Bloomberg — Depois de um revés em suas ambições espaciais, a Boeing (BA) enfrenta um dilema que opõe seu dever nacional a um resultado financeiro e caixa apertados.
A decisão sobre o futuro do programa Starliner, que tem enfrentado dificuldades, cabe agora ao recém-empossado CEO da Boeing, Kelly Ortberg, depois que a NASA anunciou no sábado passado que não enviaria astronautas da estação espacial para casa na espaçonave defeituosa.
Após semanas de testes e debates acalorados, a agência espacial decidiu que seria mais seguro usar a SpaceX, de Elon Musk.
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A questão dos astronautas da NASA presos no espaço é apenas uma entre as muitas adversidades enfrentadas pela Boeing este ano, que incluem uma explosão de um jato 737 Max no ar, investigações federais e mudanças na liderança executiva.
Isso deixa Ortberg, que assumiu a companhia no início deste mês, e o conselho de administração da Boeing com a função de reafirmar o compromisso da empresa com o voo espacial humano e a Starliner.
Antes de Ortberg entrar para a Boeing, os executivos haviam prometido honrar o contrato da empresa para transportar astronautas para a Estação Espacial Internacional da NASA.
Bill Nelson, o principal líder da agência, disse que Ortberg recentemente expressou seu apoio à continuidade do programa Starliner depois que a nave for enviada da estação espacial sem pessoas a bordo. “Ele disse que os problemas continuarão a ser resolvidos quando a Starliner voltar em segurança e que teremos nosso acesso tripulado à estação espacial”, disse o administrador da NASA aos repórteres no sábado (24).
Mas, como um novo líder trazido para colocar a Boeing de volta nos trilhos depois de anos de turbulência, Ortberg tem carta branca para fazer mudanças radicais e até impopulares, incluindo a possibilidade de acabar com a iniciativa de voo espacial humano.
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Muito dependerá do desempenho da Starliner durante seu voo de retorno à Terra sem astronautas a bordo no próximo mês. A NASA não descartou a possibilidade de certificar a nave da Boeing, embora possa exigir outro voo de teste antes que a cápsula seja autorizada a transportar astronautas novamente.
Isso poderia custar à Boeing cerca de US$ 400 milhões, com base nos custos que a empresa registrou para refazer um voo de teste anterior. Os especialistas da agência ainda não sabem ao certo por que os propulsores pararam de funcionar.
O balanço trimestral da Boeing e um gasto de caixa esperado de pelo menos US$ 5 bilhões este ano são considerações que a empresa tem que pesar em relação ao seu legado no espaço, que remonta ao programa Apollo de pouso na lua.
Depois de registrar cerca de US$ 1,6 bilhão em custos excedentes, parece improvável que a gigante aeroespacial consiga ganhar dinheiro com a Starliner.
Em um relatório de julho, a empresa divulgou US$ 125 milhões em novas perdas decorrentes de atrasos no teste de voo com tripulação e nos testes dos sistemas de propulsão com falhas da Starliner.
“Para a Boeing, as perdas são significativas e colocariam em questão a viabilidade de um negócio como esse, se considerar o longo prazo”, disse Clayton Swope, vice-diretor do Projeto de Segurança Aeroespacial do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
O Starliner é um dos vários contratos de preço fixo que estão prejudicando os lucros da área de defesa e espaço da Boeing, que registrou um prejuízo operacional de US$ 762 milhões nos primeiros seis meses de 2024, um pouco pior do que no ano anterior.
O resultado em um negócio que já foi confiável e lucrativo é provavelmente uma preocupação para o novo CEO da Boeing.
“Acho que é muito importante que ele entre e faça uma avaliação disso”, disse Douglas Harned, analista aeroespacial da Bernstein. “Ele está chegando com uma folha de papel em branco”.
A Boeing se recusou a comentar sobre deliberações internas com relação ao destino da Starliner. Em uma mensagem interna compartilhada pela empresa no sábado passado, Mark Nappi, vice-presidente e gerente de programa da Boeing, disse que a equipe se reuniria na segunda-feira para refletir sobre os próximos passos.
“Sei que essa não é a decisão que esperávamos, mas estamos prontos para fazer as ações necessárias para apoiar a decisão da NASA. O foco continua sendo, acima de tudo, garantir a segurança da tripulação e da espaçonave”, disse Nappi.
Mesmo antes do contratempo do último fim de semana, havia sinais de que o compromisso de longo prazo da Boeing com a Starliner estava em xeque.
No final do ano passado, o diretor financeiro Brian West disse a investidores que a empresa tinha uma decisão a tomar sobre o investimento futuro no programa depois de cumprir suas obrigações com a NASApara meia dúzia de voos para a ISS.
A NASAenfrenta suas próprias compensações críticas ao mapear o futuro do programa de tripulação comercial.
A agência projetou o programa desde o início para ter mais de uma espaçonave dos EUA para levar seus astronautas e cargas para a órbita. Embora a Starliner tenha atrasado sete anos em relação ao cronograma, a SpaceX lançou nove tripulações para a estação espacial para a NASA desde 2020.
Apesar de todos os seus contratempos, a Boeing continua sendo a melhor esperança da agência para seguir uma estratégia mutiplayer, disse Swope. Se a Boeing desistisse de seu contrato, “esse também não seria um bom resultado para ela. Eles teriam que começar do zero com a tripulação comercial”, disse Swope.
A agência poderia trabalhar com a Sierra Space para ampliar os planos de uma versão tripulada de seu veículo Dream Chaser, que perdeu para a Boeing e a SpaceX na licitação original há uma década. Mas isso está a anos de distância, devido aos atrasos em uma versão de carga do veículo.
Dado o que está em jogo, Swope acredita que a NASA tentará encontrar um caminho que mantenha a Boeing no programa de tripulação comercial e, ao mesmo tempo, resolva algumas de suas dificuldades financeiras.
Se a gigante aeroespacial precisar enviar a Starliner ao espaço de forma autônoma para testar seus propulsores, talvez a agência possa converter isso em uma missão de carga, disse ele.
O espaço está longe de ser o único problema enfrentado por Ortberg, um veterano líder do setor aeroespacial que saiu da aposentadoria para assumir o cargo de CEO da Boeing.
Espera-se que ele escolha sua equipe executiva e, em seguida, enfrente questões mais difíceis, como os lapsos de qualidade e a má execução em toda a empresa.
“Se a Boeing conseguir consertar sua divisão de aviões comerciais, o que acontecer no espaço será muito menos relevante”, disse Spingarn, da Melius Research.
--Com a colaboração de Bruce Einhorn e Loren Grush.
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