Nova aposta em elétricos promete mais autonomia com carregador a bordo

Stellantis e Mazda estão entre as montadoras que apostam em um equipamento que pode vencer uma barreira fundamental para que veículos elétricos ganhem mais adeptos

The chassis of a 2025 Ram 1500 Rev electric truck during the 2023 North American International Auto Show (NAIAS) in Detroit, Michigan, US, on Thursday, Sept. 14, 2023. The event showcases over 20 attractions, events, and shows about vehicles and the ever-growing technology behind them. Photographer: Emily Elconin/Bloomberg
Por Kyle Stock
30 de Julho, 2024 | 06:14 AM

Bloomberg — Apesar da oferta cada vez mais ampla de veículos elétricos que podem percorrer perto de 500 quilômetros (300 milhas) com uma carga, a ansiedade e a cautela de motoristas sobre a autonomia continuam a ser um grande obstáculo para a adoção generalizada, especialmente em países de maior extensão territorial como Estados Unidos e Brasil.

Montadoras agora apostam em uma espécie de “antídoto” para aliviar o medo de ficar preso no meio da viagem: colocar um carregador no carro.

Enquanto os veículos híbridos tradicionais usam gasolina para girar as rodas, uma nova geração de carros usa o combustível exclusivamente para carregar uma grande bateria a bordo.

Leia mais: Não só elétricos: BYD aposta em novo motor híbrido com autonomia como apelo

PUBLICIDADE

Não é uma solução particularmente eficiente nem barata. Mas, em uma época de infraestrutura de carregamento ainda precária e uma política ainda polarizada sobre a importância de reduzir as emissões, os motores elétricos alimentados por um carregador a bordo podem ser um acessório game changer.

“É oferecer ao cliente a funcionalidade que ele deseja, mas ainda usando eletricidade para a maior parte da condução diária”, disse John Krzeminski, engenheiro da Strange Development, empresa com sede em Detroit que constrói e testa trens de força para as principais empresas de automóveis do setor.

Krzeminski disse esperar que uma série de modelos híbridos com extensão de autonomia chegue às ruas nos próximos anos, à medida que os executivos do setor automotivo tentam criar uma solução para os motoristas que são, ao mesmo tempo, céticos e aspirantes a veículos elétricos.

Modelos que já possuem equipamentos de extensão de autonomia movidos a gasolina ampliam em até mais de 50% o alcance com uma carga de energia, segundo BMW, Ford, Stellantis e Mazda

Um exemplo é a picape Ramcharger 2025 que a Stellantis prepara para lançar no próximo ano. A picape de grande porte percorrerá mais de 230 quilômetros (145 milhas) com uma bateria de 92 kWh, o suficiente para cobrir a maioria dos deslocamentos diários.

No entanto ela também terá um motor de 6 cilindros a bordo para alimentar a bateria durante a condução, atuando como uma estação de carregamento que funciona a 120 km/h.

“Outras pessoas estão pensando em colocar baterias cada vez maiores”, explicou Joe Tolkacz, engenheiro-chefe da Stellantis.

“Olhamos para isso e dissemos: ‘OK, isso funciona para um segmento’, mas há outro segmento que diz: ‘Ainda não estou pronto para uma picape totalmente elétrica. Estou acostumado a dirigir um modelo a diesel em que posso rodar 600 [960 km], 700 [1.120 km] milhas’. E o Ramcharger oferece essa capacidade.”

PUBLICIDADE

Leia mais: Mercedes e Stellantis suspendem construção de fábrica de baterias para elétricos

Os híbridos com aumento de alcance não são uma ideia exatamente nova.

A BMW tornou a estratégia popular em 2013, quando lançou o i3, que oferecia um motor a gasolina de dois litros e dois cilindros. A montadora alemã de luxo vendeu menos de 50.000 unidades - muitas vezes com grandes descontos - antes de descartar o modelo em 2022.

Mas o apelo do i3 envelheceu bem, já que a infraestrutura de recarga continua a ser um grande obstáculo para a adoção de veículos elétricos nos Estados Unidos e em países como o Brasil. O veículo ganhou um culto de seguidores desde que saiu de produção e os valores de revenda continuam relativamente altos.

É preciso não se deixar enganar: uma usina de energia portátil em miniatura não é nem de longe tão eficiente quanto uma versão para serviços públicos.

Uma usina industrial queima menos de um décimo de galão de gás natural para gerar um quilowatt-hora (kWh) de eletricidade. Quando a bateria do novo Ramcharger estiver vazia, a picape consumirá pouco mais de 100 litros de gasolina para percorrer cerca de 870 quilômetros, o que equivale a uma autonomia relativamente baixa de 8,70 quilômetros por litro.

Mas, embora os combustíveis fósseis possam ser um catalisador curioso para estimular as vendas de veículos elétricos, a estratégia é indiscutivelmente muito mais verde do que parece.

Por um lado, consumidores tendem a superestimar o quanto dirigem e, ao mesmo tempo, subestimam enormemente quantas estações de recarga foram instaladas nos últimos meses.

Quando o novo modelo entrar em ação em escala, as novas picapes da Ram não serão muito mais eficientes do que seus equivalentes de combustão interna - na verdade, serão menos eficientes. Mas a vantagem é que os modelos não queimarão combustíveis fósseis com muita frequência justamente porque a questão da autonomia acaba sendo, no fim do dia, algo mais de segurança do que de uso efetivo.

Leia mais: Volkswagen ou Porsche? Oliver Blume expõe desafio de atuar como CEO de duas empresas

“É justo dizer que os consumidores compram veículos para seus casos extremos”, disse Stefan Meisterfeld, vice-presidente de planejamento estratégico da Mazda Motor, que já está vendendo uma versão com alcance estendido do MX-30.

Além disso, a fabricação da enorme bateria - especificamente, a mineração de todos os metais preciosos que a compõem - continua sendo a parte mais intensiva em carbono de um veículo elétrico.

Os carros movidos a bateria ainda são muito mais limpos do que as máquinas de combustão interna e, em geral, ultrapassam o limite de emissões em menos de dois anos. Mas uma bateria menor reduz significativamente a pegada de carbono inicial.

Com 92 kWh, a bateria da Ram terá menos da metade do tamanho da bateria do GMC Hummer elétrico, o supertruck totalmente elétrico (o Hummer EV também tem a pontuação verde mais baixa na classificação de veículos elétricos da Bloomberg.)

A um custo de aproximadamente US$ 139 por kWh, de acordo com estimativas da BloombergNEF, a Stellantis gasta cerca de US$ 16.000 a menos na bateria da Ram do que a General Motors em seu pacote de energia do Hummer.

Krzeminski disse esperar que isso tenha um amplo apelo. “Será como colocar a eletrificação nas mãos de mais pessoas a um custo muito menor”, disse ele.

Preferência popular na prática

O MX-30 da Mazda, por sua vez, tem versões com e sem o motor de aumento de autonomia. No Japão, mais de dois terços dos compradores escolhem a versão com o gerador de bordo; na Europa, é quase a metade.

A montadora japonesa tem avançado para os híbridos, e Meisterfeld disse que o carregador de bordo com aumento de autonomia provavelmente aparecerá em mais modelos da Mazda em breve.

Esses tipos de veículos são “soluções perfeitas para pessoas que, talvez em 70% a 80% do tempo, estejam perfeitamente bem com a autonomia elétrica”, disse Meisterfeld. “Em 90% do tempo ou mais, as pessoas provavelmente não precisarão de mais de 160 quilômetros por dia.”

Os veículos com autonomia estendida oferecem aos executivos do setor automotivo outro valor exclusivo: ajuda para enfrentar as guerras culturais.

Os carros movidos a bateria são uma peça central da política econômica e climática do governo de Joe Biden. Mas houve reações contrárias do ex-presidente Donald Trump, favorito na eleição de novembro, que serviu de material para seus comícios de campanha e seu recente discurso no RNC.

“Não tenho nenhuma objeção ao veículo elétrico. Acho que é ótimo”, disse Trump em junho, pouco antes de listar as objeções. “[Mas] os carros não vão longe o suficiente. Eles são muito, muito caros. Também são pesados.”

Cerca de 77% dos eleitores de direita nos EUA disseram que não estavam interessados em veículos elétricos, em comparação com 70% há um ano, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center no início deste ano.

O Ramcharger e veículos como ele são basicamente projetados para evitar preconceitos em relação aos veículos elétricos e, ao mesmo tempo, colher muitos dos benefícios de economia climática.

A Stellantis não precisa mudar corações e mentes para vender seu novo Ram; tanto os que negam a mudança climática quanto os que odeiam Biden apreciarão os custos de combustível compensados, mesmo que pouco se importem com o derretimento das calotas polares e a asma infantil.

"É como se fosse um cavalo de Troia", disse Krzeminski. "É quase uma espécie de forçar as pessoas a adotarem uma estratégia de redução de carbono apenas por atender às suas necessidades em relação ao que o veículo faz."

No fim das contas, os chamados extensores de autonomia provavelmente serão uma parada relativamente breve e incômoda - um acessório quase natural do carro não muito diferente de cinzeiros, CD players e carburadores do passado. Mas, por enquanto, eles preenchem um nicho bastante amplo.

Em nove anos dirigindo seu híbrido BMW i3, David Slutzky nunca foi longe o suficiente para precisar usar o motor a gasolina que aumenta a autonomia. Mas essa parece ser a solução perfeita para sua esposa, que é mais inclinada a viajar e mais propensa à ansiedade sobre a autonomia.

“Ela quer ter seu bolo e comê-lo também”, disse Slutzky, CEO da Fermata Energy, uma startup que constrói sistemas de carregamento de veículos para a rede.

Ele avalia que há um grupo significativo de motoristas com a mesma opinião que se decepcionou com a infraestrutura de carregamento rápido, que é escassa, muitas vezes com totens quebrados e não cumpre com as velocidades de carregamento prometidas.

“Há muitas pessoas que realmente querem usar um veículo elétrico puro e não podem”, explicou ele. “[O extensor de autonomia] é um paliativo? Sim, mas, para mim, é um paliativo que pode durar anos.”

Veja mais em bloomberg.com

©2024 Bloomberg L.P.