Bloomberg Línea — Oferecer um marketplace de produtos e serviços se tornou uma estratégia comum a grandes players financeiros ao longo dos últimos anos, como ferramenta de engajamento de clientes.
No meio do caminho, no entanto, muitos se depararam com os desafios de saber acertar a oferta que realmente faz sentido para os clientes e que permite ganhar escala e rentabilizar a operação.
Um dos que souberam não só “acertar a mão” como alavancar o crescimento da operação de maneira ampla foi o Inter, cuja plataforma pioneira Inter Shop acaba de completar cinco anos de existência com a marca de R$ 16 bilhões em GMV (volume bruto de mercadorias transacionadas). E que tem colocado em prática uma nova fase em que o marketplace acelera a monetização e a rentabilidade via crédito, sem contar a abertura de potenciais novas avenidas de crescimento, como o retail media.
A entrada do Inter (INT) no negócio de marketplace no início de 2020 se enquadrava no que o hoje CEO global, João Vitor Menin, costuma descrever como uma “call barata”, com relativamente pouco capital alocado e perdas limitadas caso não desse certo - o que não foi o caso.
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Nos números do terceiro trimestre (os mais recentes, pois os relativos ao quarto trimestre saem em 6 de fevereiro), o GMV chegou a um recorde de R$ 1,4 bilhão, com 3,4 milhões de clientes ativos.
Os resultados colhidos refletem não só decisões tomadas desde o princípio dessa operação e que se mostraram acertadas (veja mais abaixo) como também uma evolução do modelo, segundo afirmou Rodrigo Gouveia, CEO do Inter Shop, em entrevista à Bloomberg Línea.
“Temos 90% da base [de 35 milhões de clientes] para explorar. A monetização é consequência natural, dado que os take rates [comissões] são altos, perto de 13%”, disse Gouveia.
“Além de nós monetizarmos um cliente novo que passa a ter acesso ao crediário digital [veja mais abaixo], trazemos um cliente engajado e que pode ser incremental para usar mais produtos do Inter.”
No fim do dia, o Inter Shop facilita o cross-sell (venda cruzada de produtos) e a ativação de um cliente, o que se reflete em indicadores como a receita média por cliente ativo mensal (Arpac, na sigla em inglês). Esse dado chegou a R$ 32,50 no terceiro trimestre, com alta de 6% na base anual.
“Quando olhamos para os clientes por safras, percebemos que aqueles mais ‘antigos’, que já estavam na base em 2021, 2022, acessam mais de um produto dentro do Inter Shop”, afirmou. “Ao mesmo tempo, os mais novos já consomem mais rapidamente dentro da lógica do cross-sell dado que a oferta é maior, com produtos como a conta global.”
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‘Consumer finance 2.0′
O Inter não revela os dados desagregados da originação de crédito por canal, o que não permite dimensionar o peso do marketplace para a antecipação de recebíveis para PJ e outros produtos, por exemplo.
Mas a categoria designada como “consumer finance 2.0″, que inclui Pix crédito, BNPL (Buy Now Pay Later) e cheque especial, cresceu 52% no terceiro trimestre versus o segundo, acima de R$ 500 milhões. “É uma modalidade equivalente ao crediário digital e que começamos a ‘escalar’”, disse.
Embora seja um crédito sem garantias, o Inter apontou que a qualidade da carteira segue saudável devido às suas características, como curta duração, tíquete médio mais baixo e alta recorrência.
“O avanço do consumer finance nos ajuda a alcançar o plano do 60-30-30 ″, disse o CEO do Inter Shop em alusão às metas do banco como um todo estabelecidas no início de 2023 de alcançar 60 milhões de clientes, 30% de índice de eficiência e 30% de rentabilidade medidas pelo ROE (retorno sobre o patrimônio) até 2027.
O executivo citou quatro pilares que levaram o Inter a prosperar com o marketplace: um deles é audiência, algo que, no caso do banco, se reflete em cerca de 12 milhões de acessos diários de clientes no app. É um canal que continua a crescer - são de 15.000 a 20.000 contas abertas por dia.
Outro pilar é o de dados, com análise que possibilite o conhecimento dos hábitos e das preferências dos clientes e, consequentemente, a segmentação de ofertas; há o de pagamentos por meio do app e de diferentes modalidades, de crédito, débito e até por meio de loyalty; e o pilar de crédito em si, “ao qual dedicamos maior atenção no último trimestre”, segundo o executivo.
Há por fim um pilar incipiente mas com grande potencial, segundo ele, que se trata de ads, na vertical conhecida como retail media, que tem ganhado destaque em gigantes do e-commerce como Amazon e Mercado Livre e em players de segmentos específicos, como a RD Saúde.
O Inter já dispõe de inteligência de dados sobre as preferências de consumo em seu marketplace e consegue direcionar anúncios de marcas com uma assertividade mais alta, tudo em sua própria plataforma.
Os dados mais recentes do Inter atestam a eficácia da estratégia com uma trajetória consistente de expansão, a despeito de desafios “macro” como as taxas de juros em dois dígitos.
No mês de novembro de 2024, que contempla a Black Friday, o volume transacionado cresceu 44% na comparação com o mesmo mês do ano anterior. No varejo nacional, o avanço ficou na casa de 10%, a depender da fonte da informação.
“Encontramos um mix de produtos e serviços que têm adesão do nosso cliente. Em serviços, temos exemplos como viagens e gift cards, que acabam servindo como uma wallet digital, além de recarga de celular, que foi algo que enxergamos com maior potencial desde o início”, disse Gouveia.
O executivo chegou ao Inter em 2019 justamente com a missão de liderar o projeto do marketplace, vindo do Facebook (hoje dentro da Meta), em que atuava como Global Client Partner.
Em outra frente de engajamento, o Inter Shop tem uma funcionalidade chamada de Orange Box, em que produtos específicos “secretos” são oferecidos a preços mais baixos em ocasiões específicas, durante lives que funcionam na prática como um social commerce.
O aprendizado dos cinco anos mostrou, segundo ele, que há resumidamente dois perfis de clientes para o marketplace: aqueles sensíveis a recompensas, como cashback, e os sensíveis a melhores condições de crédito, dentro do racional de que os produtos são “commodities” - os mesmos em diferentes lojas.
Aproximação com as marcas
O avanço do Inter em marketplace tem acontecido também na venda de produtos e se deve a um modelo que busca reduzir a dependência do varejo, ao mesmo tempo em que reforça os atributos de um marketplace dentro de um app de banco, o que tende a reduzir a insegurança do cliente e os riscos de uso de cartão de crédito, por exemplo - pois esses dados já estão na plataforma.
Gouveia disse que o fato de o Inter dispor em sua origem de um braço financeiro criou condições para que a sua vertical de varejo online pudesse “crescer com qualidade” e, de certa forma, descolar das dificuldades enfrentadas pelo setor de varejo de forma mais ampla. Ele se referiu justamente à decisão de concentrar as transações dentro da plataforma do Inter, sem direcionar para terceiros.
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Esse modelo tem sido cada vez mais aprofundado e evoluído, segundo o executivo.
“No último ano, temos colocado muito foco no direct-to-consumer, o B2C, que é a desintermediação”, disse Gouveia, que citou parcerias com marcas da indústria, como Samsung, Electrolux e Whirpool, entre outras, em movimento que prescinde do varejo como intermediário.
Não por acaso, o marketplace do Inter tem ganhado tração em categorias de bens duráveis, como celulares, eletrodomésticos, eletroeletrônicos eletroportáteis, segundo ele.
“Esse modelo significa margens maiores dos dois lados e abre oportunidades de serviços financeiros que não estão relacionados necessariamente à venda comercial de um produto, como antecipação de recebíveis, conta PJ, etc., ou seja, também para os parceiros”, afirmou.
Segundo ele, a participação da indústria e de marcas acessadas diretamente nas vendas do marketplace está praticamente ultrapassando a fatia do varejo tradicional.
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