Na indústria do bem-estar, provas para amadores revelam um negócio bilionário

Negócios como a aquisição da Ticket Sports pela Ingresse e o investimento de grandes marcas em corridas, de Asics e Nike a Olympikus e On, evidenciam um mercado que atrai milhões de brasileiros

Número de novos inscritos em eventos esportivos cresceu 35% nos primeiros meses do ano, segundo a Ticket Sports
Por Marcos Bonfim
18 de Outubro, 2024 | 06:51 AM

Bloomberg Línea — Nas ruas e nos parques das cidades brasileiras, passando por praias e academias, há um fenômeno em evolução visível até aos olhos menos atentos.

São milhões de brasileiros que se dedicam a atividades esportivas de forma amadora, da corrida ao triatlo, do beach tennis ao surfe, do skate aos treinos na academia e de cross fit, todos os dias da semana.

No fim de semana, milhares se dedicam a provas de todas as distâncias Brasil afora. E esse movimento tem gerado novos negócios em um mercado bilionário no mundo.

Um dos mais recentes no país foi a aquisição da Ticket Sports pela Ingresse, em negócio que representa o início da consolidação do mercado de ingressos para eventos esportivos. Os valores não foram divulgados.

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Meses antes, a SmartFit concordou em desembolsar R$ 183 milhões pela Velocity, rede de unidades de spinning. Segundo especialistas do mercado, esses anúncios são apenas o começo.

Marcas globais como Asics, Adidas, Nike e Mizuno e outras mais novas como a Olympikus e a On se associam e investem em meias maratonas ou maratonas ou organizam suas próprias provas.

A Asics promove há anos a Golden Run em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro; a Nike voltou a promover neste ano uma prova de rua para milhares de pessoas depois de mais de uma década - a marca chegou a reunir quase 20.000 corredores em provas de 10 quilômetros em meados dos anos 2000; a On entrou como marca esportiva principal na SP City Marathon, e a Olympikus, na Maratona de Porto Alegre.

Um levantamento da própria Ticket Sports, que concentra inscrições para provas de diferentes modalidades, mas principalmente corrida, ciclismo e triatlo, mostrou o crescimento em 34,80% no número de novos usuários que acessaram a plataforma para participar de provas nos primeiros meses do ano.

Entre janeiro e maio de 2024, os atletas amadores novatos representaram 238 mil inscritos de um total de 684 mil. Os dados consideram uma base de dados iniciada em 2015.

Em outra dimensão da geração de negócios para o esporte amador, a Euromonitor projeta que os valores gastos em vestuário esportivo para performance, incluindo calçados esportivos, supere R$ 25 bilhões no mundo em 2028, com alta de 42% em relação aos números de 2023.

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Só em corrida de rua, a CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo) calcula que o país conta com mais de 14 milhões de praticantes.

“Hoje, existe uma tendência de busca por uma vida mais saudável, que inclui a prática de esportes. À medida que essa demanda cresce, começa a chamar a atenção de fundos para surfar essa onda também”, afirmou Francisco Clemente, sócio-líder do segmento de Media & Sports da KPMG no Brasil.

Um desses exemplos é a OutField, que investe em startups como a Bepass, de biometria facial para estádios, e a 2MorrowSports, de programas de sócio-torcedor. A gestora de venture capital e consultoria de investimentos em esporte está em fase de captação de seu segundo fundo no valor de R$ 70 milhões - R$ 30 milhões já entraram no caixa - para apostar em novas oportunidades nesse mercado.

“A nossa visão é que, se olharmos para tudo que é oferta B2C relacionada a esporte e a entretenimento no Brasil, estamos no começo dessa curva de consolidação”, afirmou Pedro Oliveira, co-fundador da OutField, à Bloomberg Línea.

A OutField foi a responsável por assessorar a X3M, empresa que organiza provas como o XTerra e a UpHill, na venda de participação societária para o Grupo SBF, dono da Centauro, em 2022.

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“Eu entendo que, como a classe de ativo está valorizada e chama a atenção do investidor, faz muito sentido as empresas aproveitarem o momento também para fazer movimentos de M&As”, disse Oliveira.

É um movimento observado no exterior há mais tempo. Ele mencionou a consolidação liderada nos anos 2000 pela Ticketmaster na venda primária de ingressos no mercado americano e o surgimento de players como a StubHub como uma das maiores plataformas de revenda de bilhetes.

A aquisição da Ticket Sports pela Ingresse se insere nesse contexto. A transação de M&A foi a sétima desde o surgimento do negócio, fundado por Gabriel Benarrós em 2014.

Depois do entretenimento, com a venda de ingressos para shows, festas e festivais, a empresa passou a oferecer entradas para jogos de futebol mais recentemente, em unidade de negócios que será integrada à Ticket Sports.

Daniel Krufman, CEO da Ticket Sports: “A meta é fazer o máximo de GMV possível nos próximos 5 anos”

A Ticket Sports vende inscrições para provas como a São Silvestre, o IronMan, o Rei e Rainha do Mar e a L’Etape, prova de ciclismo vinculada ao Tour de France, o mais tradicional do mundo.

“A decisão da venda para a Ingresse foi muito em razão do parceiro. Nós acreditamos que temos muito poder de ‘tracionar’ e acelerar o crescimento”, afirmou Daniel Krutman, CEO da Ticket Sports.

A empresa, ainda sem se integrar com a Ingresse, projeta movimentar até R$ 300 milhões em vendas de ingressos neste ano, um crescimento de 75% em relação aos números de 2023.

A receita líquida da companhia cresce em ritmo semelhante e está estimada em mais de R$ 20 milhões. Neste ano, a expectativa é bater a marca de 2 milhões de inscrições, contra 1,3 milhão de 2023.

De cada competição, a Ticket recebe um take rate (taxas e comissões) em torno de 10%. “Esse é um negócio de escala. O nosso take rate fica muito abaixo do praticado em mercados de outras de ‘tiqueteiras’. Em shows, por exemplo, as empresas de ingressos chegam a ficar com 15% e 20%”, contou.

O equivalente a 80% da receita é gerado em provas de corrida de rua, negócio com o qual começou em 2015. O restante vem de inscrições para competições de ciclismo, triatlo, corrida de trilha e natação.

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De agora em diante sob o “guarda-chuva” da Ingresse, a Ticket Sports pretende realizar eventuais aquisições de plataformas concorrentes para acelerar o crescimento.

“A meta é fazer o máximo de GMV [volume bruto transacionado] nos próximos cinco anos”, disse o executivo, que permanece no comando da operação, liderando um time de quase 50 pessoas.

A Ticket Sports pretende acelerar o plano de entrar em outros países. Por ora em testes no Uruguai, a iniciativa tem como foco chegar a outros mercados da América Latina e da Europa.

“A Ingresse nos proporciona uma posição muito mais favorável para a expansão de mercado. Isso também já acontece com a própria Ingresse, que tem eventos e operação na Espanha e no Uruguai. Antes, nós não tínhamos fôlego para investir na expansão”, disse Krutman.

Com o modelo de marketplace de inscrições, a Ticket Sports depende de outro ator: as empresas de organização de eventos, como a Iguana Sports, da SP City Marathon, a Dream Factory, da Maratona do Rio e do Rally dos Sertões, e a Unlimited Sports, do IronMan e de outras provas de triatlo.

A Vega Sports deve organizar 50 eventos esportivos em 2025, como a Travessia Poliana Okimoto no litoral paulista

É nesse mercado que está a Vega Sports, em operação desde 2022. A empresa reúne cinco sócios, entusiastas do universo do esporte e executivos em diferentes áreas de negócios, além do ex-jogador de futebol Juan Maldonado, que defendeu clubes como São Paulo, Arsenal e Flamengo.

A empresa foi escolhida neste ano como a nova organizadora da São Silvestre, a maior e mais tradicional prova para atletas amadores do país, que chega à sua 99ª edição neste ano. Disputada sempre no último dia do ano, a corrida de 15 quilômetros pelas ruas de São Paulo atraiu 35.000 pessoas em 2023.

A Vega promove também competições como a Asics Golden Run, a Ayrton Senna Racing Day, a Ultra BM, antes conhecida como Bertioga-Maresias, e a Travessia Poliana Okimoto, prova de natação em mar idealizada pela medalhista olímpica de maratona aquática na Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.

No comando da operação está o executivo Marcos Yano, com mais de 20 anos de mercado. Ele foi um dos sócios-fundadores da Norte Marketing Esportivo, que organiza o Circuito das Estações, com quatro provas de 10 km ao longo do ano e um dos pioneiros do mercado de corridas de ruas nos anos 2000.

“Há um espaço para profissionalizar a prática do esporte no Brasil”, disse Yano. O objetivo da Vega é se tornar uma holding de negócios do esporte para a América Latina, contou.

A empresa deve chegar a 50 provas organizadas em 2025, número que considera acordos já fechados. Yano não abre os números atuais de receitas, mas disse que projeta chegar a R$ 500 milhões em 2030.

“Nós temos dobrado de tamanho a cada semestre, mas esse é um plano arrojado. Funciona como um norte. Temos registrado um crescimento vertiginoso tanto em estrutura quanto em faturamento”, disse.

A Vega Sports atua com divisões de live marketing, com ações como a Asics House, agenciamento de jogadores de futebol, estrutura para administração de SAF (Sociedade Anônima de Futebol). No futuro, há planos para estruturar um fundo para investir em clubes de futebol.

As provas representam atualmente 50% da receita da Vega, mas o plano é diversificar as fontes. Além da venda de inscrições, a empresa ganha com o patrocínio de marcas, ativações e locação de espaços para marcas esportivas nas feiras que organiza para a retirada dos kits das provas.

“O objetivo é chegar ao breakeven de cada evento com a venda dos ingressos ou, pelo menos, estar próximo disso. O que faz a diferença são os patrocínios”, disse Yano. De acordo com o executivo, a Vega tem hoje desde eventos em que consegue uma margem de 20% a outros que fecham no negativo.

Para atingir um melhor equilíbrio financeiro, a empresa pretende avançar na chamada “entrega de experiências”, a exemplo do que acontece no mercado de entretenimento, em eventos como o Rock In Rio.

Além da conquista da São Silvestre, a empresa fechou o que define de “aliança estratégica” com a Yescom para ajudar a concorrente tradicional na gestão de quatro ativos que estão entre os maiores do país em inscritos: a Maratona Internacional de São Paulo, a Meia Maratona Internacional de São Paulo, a Meia Maratona Internacional do Rio de Janeiro e a Volta Internacional da Pampulha.

São provas que hoje chegam a reunir quase 20.000 atletas amadores inscritos, número de não passava de 5.000 não faz muito tempo, o que sinaliza o potencial de geração de negócios.

De acordo com Yano, a parceria não envolveu “participação acionária neste primeiro momento”.

Assim como a Ticket Sports, a empresa mantém no radar potenciais aquisições para acelerar o crescimento. “Existem muitas oportunidades de consolidação em um mercado que vai continuar a crescer muito”, afirmou o CEO da Vega Sports.

As aquisições, até aqui, foram fomentadas por investidores estratégicos. Ou seja, companhias que buscaram complementar o portfólio de produtos, como a SBF, a SmartFit e a Ingresse.

A expectativa de quem já está nesse mercado voltado para atletas amadores é que a entrada de “dinheiro novo” se torne algo recorrente e em maior escala.

“Um pouco do nosso papel na OutField é contar essa narrativa do potencial do mercado, dos movimentos que podem ser feitos, e atrair capital de fundos de private equity e de venture capital”, disse Oliveira.

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