específicos que não há base anterior que possa gerar dados para o treinamento do robô para que consiga chegar a uma resolução.

Para restaurantes, mais do que eficiência, o que é pesa mais no fim do dia é o retorno proporcionado em cima do investimento feito para estar na plataforma - como citado acima no caso do marketing.

Ecossistema se auto-alimenta

O iFood também tem investido em ferramentas que possam reduzir os custos e alavancar as vendas no salão de restaurantes, como totens para fazer pedidos e “maquininhas” de pagamento.

Para a empresa, os totens e as máquinas significam não apenas acesso maior ao fluxo de caixa dos estabelecimentos - o que permite, no fim do dia, ampliar o crédito concedido (veja mais abaixo) - como também fazer promoções direcionadas aos consumidores com as informações que possui de todas as pontas.

“Isso só é possível porque temos um ecossistema com 350 mil restaurantes, 55 milhões de clientes com a informação do CPF e o acesso crescente ao salão com nossas máquinas de pagamento e totens. Nesse mercado, não tem outro player igual”, disse o CEO do iFood.

Essa é uma frente de negócios que começa a ser explorada de forma mais ampla e que inclui o mercado de cerca de 23 milhões de trabalhadores que recebem vale-refeição ou vale-alimentação no país.

Por contar com as pontas citadas de restaurantes e de clientes que já fazem uso da plataforma de delivery, o iFood tem conseguido aumentar a recorrência de uso entre aqueles que passam a integrar a sua base dentro de sua vertical de benefícios em 31% - e, por tabela, o GMV sobe 35%.

Dados de usuários de grandes empresas que passaram a contratar o iFood Benefícios mostram um aumento da frequência de pedidos de até 76%, segundo números vistos pela Bloomberg Línea - por razões de confidencialidade, os nomes não são identificados.

Em uma rede do varejo com presença nacional, apenas 12% da base de funcionários que passou a receber os benefícios pelo iFood não era usuário da plataforma de delivery.

“Basicamente, esse trabalhador acabava concentrando os seus gastos no mundo offline”, disse Barreto.

Segundo ele, esse tem sido um dos negócios que mais crescem no iFood atualmente. “Temos incorporado de 50.000 a 60.000 vidas a cada mês, com um churn [índice de perda de cliente] que é quase zero.”

Nubank e OLX como clientes

Segundo o CEO do iFood, a empresa hoje opera como um ecossistema cada vez mais integrado e com mais serviços. Além de novas verticais como a de farmácias e o avanço em benefícios, a atuação como fintech tem sido outro destaque: empresta cerca de R$ 70 milhões por mês, com retorno de 20% sobre o capital investido. O volume total já concedido em crédito chegou à casa de R$ 1,2 bilhão.

Os negócios gerados em cima das capacidades desenvolvidas não se restringem ao iFood.

“Chegamos a tal ponto de precisão e de resultados concretos que empresas que são dedicadas a desenvolver essa solução, e de outros setores, nos procuram interessadas em comprar os nossos modelos”, disse o executivo, que explicou em seguida que a companhia tem recusado tais propostas.

Na verdade, há um plano mais ambicioso e estruturado já em execução.

Em junho deste ano, o iFood incorporou a Zoop, uma startup que desenvolveu e oferece uma plataforma de BaaS (Banking as a Service) em que a Movile, a sua controladora, havia investido seis anos atrás.

“Quando conhecemos a Zoop e sua infraestrutura tecnológica, decidimos que queríamos ter a empresa por perto. Fizemos um investimento Seed e evoluímos com o tempo no cap table [quadro de investidores]. Até que compramos a empresa um ano atrás”, contou o CEO do iFood.

Com a transação, o iFood passou a consolidar na Zoop todas as suas soluções financeiras. E a startup passou a vender essa capacidade para o mercado, a tal ponto que hoje conta com gigantes como Nubank e OLX entre seus clientes.

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“A Zoop é uma plataforma que serve como infraestrutura em um primeiro momento e, como tudo o que fazemos é baseado em APIs, qualquer um pode se plugar. É como se fosse uma AWS sob a ótica de estratégia e modelo. E é um dos nossos negócios que mais crescem atualmente.”

Dentro dessa estratégia, portanto, tecnologias desenvolvidas pelo iFood podem ser incorporadas à proposta de valor da Zoop para seus clientes.

“Nós esperamos que nossa solução antifraude esteja dentro da plataforma da Zoop daqui a seis meses a um ano e ela poderá decidir sobre oferecer ou não ao mercado.”

A organização do iFood em APIs, algo que Barreto disse ser uma prática pouco comum entre grandes empresas, é fruto de uma decisão deliberada de evitar operar com sistemas legados, que dificultam a integração. “Isso é uma prioridade na companhia e nos proporciona a capacidade de pensar em soluções que, uma vez desenvolvidas, podem ser levadas a mercado se quisermos.”

Para desenvolver não só os modelos de IA como garantir que a tecnologia potencialize o seu crescimento, o iFood conta atualmente com cerca de 6.000 profissionais, dos quais metade, ou 3.000, são engenheiros e cientistas de dados.

O principal centro de tecnologia fica em Campinas. A localização é estratégica, dada a proximidade a “celeiros” de talentos na área de tecnologia, como a Unicamp, a UFSCar e a USP São Carlos.

“Nós decidimos abrir o centro lá sabendo que poderíamos vencer essa competição por talentos, com o apelo de oferecer o trabalho em uma matriz e desenvolver produtos”, disse em alusão à diferença com empresas globais que possuem unidades na região dos arredores de Campinas, mas sem áreas de desenvolvimento.

“O perfil do profissional de tech é diferente do de outras áreas. O pacote financeiro é importante, mas ele quer colocar a mão na massa, participar da construção do código e ver isso no produto final.”

“Estamos próximos dos principais berços de talentos do país. Em Belo Horizonte, por exemplo, temos um centro importante em data. Estamos também em Goiânia, Recife, Florianópolis... são cerca de dez espalhados pelo país”, disse.

Ele ressaltou que o business de entregas tem risco elevado de ser mal-percebido pelo cliente, dado que há duas pontas que não dependem diretamente da empresa: a do restaurante, que eventualmente pode, por exemplo, decidir privilegiar quem está presencialmente no salão; e a do entregador.

E que o uso de tecnologia, portanto, é fundamental para que seja possível melhorar a operação e, por tabela, a experiência e a satisfação do usuário pensada de maneira mais abrangente.

Do ponto de vista do entregador, Barreto disse que a lógica do ganho de eficiência se aplica de forma indireta ao gerar mais pedidos, mas não de rotas eventualmente mais rápidas. “Nosso número de entregadores na plataforma tem se mantido constante no período de 12 a 18 meses. E conseguimos crescer em pedidos. Basicamente, portanto, temos conseguido ocupar esse tempo ocioso disponível.”

Isso não significa, segundo ele, estimular os entregadores a correr mais, por exemplo. “Acabamos de colocar telemetria para todos os entregadores e temos enviado mensagens de alerta quando notamos excesso de velocidade, justamente para desestimular esse tipo de prática.”

Segundo Barreto, há outras iniciativas importantes em desenvolvimento. É o que dá a confiança na empresa de que os 100 milhões de pedidos são um marco no meio da trajetória e que, portanto, mais está por vir.

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